"No Brasil aprendi que não se deve levar tudo tão a sério"
Luisa Frey
20 de dezembro de 2017
Vanessa Dreier, de 29 anos, ficou encantada com o jeito brasileiro de levar a vida: da tranquilidade à musicalidade. Ao voltar à Alemanha depois de um ano no Brasil, ela aprendeu de vez o significado da palavra saudade.
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"Sinto muita saudade do Brasil. É só tocar música brasileira que logo fico nostálgica. Fui para lá em 2010, para um intercâmbio em Florianópolis. A ideia era estudar relações internacionais na Universidade Federal de Santa Catarina por seis meses, mas gostei tanto que acabei ficando um ano.
Além de a universidade ser muito boa, achei a cultura local e a cordialidade impressionantes. As pessoas são muito atenciosas, prestativas e hospitaleiras. É só um estrangeiro abrir a boca que logo alguém pergunta se pode ajudar.
É muito fácil fazer amizades no Brasil. As pessoas logo te integram à vida delas. Dizem: ‘Vamos sair hoje à noite. Quer vir junto?' Acho que os brasileiros são mais confiantes do que os alemães na hora de abordar alguém. O primeiro contato é mais fácil.
Uma vez eu estava na praia, e começou a chover. Foi na minha segunda ida ao Brasil, em 2015, desta vez para o casamento de uma amiga e na companhia do meu namorado. Um homem passou e disse: ‘Venham comigo, minha casa é logo ali.' Pensamos: ‘Será que é perigoso? Podemos confiar nele?' Acabamos indo, e ele realmente só queria evitar que nos molhássemos. Ficamos conversando durante um tempão.
Também acredito que os brasileiros saibam aproveitar melhor a vida. Em Florianópolis, morei na Barra da Lagoa, onde há uma comunidade de pescadores. Eles trabalham muito, saem para pescar às 4h da manhã, mas sabem que a vida não é feita só de trabalho. Aprendi a ter mais tranquilidade, que não se deve levar tudo a sério, e que às vezes é melhor simplesmente deixar estar.
Fiquei muito impressionada com o fato de tantas culturas conviverem juntas. Há gente com raízes africanas, italianas, alemãs. E apesar de, à primeira vista, isso não ter importância, cada um tem a sua história. Acho que a experiência no Brasil e o contato com outras culturas me mostraram que pertencemos todos a um mundo só e me estimularam a trabalhar com cooperação para o desenvolvimento, que é o que faço hoje na Alemanha.
É claro que também tive alguns choques culturais no Brasil. Logo no início, fui convidada para um churrasco, a partir do meio-dia. Tomei café da manhã e, ao meio-dia, eu estava lá. Pensei que comeríamos por volta das 14h. Acontece que as pessoas começaram a chegar às 16h30, e o churrasco só começou a ser feito às 17h, quando eu estava morrendo de fome. Tive que aprender a não ser tão pontual assim.
Outro choque cultural envolveu o samba. Na universidade, tinha roda de samba todo sábado, e uns amigos brasileiros tentaram me ensinar a sambar. Mas você sabe que os alemães são conhecidos por não terem muito talento para dança. Eu tentei, mas acho que não parecia algo muito autêntico (risos).
Aliás, a música foi uma das coisas que mais me impressionou no país, não só o samba, mas também bossa nova e MPB. Antes de ir para o Brasil, eu só conhecia música brasileira das aulas de português, mas é diferente quando você anda pelas ruas e escuta a música.
Acho que a musicalidade é mais presente no Brasil, as pessoas se identificam mais com a música, e é comum ter música ao vivo em restaurantes, por exemplo. E é impressionante como tudo se encaixa quando as pessoas dançam samba juntas.
Foi muito difícil me despedir do Brasil. Das praias, do clima ameno mesmo no inverno, da feijoada com farofa, das pessoas calorosas. Já morei em muitos lugares, como Áustria, Estados Unidos, China e Benim, mas acho que o Brasil tem um significado especial para mim. Foi onde passei mais tempo e onde me senti melhor.
Tanto que a relação com o Brasil se manteve: procurei uma brasileira para fazer tandem (uma espécie de intercâmbio linguístico), fiz um estágio ligado ao país e hoje espero poder estabelecer alguma ponte com ele no meu trabalho. Se eu tivesse a oportunidade de trabalhar no Brasil, iria imediatamente."
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Na série Como o Brasil mudou minha vida, a DW conta a história de alemães que viveram no país.
O Brasil tem muitas facetas. É difícil dizer que algo é tipicamente brasileiro. Mesmo assim, há características que chamam a atenção de quem é de fora. Veja o que jornalistas estrangeiros no Brasil acham dos brasileiros.
Foto: picture-alliance/dpa
O atraso faz parte do dia a dia
Ao marcar um encontro com um brasileiro, pode-se ter quase certeza de que ele vai se atrasar pelo menos alguns minutos, se não mais de uma hora. Isso é normal, e raramente alguém fica aborrecido. E, quando sabe que o outro não será pontual, você também se acostuma a chegar tarde: o atraso já é levado em conta. Resta a pergunta: Não seria mais fácil todo mundo aparecer no horário combinado?
Foto: Fotolia/olly
O famoso "jeitinho brasileiro"
O termo "jeitinho brasileiro" se refere à forma criativa de resolver problemas e superar obstáculos. Quando você pensa que já tentou de tudo, vem o brasileiro e acaba achando uma solução – por mais inconvencional que ela seja! Pena que, como tudo na vida, o jeitinho não é só usado para coisas boas.
