No Senado, Moro contesta projeto de abuso de autoridade
1 de dezembro de 2016
Em debate no plenário, juiz diz que momento é inadequado para alterar legislação vigente e que mudança poderia "tolher investigações". Renan Calheiros defende projeto e garante que Lava Jato é "sagrada".
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O juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato na primeira instância, participou nesta quinta-feira (1º/12) de um debate no plenário do Senado sobre o projeto de lei relativo ao abuso de autoridade que tramita na Casa. Para ele, este "talvez não seja o melhor momento" para a aprovação do texto, pois poderia "passar uma mensagem equivocada à sociedade brasileira".
A proposta em questão sugere o endurecimento das punições a juízes e integrantes do Ministério Público que abusem de sua autoridade e cometam algum tipo de excesso. Entre os motivos listados está a atuação com motivação político-partidária e, entre as ações, por exemplo, as prisões "fora de hipóteses legais", como presos que são algemados mesmo quando não há resistência à prisão.
A aprovação desse texto pode ser vista como uma tentativa de paralisar as investigações em curso, afirmou Moro. Segundo o juiz, é preciso considerar "o contexto de que existe uma investigação importante, não só a chamada Operação Lava Jato, mas várias outras investigações importantes".
"Independentemente da intenção dos senadores, uma nova lei de abuso de autoridade poderia ser interpretada no presente momento como tendo o efeito prático de tolher investigações e persecuções penais", disse ele, destacando que não tem intenção de censurar ou induzir a decisão ao Senado. "Faço essa sugestão com humildade", acrescentou o magistrado, sendo aplaudido no plenário.
Moro sugeriu incluir no projeto de lei o trecho de que "não configura crime previsto nesta lei a divergência na interpretação da lei penal ou processual penal, ou na avaliação de fatos e provas".
"Com essa salvaguarda, eu diria que grande parte dos receios de uma aplicação equivocada desse projeto de lei provavelmente possam ser evitados, inclusive o receio de que isso venha a ser utilizado para criminalizar a jurisdição ou a atuação independente do Ministério Público", disse o juiz.
Moro ainda criticou a votação na Câmara do projeto de lei com medidas contra a corrupção, na madrugada de quarta-feira, quando os deputados desfiguraram o espírito original do projeto. "Essas emendas da meia-noite, que não permitem uma avaliação por parte da sociedade, um debate mais aprofundado pelo parlamento, não são apropriadas tratando de temas assim tão sensíveis."
O Projeto de Lei 280/2016, que modifica o texto da atual Lei de Abuso de Autoridade (Lei 4.898/1965), foi apresentado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, alvo de mais de dez inquéritos na Lava Jato. Segundo o peemedebista, a legislação está defasada e precisa de aprimoramentos. A expectativa é votar a matéria na Casa em 6 de dezembro.
Ao abrir o debate nesta quinta-feira, Renan defendeu seu projeto de alteração na lei, afirmando que o texto não busca "embaçar a Lava Jato" ou intimidar juízes e procuradores. "Considero a Lava Jato sagrada. Ela definiu alguns avanços civilizatórios e precisa ser estimulada para que possa colaborar com a diminuição da impunidade no Brasil, que é uma grande chaga", disse o senador.
EK/abr/efe/ots
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
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As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
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Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
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De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
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As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
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As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.