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CriminalidadeJapão

No Japão, violência armada é rara e lei de armas é rígida

8 de julho de 2022

Ataque a tiros contra ex-primeiro-ministro chocou o país asiático, conhecido por seu controle estrito sobre armas de fogo e que registrou só uma morte por violência armada em 2021. Artefato que matou Abe seria caseiro.

Homem de costas olha para uma tela, que mostra uma foto do ex-primeiro-ministro japonês Shinzo Abe
Shinzo Abe morreu após ser baleado durante um evento de campanha para eleições parlamentaresFoto: Charly Triballeau/AFP/Getty Images

A morte do ex-primeiro-ministro japonês Shinzo Abe, após ter sido baleado nesta sexta-feira (08/07) durante um evento de campanha para eleições parlamentares, chocou o mundo e o Japão, uma nação onde o controle de armas de fogo é rígido e a violência armada é bastante rara.

Com uma população de 125 milhões, o país asiático registrou apenas dez casos criminais envolvendo armas de fogo em 2021, os quais resultaram em uma morte e quatro feridos, segundo a polícia. Oito desses casos estavam relacionados a gangues.

Em Tóquio, não houve nenhum incidente, ferimentos ou mortes envolvendo armas de fogo durante o mesmo ano, embora 61 armas tenham sido apreendidas na capital japonesa.

Ainda há incertezas sobre a motivação do ataque contra Abe. A emissora NHK noticiou que o suspeito, identificado como Tetsuya Yamagami, de 41 anos, e que foi detido no local do crime, teria dito à polícia que estava insatisfeito com o ex-chefe de governo e queria matá-lo. Segundo a mídia, o homem serviu ao Exército japonês por três anos, até 2005.

Primeiro-ministro mais longevo da história do Japão, Abe foi baleado duas vezes na cidade de Nara, região central do país, enquanto fazia um discurso a favor do atual premiê japonês, Fumio Kishida, favorito nas pesquisas para as eleições parlamentares deste ano.

Segundo a NHK, o suspeito teria usado uma arma artesanal, que aparentava ser uma espingarda de cano duplo improvisada ou caseira – numa forma de burlar os rígidos controles de armas do país.

O especialista N.R. Jenzen-Jones, diretor do Armament Research Services, empresa de pesquisas sobre armas e munições, comparou a provável arma usada no crime com um mosquete da época da Guerra Civil, no qual a pólvora e o propelente são carregados separadamente do projétil.

"A legislação sobre armas de fogo no Japão é muito restritiva, então acho que o que estamos vendo aqui, com o que provavelmente é uma arma de antecarga [na qual o projétil e propelente são carregados pela 'boca' do cano da arma], não é apenas uma tentativa de burlar o controle de armas de fogo, mas também o controle estrito de munição no Japão'', disse.

Embora a maioria das universidades japonesas tenham clubes de tiros e a polícia seja armada, a maioria dos cidadãos do país passa a vida inteira sem manusear ou mesmo ver uma arma de fogo.

Esfaqueamentos são mais comuns como causa de homicídios no país. O debate sobre o direito de portar uma arma, frequente em países como os Estados Unidos e que se tornou mais presente no Brasil sob o governo Bolsonaro, é uma questão distante no Japão, e tem sido assim há décadas.

Violência armada e política são raras

"O povo japonês está em estado de choque", afirmou Shiro Kawamoto, professor da Faculdade de Gestão de Riscos da Universidade Nihon em Tóquio.

O evento de campanha onde o ataque ocorreu atraiu uma enorme multidão, o que tornou a segurança um desafio, segundo o especialista. "Isso serve como um alerta de que a violência armada pode ocorrer no Japão, e a segurança para proteger os políticos japoneses precisa ser reexaminada", alertou. "Pressupor que esse tipo de ataque nunca vai acontecer seria um grande erro."

Já há especulações de que a equipe de segurança de Abe deverá enfrentar sérios questionamentos. Mas ataques como esses são extraordinários no Japão, o que faz com que um esquema leve de segurança seja a norma em eventos desse tipo, mesmo envolvendo ex-primeiros-ministros.

A última vez que um caso de violência armada de alto nível ocorreu no país foi em 2019, quando um ex-membro de gangue foi baleado em uma casa de karaokê em Tóquio.

Ataques contra políticos também são incomuns. Houve apenas alguns poucos nos últimos 50 anos, sendo o mais notável em 2007, quando o prefeito de Nagasaki foi morto a tiros por um gângster – um incidente que resultou em um endurecimento ainda maior do controle de armas.

A última vez que um ex-primeiro-ministro japonês foi assassinado foi em 1936, durante o período militarista pré-guerra do Japão, sendo um de uma série de assassinatos semelhantes.

Caminho árduo até obter uma arma

Segundo a lei japonesa, a posse de armas de fogo, bem como de certos tipos de facas e outras armas, como espingaradas, é ilegal sem uma licença especial. Importá-las também é ilegal.

"Ninguém deve possuir uma arma de fogo ou armas de fogo ou uma espada ou espadas", diz uma lei do pós-guerra datada de 1958.

Os japoneses que querem adquirir uma arma de fogo precisam passar por um processo rígido que envolve 13 passos. Primeiro, é preciso aderir a um clube de caça ou tiro, realizar um curso de armas de fogo e passar por um exame escrito, antes de obter uma declaração médica de que se está mentalmente apto e não tem histórico de dependência de drogas.

Os requerentes precisam então se inscrever em um curso de um dia inteiro sobre como disparar uma arma de fogo e armazená-la com segurança.

Em seguida, eles são entrevistados pela polícia para esclarecer por que querem uma arma, e submetidos a uma análise completa de antecedentes que envolve entrevistas com membros de sua família, checagens sobre o relacionamento com seus vizinhos, histórico de emprego e situação financeira.

Se forem aprovados em todas essas etapas, os requerentes podem solicitar uma licença e obter um certificado de um revendedor sobre o tipo de arma que desejam adquirir. Eles precisam então comprar um cofre para a arma e para munição, que deve ser inspecionado pela polícia. Os agentes fazem então outra verificação de antecedentes.

ek/bl (AP, Reuters, ots)