Foto: Colourbox
Cerveja, só geladíssima
Para um brasileiro, a cerveja tem que estar "estupidamente gelada". E, enquanto em muitos outros países, cada um compra a sua garrafinha de 330 ml ou 500 ml, no Brasil as pessoas pedem uma garrafa grande e dividem a cerveja em copos. E, para admiração do turista, a garrafa é colocada num porta-cerveja para não esquentar. Algo impensável na Alemanha!
Foto: Getty Images/AFP/M. Hippenmeyer
Sem arroz e feijão não dá!
A paixão por arroz e feijão de quase todo brasileiro é um fenômeno engraçado. Muitos comem isso todo dia e, e mesmo quando há outras opções na mesa, se servem de arroz e feijão. O estrangeiro pensa: "Deve ser um instinto de sobrevivência!" Quando o brasileiro tem que passar um tempo sem o amado arroz e feijão, parece até que foi privado de uma necessidade básica.
Foto: picture-alliance/dpa/N. Tondini
Todo brasileiro sabe sambar
Na música brasileira há uma grande variedade de estilos: forró, sertanejo, axé... Mas, no exterior, o Brasil é famoso principalmente pelo samba. Pensa-se que todo brasileiro samba em todas as ocasiões festivas. Seja isso verdade ou não, o fato é que o samba é um dos maiores símbolos brasileiros e até virou produto de exportação. Há centenas de escolas de samba no Japão e na Europa.
Foto: Reuters/S. Moraes
O país do Carnaval
Quando se pensa no Brasil, para muitos a primeira coisa que vem à cabeça é o Carnaval. Pela televisão, a cada ano, espectadores do mundo inteiro admiram as imagens do Sambódromo com os dançarinos e suas fantasias espetaculares. Sem dúvida, o Carnaval é a maior festa popular do Brasil. Porém, de acordo com vários estudos, mais da metade dos brasileiros afirma não gostar muito de cair na folia.
Foto: Reuters/R. Moraes
Paciência e otimismo
É incrível a paciência e o otimismo que o brasileiro tem em relação ao futuro ou quando algo não funciona. Em vez de criar cenários sombrios, ele confia que "vai dar tudo certo" e espera até as coisas se ajeitarem. Um estudo do Instituto Gallup World Poll realizado em 138 países apontou que os brasileiros são o povo mais otimista do mundo.
Foto: imago/Schreyer
Comunicativos e alegres
Os brasileiros realmente sabem como aproveitar a vida: gostam de bater um papo, se reunir, fazer churrasco... É o jeito sociável e extrovertido deles que faz turistas e imigrantes amar o país. Mesmo que muitos brasileiros sejam assim, é claro que há exceções: pois ser comunicativo e alegre não é só uma questão da cultura, mas também de cada personalidade.
Foto: Fotolia/Andres Rodriguez
Educados até demais
O brasileiro é educado e não muito direto. Muitas vezes, prefere ficar calado para evitar irritação e embaraço. Ele não gosta de enfrentar situações desagradáveis e, por isso, às vezes se torna um desafio obter um claro "sim" ou "não" dele. Bom, ser educado não é ruim, mas, se for demais, atrapalha!
Foto: Imago/K. M. Höfer
Viciados em redes sociais
WhatsApp, Facebook, Snapchat. Quem tiver, por exemplo, amigos brasileiros e amigos alemães nas redes sociais, provavelmente vai notar uma diferença no comportamento online. Enquanto o alemão evita mostrar muito da vida privada na internet, o brasileiro é bastante ativo. Um estudo de 2012 apontou que os brasileiros são o povo mais viciado em Facebook.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Kahnert
Brasileiro é machista
Numa festa, uma mulher pode estar certa de que alguém vai flertar com ela se não tiver um namorado ao lado. Até certo ponto, tudo bem, mas em geral ele não se conforma com uma rejeição, ficando chato e insistente. Em situações assim, fica evidente que no Brasil há uma cultura de dominação masculina. Embora nos últimos anos já tenha mudado muito, o machismo ainda está impregnado na sociedade.
Foto: Fotolia/snaptitude
Democracia racial?
Seja descendente de italiano, alemão, japonês ou africano, no Brasil, todos vivem juntos e se sentem brasileiros em primeiro lugar. Em países europeus, onde a integração de imigrantes é difícil, isso parece um milagre. Só que, além da aparência, há sim desigualdade no Brasil. Estudos mostram que negros são discriminados. E a maioria dos pobres no Brasil são negros; e a maioria dos ricos, brancos.
Foto: Getty Images/AFP/Y. Chiba
Quem é a mais bela de todas?
Unhas perfeitas, visitas semanais ao salão de beleza, horas em frente ao espelho. A mulher brasileira adora cuidar do próprio corpo e se arrumar. Segundo um estudo internacional da empresa de cosméticos Avon, ela se importa mais com a aparência do que qualquer outra mulher no mundo.
Foto: picture-alliance/dpa
Orgulho e vergonha ao mesmo tempo
A atitude do brasileiro em relação à própria nacionalidade é um pouco paradoxal: por um lado, ele adora o país, tem orgulho da cultura, da natureza, de tudo. Por outro lado, nota-se certo "complexo de vira-lata". É uma expressão criada pelo escritor Nelson Rodrigues, que significa que o brasileiro se acha inferior em comparação com outras nacionalidades e não tem muita fé no próprio país.