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No Sul, Lula tenta conquistar últimos redutos bolsonaristas

Jean-Philip Struck de Curitiba
17 de setembro de 2022

Candidato do PT volta a Curitiba, desta vez como favorito a vencer a eleição presidencial. Sul é a única região do país em que Bolsonaro ainda aparece à frente de Lula, mas petista vem ampliando eleitorado no PR e RS.

Campanha de Lula em Curitiba
Milhares participaram de ato da campanha de Lula no centro de CuritibaFoto: Heuler Andrey/Getty Images

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT ao Planalto, cumpriu neste sábado (17/09) a segunda etapa do seu giro pelos estados do Sul do Brasil, única região em que o presidente de extrema direita Jair Bolsonaro ainda lidera claramente as pesquisas.

Em Curitiba, a antiga "capital da Lava Jato", Lula reuniu milhares na Boca Maldita, tradicional área de comícios políticos no centro da capital paranaense, que sediou o primeiro grande ato nacional da campanha das "Diretas Já", em 1984. 

Em discurso com trechos feitos sob medida para o público curitibano e paranaense, Lula fez elogios à cidade e explicou a estratégia da sua viagem ao Paraná. "Dizem que aquele Estado é bolsonarista, pois é lá que eu quero ir", afirmou Lula.

"Tem gente que pensa que eu fiquei com ódio de Curitiba, porque fiquei preso aqui. A cadeia me fez aprender a amar Curitiba. Eu tenho gratidão por Curitiba, tenho respeito por Curitiba", disse o ex-presidente.

"Aqui eu encontrei a Janja, meu amor. Eu tenho gratidão e respeito por homens e mulheres que não mediram esforços de solidariedade para estarem comigo nos 580 dias em que estive aqui. Então, obrigado Curitiba", completou Lula, mencionando sua esposa, a socióloga Rosângela Silva, a "Janja", que é natural do Paraná.

Lula ao lado de Roberto Requião (esq.), o candidato do PT ao governo do ParanáFoto: Heuler Andrey/Getty Images

Esta é a segunda vez que Lula retorna a Curitiba após deixar a carceragem da Polícia Federal na cidade, onde permaneceu preso entre 2018 e 2019. O petista também dirigiu várias críticas a Bolsonaro, e explorou em seu discurso um calcanhar de Aquiles do presidente: a alta rejeição que o ex-capitão enfrenta entre o eleitorado feminino, que ganhou ainda mais evidência após várias declarações machistas do atual ocupante do Planalto.

"Este país precisa de um presidente civilizado. Um presidente que saiba que mulher não quer ser mais objeto de cama e mesa, mulher quer ser o que ela quiser", disse Lula.

O candidato  mencionou ainda as Forças Armadas, que nos últimos meses têm sido instrumentalizadas por Bolsonaro para semear paranoia sobre a segurança do processo eleitoral.

"Não queremos as Forças Armadas se metendo nas eleições do nosso país e nem querendo controlar urna”, disse Lula. "Nós já lidamos com as Forças Armadas e as tratamos com muito respeito. É preciso que alguns de lá tratem a sociedade com respeito, porque nós sabemos cuidar de nós e não precisamos ser tutelados", completou.

Além de Lula, participaram do comício a ex-presidente Dilma Rousseff, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e uma série de políticos locais do PT, entre eles o ex-governador Roberto Requião e a presidente nacional do partido, a deputada Gleisi Hoffmann. 

Críticas a Moro

Natural de Curitiba, Hoffmann usou seu discurso para direcionar críticas ao ex-juiz Sergio Moro, que em 2018 determinou a prisão de Lula, tirando o petista do pleito presidencial daquele ano. Posteriormente, Moro se tornou ministro do governo de extrema direita de Jair Bolsonaro, que passou para a liderança na eleição passada justamente por causa da saída de Lula no páreo. Atualmente, Moro concorre a uma vaga no Senado pelo Paraná e continua a cortejar o eleitorado bolsonarista.

"Esse é seu retorno a Curitiba, presidente Lula: nos braços do povo. É a redenção”, disse Gleisi Hoffmann. "Curitiba é a capital do Paraná, um estado que nos orgulha. Curitiba não é uma 'república'. Nunca foi. E essa capital e esse estado que vão dar a maior derrota para Sergio Moro. Nós temos um compromisso aqui: Moro não será senador do Paraná."

