"A fera" - assim é chamado o trem que muitos centro-americanos usam para cruzar o México até a fronteira americana. Uma jornada perigosa, muitas vezes no teto dos vagões, sob o risco de acidentes, exploração e violência.
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Sentadas nos trilhos do trem, Luisa Marina e sua filha de 11 anos, Angie, de Honduras, esperam pacientemente por "La Bestia". Elas tiveram que caminhar por três dias para chegar à cidade de Palenque, no sul do México, e dormiram na rua nos últimos dois dias.
Imigrantes viajam no "trem da morte" para chegar aos EUA
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"Estou com medo de pegar este trem porque ouvi tantas histórias ruins sobre ele. Peço a Deus que nos proteja e que cheguemos ao nosso destino com segurança", diz Luisa Marina, ao lado de algumas dezenas de imigrantes que também esperam pelo trem.
"A fera", também chamada de "trem da morte", consiste em uma rede de trens de carga que atravessa o México, da fronteira sul com a Guatemala até a fronteira com os Estados Unidos. Todos os anos, até meio milhão de centro-americanos arriscam a vida a bordo desses trens.
A carona representa uma maneira mais rápida e barata de atravessar o país, mas os migrantes correm o risco de serem atacados, estuprados ou até mortos por cartéis e gangues locais que não hesitam em roubá-los dos poucos pertences e dinheiro que eles trazem consigo.
São 3h30min da manhã quando o trem finalmente chega, sem ser anunciado. Luisa Marina e sua filha, dormindo ao lado dos trilhos, são despertadas pelo som das rodas metálicas. Luisa Marina pega a mochila – sua única bagagem – e caminha rapidamente em direção ao trem com a filha.
"Estou aliviada, pois não teremos que nos sentar em cima dele", diz Luisa Maria, enquanto ajuda a filha a subir em uma passarela entre dois vagões.
Cair é um perigo real para aqueles que se sentam em cima do trem, onde não há nada em que se segurar. Mortes e lesões como amputações são comuns.
"Este trem não foi feito para as pessoas escalarem nele. Frequentemente, migrantes caem e morrem. Às vezes, eles usam os freios de mão do trem para fazê-lo parar e permitir que as pessoas subam. Ao subirem no teto do trem, eles também ativam os freios por engano, o que pode causar descarrilamentos", explica Octavio, encarregado da manutenção do trem, ao dar uma última olhada nos freios.
De pé entre dois vagões e com uma dúzia de outros migrantes, Luisa Marina aguarda ansiosamente pela partida.
"Ouvi dizer que, nos EUA, eles estão separando famílias e deportando os pais. Eu jamais poderia aguentar ser separada da minha filha. Prefiro voltar para o meu país do que deixá-la para trás."
O ar é quente e úmido e o som das acoplagens do trem batendo umas contra as outras é ensurdecedor. Os migrantes lutam contra a fadiga quando o sol nasce. Alguns deles aproveitam a luz da manhã para subir no telhado, onde se deitam para cochilar.
"Nós chamamos o trem de "La Besti"a porque ele é extremamente perigoso. Podemos cair. É como montar um touro", explica Jorge Cruz, sentado em cima do trem.
O hondurenho de vinte e poucos anos, que morava no estado de Maryland, foi deportado dos EUA há cerca de um mês. Agora ele tenta retornar. "Eu vivia uma vida tranquila, mas os serviços de imigração me pegaram e se recusaram a me conceder asilo. Tenho que seguir lutando por uma vida melhor", diz, enquanto desvia de perigosos galhos de árvores.
Quando o trem para inesperadamente, um grupo de jovens decide descer e colher mangas da mata. A maioria deles não trouxe suprimentos suficientes para a jornada.
"Não há mais nada para comer no trem, e não temos dinheiro para comprar comida. Teremos que sobreviver colhendo frutas que encontrarmos no caminho", explica Angel, que viaja com sua cunhada e o filho de 4 anos de idade.
