Após meses de luta de poder entre presidente e Parlamento, peruanos elegem seus representantes em 26 de janeiro. Com mais da metade do eleitorado indecisa, curso reformista do governo Vizcarra está ameaçado.
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Os observadores eleitorais da Organização dos Estados Americanos (OEA) e União Europeia (UE) já chegaram ao Peru: neste último domingo de janeiro (26/01) o país tentará dar fim à crise institucional em que se precipitou desde setembro último.
Os peruanos não parecem tão entusiásticos com esse pleito legislativo antecipado. A poucos dias da data, segundo o Instituto de Pesquisa de Mercado e de Opinião CPI, 54% dos eleitores admitiram ainda não saber a quem darão seu voto. Ainda mais preocupante é que, dependendo da enquete, entre 19,1% (CPI) e 34% (Instituto Ipsos) anunciaram que pretendem entregar um voto em branco ou nulo.
A entrega de votos anulados tem consequências bem diversas de um voto de protesto, podendo, no fim das contas, favorecer os partidos fragmentários. No Peru, o mínimo de votos que um partido necessita para integrar o Parlamento é de 5% do total. Quanto menor o número de votos válidos registrados, mais fácil se torna ultrapassar esse teto.
Nesse contexto, candidatos de sete das 21 legendas concorrentes se apresentaram para um debate televisivo sobre os temas que mais ocupam os peruanos: reforma eleitoral e judiciária, redução do abismo social e luta contra a corrupção.
O Peru está assolado pela corrupção como poucos outros países: quatro de seus ex-presidentes foram gravemente implicados no escândalo da Lava Jato. Um deles se suicidou durante as investigações. "Na classe política há certamente gente que merece reconhecimento e confiança, mas para uma grande parte da população é difícil distingui-los dos demais", avalia Eduardo Dargent, cientista político pela Universidade Católica do Peru, falando à DW.
"A enorme desconfiança perante a política, e a noção de que ela é um negócio sujo se fortaleceram nos últimos anos. Registros de vídeo e áudio que chegaram ao conhecimento público parecem confirmar isso. Agora é muito difícil recuperar a confiança perdida."
Durante o debate na TV, os espíritos se exaltaram ao ser abordado o assunto corrupção. Ricardo Vásquez, principal candidato do conservador e econômico-liberal Força Popular, acusou o presidente Martín Vizcarra de empreender uma campanha de difamação contra seu partido.
Os representantes das legendas menores de esquerda insistiram no tema, reivindicando investigações de corrupção contra membros do Parlamento, o fim do nepotismo e até uma nova Constituição. Não faltaram exigências.
O cientista político Dargent não exclui a possibilidade de algumas dessas reivindicações chegarem até o Parlamento. "Pode ser que um ou outro micropartido de esquerda consiga ultrapassar o limite de 5%, sobretudo por causa dos esperados votos nulos." Para ele, a surpresa seria um dos grupos conquistar mais de um quarto dos assentos: "Considero isso muito improvável, justamente devido à fragmentação do panorama político."
Há numerosas incógnitas neste pleito, mas uma coisa é certa: as eleições de 26 de janeiro são inéditas na história do Peru. Nunca antes o país elegeu um Parlamento sem, ao mesmo tempo, eleger seu presidente. Outra especificidade é que os representantes do povo só ocuparão o cargo até 2021, quanto termina a legislatura regular e o presidente Vizcarra abandona o cargo.
No total, estas eleições prometem colocar o presidente em exercício numa posição melhor do que antes. O partido fujimorista Força Popular deverá perder sua maioria. "A oposição frontal custou muito terreno a Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori", explica Dargent. "Cabe aguardar se ela se manterá em sua linha de só se dirigir a uma parte do eleitorado, ou se tentará se abrir e se apresentar menos confrontadora."
Mesmo sem a veemente resistência dos conservadores do Parlamento, não está claro se Vizcarra conseguirá fazer passar seus projetos de reformas. Ao que tudo indica, o novo órgão legislativo não será tão disposto a reformas quanto o presidente – até porque metade do país ainda não sabe em quem votar.
Réu em vários processos, condenado e preso, Lula faz parte de uma extensa galeria de antigos governantes acusados de corrupção que cumprem pena ou ainda batalham nos tribunais.
Foto: picture-alliance/AP-Photo/L. Correa
Park Geun-hye (Coreia do Sul)
Presidente entre 2013 e 2016, Park sofreu impeachment por realizar tráfico de influência. Em seguida, foi acusada de desviar milhões de dólares de fundos de serviços de inteligência do país para compras extravagantes, além de pedir propina a grandes empresas sul-coreanas, como a Samsung. Em 2018, foi condenada a 25 anos de prisão.
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O quinteto peruano
O ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000) foi preso em 2005 por crimes diversos, e quatro sucessores se viram ligados à Odebrecht: Alejandro Toledo (2001-2006) teve prisão decretada em 2017 e está nos EUA; Alan Gárcia (2006-2011), investigado, se matou em 2019; Ollanta Humala (2011-2016), preso em 2017, foi solto no ano seguinte; e Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018) está em prisão domiciliar.
Foto: Getty Images/AFP/P. Ji-Hwan/C. Bournocle/T. Charlier/ J. Razuri
Ricardo Martinelli (Panamá)
Presidente de 2009 a 2014, Martinelli foi preso em Miami em 2017 e extraditado a seu país no ano seguinte, onde era acusado de operar esquema ilegal de espionagem de adversários políticos durante seu governo e de receber subornos da empreiteira brasileira Odebrecht. O acordo de extradição exigiu que ele fosse julgado apenas pelo delito de espionagem, pelo qual foi absolvido em agosto de 2019.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Martínez
Carlos Menem (Argentina)
Presidente entre 1989 e 1999, o extravagante Menem foi mantido preso durante cinco meses em 2001 por envolvimento em um escândalo de venda ilegal de armas para a Croácia. Em 2013, foi condenado a sete de anos de prisão pelo caso. Em 2015, voltou a ser condenado por corrupção envolvendo o pagamento de propinas a servidores públicos. Por enquanto, um mandato no Senado lhe mantém fora da cadeia.