A deputada também mencionou os revezes que Moro teve com a Justiça Eleitoral no primeiro semestre, quando tentou se candidatar ao Senado pelo estado de São Paulo e acabou barrado por irregularidades na transferência do seu domicílio eleitoral. Sem opções, acabou se candidato pelo Paraná. Em pesquisa divulgada no fim de agosto, o ex-juiz apareceu em desvantagem na disputa pela vaga com o veterano Alvaro Dias (Podemos), que concorre à reeleição.

"Moro quis tentar ser político. E sabe onde ele foi tentar se candidatar? São Paulo. Porque ele achou que o Paraná não era suficiente para ele. Aliás, a mulher dele ficou lá, como candidata a deputada", disse Hoffmann.

Segurança reforçada 

O esquema de segurança do ato em Curitiba foi reforçado com membros de uma unidade de elite da Polícia Federal. Em 2018, dois ônibus de uma caravana de Lula foram atingidos por tiros quando trafegavam pelo interior do Paraná – até hoje a investigação não apontou suspeitos. Mais recentemente, um quadro do PT foi assassinado por um apoiador de Bolsonaro em Foz do Iguaçu, no oeste do estado.

A área do comício foi cercada por tapumes, para controlar o acesso. Mesmo antes do ato, o público já havia lotado a área delimitada. Outras centenas acabaram acompanhando o evento do lado de fora neste sábado, marcado por céu limpo e sol em Curitiba, após uma semana de chuva.

O ex-presidente já havia visitado a capital paranaense em março, para participar da solenidade de filiação ao PT do ex-senador Roberto Requião, ex-quadro do MDB que tenta conquistar um quarto mandato como governador do estado.

Paraná é historicamente terreno difícil para o PT

É justamente a candidatura Requião que garantiu a Lula um palanque no Paraná, tradicionalmente desafiador para candidatos do PT à Presidência: a última vitória de um presidenciável petista no estado foi no segundo turno de 2002.

Na segunda rodada do pleito de 2018, Jair Bolsonaro (então no PSL), conquistou 68,4% dos votos válidos no Paraná, contra 31,6% de Fernando Haddad (PT). Ao todo, Bolsonaro ficou na frente em 307 dos 399 municípios do estado, o sexto maior colégio eleitoral do país.

Em Curitiba a vitória de Bolsonaro foi ainda por uma margem ainda maior em 2018: 76,54% contra 23,46%. No primeiro turno, Haddad teve menos votos na cidade que Ciro Gomes, o terceiro colocado na disputa nacional.

No momento, Bolsonaro é apoiado no Paraná pelo atual governador, Carlos Massa Jr. (PSD), o "Ratinho Jr.”, amplo favorito nas pesquisas para vencer novamente o pleito, já no primeiro turno.

Pouco mais de duas semanas antes da viagem de Lula, Bolsonaro também esteve em Curitiba e participou de uma "motociata” e de um comício na mesma Boca Maldita ao lado de Ratinho Jr..

A única região que ainda dá vantagem clara a Bolsonaro

Além de Curitiba, a viagem do ex-presidente inclui mais duas etapas em capitais do Sul. Na sexta-feira, ele esteve em Porto Alegre, onde liderou um comício no centro da cidade. No domingo, é esperado em Florianópolis.

A viagem pelo Sul faz parte de uma ofensiva eleitoral do PT na única região do país na qual Bolsonaro ainda mantém uma vantagem clara nas intenções de voto.

No Nordeste e Sudeste, Lula aparece à frente, e dois adversários aparecem tecnicamente empatados no Centro-Oeste e Norte, segundo dados do Datafolha divulgados na quinta-feira.

Lula ainda sofre alta rejeição no Sul do país, com taxa de 46%, segundo pesquisa Ipec divulgada em 12 de setembro.

Lula participou de ato em Porto Alegre na sexta-feira. No RS, candidato PT já aparece empatado com Bolsonaro nas pesquisasFoto: Silvio Avila/AFP

Sul foi palco de desastre para o PT em 2018, mas quadro está mais favorável

Assim como no Paraná, a eleição presidencial de 2018 foi desastrosa para o PT em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul.