Esperando ao lado dos trilhos, outros jovens aproveitam a parada repentina do trem para subir. Entre eles, está um amputado pulando em uma perna, segurando as muletas em uma das mãos. "Perdi minha perna no ano passado, depois de saltar do trem. Estava tentando fugir de uma patrulha mexicana de imigração", explica o hondurenho.
Sentada aos pés da mãe, Angie lentamente come uma manga. Ela e a mãe viajam sem dinheiro.
"Caminhamos por três dias para chegarmos até aqui. Às vezes encontramos algo para comer, mas outras não. Dói admitir, mas tivemos que beber água dos vasos sanitários", diz Luisa Marina.
As duas já estão no trem há mais de dez horas e não sabem quando chegarão ao próximo destino, uma cidade chamada Chontalpa, a cerca de 1.500 quilômetros do porto de entrada mais próximo dos EUA.
"Todas as mães pensam em seus filhos. Não queremos que nada de ruim lhes aconteça. É por isso que os trazemos conosco. Não podemos deixá-los sofrer em casa."
Em seu mandato, o ex-presidente americano Donald Trump prometeu construir um muro entre EUA e México. Mas, muito antes disso, esta fronteira já havia sido foco de filmes espetaculares. Veja a lista.
Foto: picture-alliance/United Archives/TBM
John Wayne em guerra
Em meados do século 19, EUA e México entraram em guerra sobre o estado do Texas, que pertencia aos mexicanos, mas foi anexado pelos americanos. A longa disputa foi muitas vezes retratada por Hollywood nos faroestes que detalhavam os violentos conflitos entre colonos americanos e o Exército mexicano. Entre os mais espetaculares está "Álamo" (1960), estrelado por John Wayne e Richard Widmark.
Foto: picture-alliance/United Archives/TBM
Dietrich e a fronteira
Em 1958, Marlene Dietrich fez uma breve aparição no brilhante suspense "A marca da maldade". O diretor Orson Welles, que teve o papel principal no filme, fez da região fronteiriça entre México e EUA o cenário para falar sobre corrupção, tráfico de drogas e outros crimes.
Foto: picture-alliance/United Archives/IFTN
"Rio Bravo"
Quando John Wayne apareceu em "Álamo", a grande era do faroeste americano estava quase no fim. Mas, quando o gênero cresceu na década de 1950, muitos faroestes se passaram na fronteira entre Texas, Novo México e Arizona de um lado, e o México, do outro. Um marco simbólico era o rio Grande que, localizado nesta fronteira, rendeu o título do legendário filme do diretor John Ford, de 1950.
Foto: picture-alliance/Mary Evans Picture Library
A fronteira em faroestes posteriores
No entanto, a fronteira entre os dois países conseguiu manter sua importância em numerosos faroestes lançados posteriormente. A região desempenhou um papel de destaque em "Meu ódio será tua herança" (1969), do diretor Sam Peckinpah, um épico do faroeste selvagem com muito sangue e que enfoca a ilegalidade em uma terra esquecida.
Foto: Imago/Entertainment Pictures
Variações modernas
O diretor americano Robert Anthony Rodriguez tem uma paixão pela região de fronteira, o que talvez se deva às suas raízes mexicanas. Muitos de seus filmes reproduzem o choque de culturas nesta região fronteiriça. Seu filme "Um drink no inferno", de 1996, viu Quentin Tarantino e George Clooney encenando irmãos que roubam bancos e que tentam fugir para o México.
Foto: picture-alliance/United Archives
Não há lugar para envelhecer
Ganhador de vários Oscars em 2008, entre eles o de melhor filme e direção, "Onde os fracos não têm vez" foi dirigido pelos irmãos Joel e Ethan Coen. A produção aborda as drogas, máfia, assassinatos e fraudes. O filme se passa na fronteira entre EUA e México – um lugar perigoso, onde a morte é comum e poucos envelhecem.