Foto: picture-alliance /dpa/S. Goya
Jacob Zuma (África do Sul)
Presidente entre 2009 e fevereiro de 2018, Zuma enfrenta pelo menos 18 acusações de corrupção, extorsão, fraude e lavagem de dinheiro. No dia 6 de abril de 2018, compareceu a um tribunal para prestar depoimento em um processo que o acusa de receber subornos na venda de armamento para o governo.
Foto: Reuters/S. Sibeko
Nicolas Sarkozy (França)
Presidente entre 2007 e 2012, Sarkozy enfrenta acusações de corrupção e financiamento ilegal de campanha. Em 2014, foi detido para prestar depoimento em caso de tráfico de influência envolvendo promessas a um juiz em troca de informações sobre processos. Em março de 2018, foi novamente detido para interrogatório, desta vez por suposta doação ilegal feita pelo antigo ditador líbio Muammar Kadhafi.
Foto: REUTERS
Um trio guatemalteco
O ex-presidente da Guatemala Alfonso Portillo (2000-2004) foi preso em 2010 por receber subornos do governo de Taiwan, e solto em 2015. Alvaro Colom (2008-2012) foi preso em março de 2018 por fraudes no sistema de ônibus da capital e solto cinco meses depois. Otto Pérez Molina (2012-2015) foi detido um dia após renunciar por fraude em esquema de importações e seguia preso até outubro de 2019.
Foto: AP
José Sócrates (Portugal)
Primeiro-ministro entre 2005 e 2011, Sócrates foi preso em novembro de 2014 por suspeita de corrupção, evasão fiscal e lavagem de dinheiro. Segundo a Justiça, Sócrates beneficiou grupos empresariais enquanto esteve no poder e em troca recebeu 24 milhões de euros. Permaneceu na cadeia até setembro de 2015, quando passou para a prisão domiciliar. Em outubro de 2017, foi denunciado por 31 crimes.
Foto: Reuters
Ehud Olmert (Israel)
Premiê entre abril de 2006 e março de 2009, Olmert foi condenado em 2014 por aceitar subornos de construtoras quando era prefeito de Jerusalém. Nos meses seguintes, foi condenado em outros processos. Começou a cumprir pena em fevereiro de 2016 e deixou a prisão 16 meses depois, em liberdade condicional. Ele ainda aguarda o resultado de recursos.
Foto: Getty Images/AFP/G. Tibbon
Svetozar Marovic (Sérvia e Montenegro)
Presidente entre 2003 e 2006 da extinta Comunidade da Sérvia e Montenegro, Marovic foi preso em 2015 por envolvimento em uma rede de corrupção na administração da cidade de Budva. Em 2016, foi condenado a três anos e dez meses de cadeia por um tribunal de Montenegro. É considerado foragido pela Justiça. Vive hoje na vizinha Sérvia e é alvo de um pedido de extradição.
Foto: picture-alliance/AP Photo/D. Vojinovic
Ivo Sanader (Croácia)
Primeiro-ministro entre 2003 e 2009, Sanader foi acusado de receber suborno durante a negociação de empréstimo com um banco austríaco. Fugiu da Croácia em 2010. Extraditado em 2011, foi condenado a dez anos de prisão. Foi solto em 2015, após sua condenação ser anulada. Ainda enfrenta outras investigações e em 2017 voltou a ser condenado a quatro anos e meio de prisão por outro caso de corrupção.
Foto: AFP/Getty Images
Khaleda Zia (Bangladesh)
Primeira-ministra entre 1991 e 1996 e novamente entre 2001 e 2006, Khaleda Zia foi presa em fevereiro de 2018 após ser condenada a 17 anos de cadeia por corrupção e desvio de doações internacionais destinadas a um orfanato. Sua defesa afirma que as acusações têm motivação política.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Photo/A. M. Ahad
Vlad Filat (Moldávia)
Primeiro-ministro da Moldávia entre 2009 e 2013, Filat foi acusado de embolsar mais de 200 milhões de euros em um esquema de fraude bancária. Durante seu governo, três bancos do país concederam 1 bilhão de euros em empréstimos para empresas de fachada, lesando milhares de correntistas. Foi preso em 2015 e no ano seguinte foi condenado a nove anos de prisão por corrupção e abuso de poder.
Foto: picture-alliance/dpa
Fernando Collor (Brasil)
Em agosto de 2017, o ex-presidente Collor (1990-1992) se tornou réu por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa no âmbito da Lava Jato, acusado de cobrar propina em negócios envolvendo a BR Distribuidora. Em maio de 2019, foi denunciado também por peculato. Collor é senador e seus processos correm no Supremo Tribunal Federal.
Foto: picture-alliance/dpa/C. Gomes
Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil)
Em janeiro de 2018, o ex-presidente Lula (2003-2010) foi condenado em 2ª instância por corrupção e lavagem de dinheiro, no âmbito da Lava Jato, acusado de receber como suborno um apartamento no Guarujá. Detido em abril de 2018, ele já teria direito a ir ao regime semiaberto, mas segue preso. Em fevereiro de 2019, foi condenado em 1ª instância, desta vez envolvendo reformas num sítio em Atibaia.