Em Santa Catarina, Bolsonaro conquistou 75,92% dos votos válidos no segundo turno. No Rio Grande do Sul, 63,24%. Haddad conquistou apenas 24,08% entre os catarinenses e 36,76% dos eleitores gaúchos – foram os piores resultados do PT nos dois estados desde 1989, quando o partido lançou pela primeira vez um candidato ao Planalto. No Paraná, o recorde negativo desde a volta das eleições presidenciais foi o mesmo.

No momento, os candidatos lançados pelo PT aos governos dos três estados enfrentam dificuldades. Décio Lima, em Santa Catarina, pontuou apenas 6% em pesquisa Ipec divulgada no fim de agosto. No Rio Grande do Sul, Edegar Pretto, registrou 9%. No Paraná, Requião somou 24%, mas aparecia bem atrás dos 46% do de Ratinho Jr., que é apoiado pelo presidente.

Embora o quadro permaneça desvantajoso para os candidatos locais do PT no Sul, e Bolsonaro em geral ainda apareça à frente na região, o quadro se apresenta melhor para Lula em 2022 do que para Haddad quatro anos atrás.

Em 2018, o candidato apoiado por Lula conquistou 31,7% dos votos na região Sul, contra 68,3% de Bolsonaro. Segundo levantamento Ipec divulgado em 12 de setembro, Lula agora tem preferência de 36% do eleitorado sulista, logo atrás de Bolsonaro, que tem 41%. Já o Datafolha apresenta um cenário um pouco mais desfavorável ao petista, com Bolsonaro mantendo 42% das intenções, contra 34% de Lula.

Mas Bolsonaro tem perdido terreno na região em relação a 2018. Segundo duas pesquisas divulgadas pela Atlas Político em 13 e 14 de setembro, Lula e o atual presidente estão tecnicamente empatados no Rio Grande do Sul. No Paraná, a vantagem de Bolsonaro é de apenas 4,5 pontos.

No primeiro estado, segundo o instituto, Bolsonaro conta com 40,7% das intenções de voto, com Lula aparecendo com 40,2%. Já no Paraná, a pesquisa aponta que o presidente tem 42,7%, contra 38,2% do petista.

Apenas em Santa Catarina Lula permanece com um percentual baixo de intenções de voto em relação a Bolsonaro: 26,5%, segundo pesquisa Atlas Político divulgada na quinta-feira, semelhante à votação de Haddad no segundo turno de 2018. Bolsonaro conta com apoio de 49,5% entre os catarinenses, mas seu percentual segue mais baixo que o conquistado no segundo turno da eleição passada.

Bolsonaro faz giro de "redução de danos" no Nordeste

Paralelamente à viagem de Lula ao Sul, Bolsonaro iniciou nesta semana viagens ao Nordeste, numa tentativa de reduzir sua alta rejeição na região, que dá clara vantagem a Lula, com 61% do eleitorado afirmando que não pretende votar no atual ocupante do Planalto – taxa pior que a de Lula no Sul.

Na quarta-feira, Bolsonaro esteve em Natal, Rio Grande do Norte, e no sábado sua agenda incluía visitas às cidades de Caruaru e Garanhuns – terra natal de Lula –, em Pernambuco.

Em desvantagem nas pesquisas, Bolsonaro viajou ao Nordeste para tentar conquistar alguns votos na região majoritariamente pró-LulaFoto: Marcos Corrêa/PR

No entanto a tarefa de tentar virar votos no Nordeste é considerada difícil para Bolsonaro. Mesmo em 2018, durante a "onda de direita” que varreu o Brasil, o petista Fernando Haddad ficou na frente de Bolsonaro na região. No segundo turno o petista teve 69,7% dos votos entre os nordestinos, contra 30,3% do atual presidente.

Desta vez, o cenário se desenha novamente desvantajoso para Bolsonaro, com 59% dos eleitores da região afirmando que vão votar em Lula, segundo pesquisa Datafolha divulgada na quinta-feira. Apenas 22% disseram pretender endossar a reeleição de Bolsonaro.

Para tornar as coisas mais complicada para o presidente, o Nordeste é uma região com um peso eleitoral mais importante que o Sul, com 27,11% do eleitorado nacional. Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul concentram 14,4%.

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