Foto: picture-alliance/dpa/Paramount Pictures
Ao sul de Albuquerque
Albuquerque, no Novo México, é o cenário da extremamente popular série de televisão "Breaking Bad", que foi produzida entre 2008 e 2013. Ela enfoca histórias na região envolvendo drogas. Ao sul de Albuquerque, fica a lendária fronteira entre Estados Unidos e México.
Foto: Frank Ockenfels 3/Sony Pitures
O lado obscuro do comércio
No filme "Desaparecidos" (2007), o diretor alemão Marco Kreuzpaintner escolheu contar a história de crianças mexicanas que atravessam a fronteira para os Estados Unidos como parte do tráfico de escravos sexuais. A estrela de Hollywood Kevin Kline desempenhou o papel principal.
Foto: picture-alliance/kpa
Guerra de drogas na fronteira
"Sicario: terra de ninguém" examina o impacto das guerras do narcotráfico na área de fronteira entre Arizona e México. O cineasta canadense Denis Villeneuve fez o agitado suspense em 2015, tendo Benicio del Toro no papel principal. A obra foi filmada no sul do Arizona.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Lionsgate/Richard Foreman Jr.
Filmes sobre drogas
A questão do narcotráfico parece atrair diretores de forma mágica. Em 2013, o cineasta britânico Ridley Scott filmou um suspense também nesta região fronteiriça. "O conselheiro do crime", estrelado por Brad Pitt e Michael Fassbender, foi filmado em El Paso, no Texas, e na Espanha.
Foto: picture-alliance/dpa
Crime e política
Há 17 anos, o diretor Steven Soderbergh lançou o renascimento dos filmes sobre a guerra das drogas. Em "Traffic", ele retrata a complexa relação entre polícia, traficantes e políticos – cujos laços uns com os outros estão indissociavelmente interligados para além das fronteiras geográficas.
Foto: picture-alliance/United Archives
Histórias de detetive
Além de faroestes e suspenses sobre drogas, inúmeras histórias de detetives e assassinatos misteriosos decorrem na fronteira entre EUA e México. Um clássico do gênero é o filme "O perigoso adeus" (1973), de Robert Altman, baseado em um romance de Raymond Chandler. O filme foi gravado na Califórnia, mas também em Tepoztlán, no México.
Foto: picture-alliance/United Archives/Impress
A fronteira em tempos de globalização
Em 2006, o diretor mexicano Alejandro González Iñárritu filmou o drama narrativo múltiplo "Babel". A obra traça os destinos entrelaçados de várias pessoas de diferentes regiões do mundo, e é uma parábola cinematográfica sobre a questão do significado da fronteira para as pessoas em tempos de globalização.
Foto: picture alliance/kpa
Comédia de fronteira
Não há muito o que rir quando se trata de uma fronteira. A maior parte dos filmes que lida com os laços entre EUA e México tendem à seriedade. Mas, em 2004, James L. Brooks fez a comédia "Espanglês" sobre um encontro com muito clichê entre um americano rico (Adam Sandler) e uma faxineira mexicana (Paz Vega).
Foto: picture-alliance/United Archives
Drama sobre imigração
Nos últimos anos, mais e mais filmes foram produzidos sobre imigração e pobreza na região. No ano passado, a coprodução Alemanha-França-México "Soy Nero" estreou na Berlinale. O diretor Rafi Pitts, com raízes iranianas, conta a história de um jovem mexicano que atravessa a fronteira para os EUA em busca de uma vida melhor.
Foto: picture-alliance/dpa/Neue Visionen
Um clássico moderno
Talvez o filme mais impressionante sobre a imigração do Sul para o Norte tenha sido feito por Cary Fukunaga, em 2009. "Sem identidade" retrata o destino de vários jovens do México que estão tentando chegar aos EUA. Enquanto alguns estão tentando escapar de bandos criminosos de suas cidades, outros procuram o paraíso na Terra.