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No Cairo, a face da revolta é jovem e tem pouco a perder

1 de fevereiro de 2013

Maioria dos manifestantes que há uma semana saem às ruas da capital egípcia para protestar é pobre, se sente abandonada pelo Estado e não hesita em usar a força para demonstrar sua insatisfação com o governo.

Foto: Matthias Sailer

Mohamed tem 15 anos. Usa óculos especiais e máscara de gás para se proteger das balas de borracha e do gás lacrimogêneo. Ele espera no início de uma rua à margem do Nilo, onde centenas de manifestantes se reúnem para uma verdadeira batalha contra a polícia nas ruas do Cairo. A maioria é jovem, alguns ainda mais novos do que Mohamed.

Os manifestantes costumam jogar pedras e coquetéis Molotov contra a polícia, que responde com balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e, em alguns lugares, munição real. Mohamed não tem dúvidas: é preciso usar a força.

“De forma pacífica, isso não funciona. A polícia começaria simplesmente a nos agredir se não nos protegêssemos. Por isso a violência. Estou aqui há uma semana. Antes, já tinha participado das batalhas diante do palácio presidencial e da erupção da revolução na Praça Tahrir”, conta, orgulhoso, o jovem.

Mohamed vive com um irmão em um dos bairros mais pobres do Cairo. Seu pai e sua mãe já morreram. Assim, ele passa grande parte do tempo nas ruas: o ex-ditador Hosni Mubarak e o atual presidente Mohammed Morsi, afirma, quebraram o país.

“Eu venho de uma família pobre. Não temos nada. Por isso viemos para cá e lutamos por nossos direitos, também porque não sou um animal. Espero que tenhamos um país decente”, diz.

Manifestantes tomam veículo da polícia nas ruas do Cairo em meio a nova onda de protestosFoto: Getty Images

A situação da maioria dos manifestantes é parecida com a de Mohamed. Eles não têm muito a perder, são extremamente pobres e quase não possuem direitos perante o Estado. Podem ser presos de forma arbitrária, e todos sabem que não terão como pagar um advogado para garantir sua defesa. Sentem-se tratados como lixo pelo governo. Dos políticos, Mohamed espera pouco e diz que só querem viver às custas do povo.

Ceticismo sobre solução política

Mohamed frequentou apenas a escola básica, mas pensa bem antes de dar suas respostas - a partir de suas experiências de vida foi capaz de construir opiniões razoáveis. Ele não é um criminoso e está decidido a lutar contra a sua atual situação. Enquanto conversa, vê a confusão subitamente se instalar.

A fumaça gerada pelas bombas de gás lacrimogêneo surge, e já não é mais possível ver a entrada da rua à margem do Nilo. Os manifestantes correm, gritam. Uma jovem vestida com o véu islâmico cambalea em meio à confusão e cai desacordada. Logo, é carregada por um dos jovens e levada a uma ambulância. Sem grandes problemas, Hossam, de 23 anos, emerge da multidão. Tem apenas os olhos ardendo.

“Há dois anos nós vamos às ruas porque queremos justiça e liberdade, mas a polícia sempre nos enfrenta. Dois anos atrás, um amigo meu foi morto pela polícia. Em comparação com com a munição militar, pedras e coquetéis molotov são pacíficos”, diz Hossam.

Hossam se diferencia entre os muitos jovens pobres. Por seu tênis caro e sua roupa nova, percebe-se facilmente que ele pertence à classe média, minoria entre os manifestantes. O jovem não acredita mais em uma saída política para a crise egípcia, quer uma “solução revolucionária”. Para ele, o presidente deveria renunciar, e os responsáveis pelas mortes de manifestantes serem julgados.

O jovem tem ideais, mas não respostas realistas para a situação no Egito. Para seu colega Mostafa, de 24 anos, a razão para a violência é clara: “As pessoas se tornaram violentas porque não obtiveram respostas para suas demandas”.

"Bloco Negro" ganha popularidade

Disposto à violência, chamado Bloco Negro provoca admiração e críticas por parte dos revoltososFoto: Reuters

A isso pode estar relacionado o surgimento, nos últimos dias, do movimento autointitulado Bloco Negro, um grupo de jovens vestidos com máscaras e roupas pretas e que usam de violência para demonstrar sua oposição à Irmandade Muçulmana e ao governo Morsi. Não se sabe quem está por trás do grupo, mas o estilo ganhou rapidamente popularidade – muitos estão se vestindo como eles, mesmo sem fazerem parte do bloco.

“Eles não vão causar nenhum dano. Eles querem apenas o melhor para o povo egípcio. O governo não atende às expectativas do povo e, por isso, alguns resolveram tomar a iniciativa e fundaram o chamado Bloco Negro”, diz Mostafa.

Há, no entanto, os mais céticos em relação ao movimento. Para alguns, o bloco seria apenas uma invenção do próprio governo para que a polícia possa agir ainda com mais dura contra o povo. A Irmandade Muçulmana considera o grupo responsável pela violência, e o procurador-geral declarou, na terça-feira, o Bloco Negro uma organização terrorista cujos membros deveriam ser presos. Como muitos manifestantes usam roupa preta, a declaração pode ser, juntamente com a parcialmente imposta lei de emergência, uma carta branca para a prisão de jovens.

Autor: Matthias Sailer (rpr)
Revisão: Francis França

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