Bolsonaro reagiu com gozação às críticas sobre sua intenção de ter Eduardo como embaixador nos EUA. Analistas europeus veem indicação como comportamento autocrático e se dizem preocupados com a democracia no Brasil.
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Assim o presidente Jair Bolsonaro ridicularizou, nesta segunda-feira (15/07), a crítica da mídia, que ele despreza, à polêmica indicação de seu filho "03" como embaixador do Brasil nos Estados Unidos: "Se está sendo criticado, é sinal de que é a pessoa adequada."
Também seu terceiro filho, Eduardo Bolsonaro, se considera qualificado: "Sou presidente da Comissão de Relações Exteriores [da Câmara], tenho uma vivência pelo mundo, já fiz intercâmbio, já fritei hambúrguer lá nos Estados Unidos."
A embaixada do Brasil em Washington foi até agora ocupada por diplomatas de ponta, com longa experiência. O fato de Bolsonaro querer entregá-lo ao advogado formado e político de profissão lembra práticas de regimes como o da Arábia Saudita ou do Uzbequistão, apontam analistas. Em sociedades modernas, a iniciativa causa estranheza.
"Um presidente confiar a seu filho uma função importante – e o Brasil não tem nenhum embaixador mais importante do que o de Washington – seria impensável num Estado europeu. Aqui, não se falaria de uma relação especial de lealdade e confiança, mas sim de falta de transparência e nepotismo", analisa o cientista político Thomas Jäger, da Universidade de Colônia.
Também seu colega Alexander Schmotz, da Universidade Humboldt, em Berlim, considera a indicação "estranha". E o mais problemático, afirma ele à DW, nem é o suposto nepotismo, ou seja, o beneficiar-se do cargo do pai de forma pessoal e lucrativa.
"O que chama a atenção é que conhecemos um procedimento desses antes em autocracias. O motivo por que isso ocorre com tanta frequência em não democracias, contudo, não é a multiplicação da fortuna familiar, mas o fato de os líderes autocráticos serem – e terem que ser – naturalmente desconfiados." Assim, laços familiares são uma certa garantia prévia de confiança.
Em vídeo, Eduardo Bolsonaro apresentou, como parte de sua expertise, a proximidade ao presidente americano, Donald Trump. O caso atual lembra, aliás, a atual presidência dos EUA, em que o genro Jared Kushner é nomeado mediador para o Oriente Médio.
"Com Donald Trump, a questão é a afirmação da marca política 'Trump'. Por isso, leva sua filha Ivanka para conferências internacionais e tenta possibilitar-lhe um perfil político. Pois ele vê nela – não ria – a primeira mulher presidente dos EUA", explica Jäger.
Segundo Schmotz, um "negócio familiar"como esse não é bom para a reputação da democracia americana. "Tais nomeações não contribuem para que se veja a atual administração como competente e eficiente. Elas são também muito reveladoras da noção de democracia do presidente em exercício, e do que é apropriado ou não é."
Deixando a expertise de lado, no Brasil há uma tradição especial de empregar os parentes. Até o momento, contudo, o Itamaraty era uma exceção, orgulhando-se da excelente formação de seus diplomatas. E a embaixada em Washington era sua figura de proa.
"Acho [a possível nomeação] um absurdo", comentou à DW o senador Angelo Coronel (PSD-BA), "pois é uma das embaixadas mais importantes que o Brasil tem. E colocar uma pessoa que não tem know-how e experiência, que, como ele mesmo disse, só fritou hambúrguer nos Estados Unidos e é amigo da família Trump, é um desprestígio ao Itamaraty." Coronel espera que o presidente desista da nomeação: "Juridicamente, não acredito que haja nepotismo. Não é ilegal, mas passa a ser amoral."
No momento, oscilam no Brasil as opiniões sobre se a nomeação seria lícita. A Controladoria-Geral da União e a Advocacia-Geral da União estão elaborando pareceres a respeito, mas a aprovação parece certa. Por sua vez, na semana anterior, o juiz Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), já classificara a indicação como nepotismo.
Democracia só no papel?
Uma nomeação de Eduardo Bolsonaro levantaria questões também no âmbito internacional. Pois em 2018 o deputado foi designado pelo mentor populista Steve Bannon como representante do movimento nacionalista de direita Alt Right na América do Sul.
"Essa nomeação não acalmará o ceticismo, frequentemente expressado na Europa, quanto à evolução da democracia no Brasil", sentencia o cientista político Thomas Jäger. "Ela se encaixa na avaliação de que os procedimentos democráticos só são cumpridos no papel, mas não no espírito, e assim a legitimidade democrática do governo vai sendo gradualmente esvaziada."
Causa de apreensão na Europa é igualmente a aparente proximidade entre as famílias Trump e Bolsonaro. "Quanto mais perto dos Estados Unidos trumpistas, mais longe da Europa: esse é o cerne da avaliação. Por isso, do ponto de vista europeu, o fortalecimento do eixo Brasília-Washington é desfavorável."
Espera-se que o Brasil não siga cegamente a política de Trump, como na política climática. "Certo, porém, é que na Europa considera-se que tanto a democracia americana quanto a brasileira estão em perigo", enfatiza Jäger.
Também Alexander Schmotz preocupa-se com a democracia brasileira. "O Brasil conta entre os países que vivenciaram uma sub-reptícia erosão das instituições e normas democráticas – nos estudos democráticos, nos referimos a democratic backsliding [recaída democrática]. Mas a nomeação do embaixador em Washington representa um papel subordinado. Ela se encaixa no quadro, mas vai ter poucas consequências."
As visitas de presidentes brasileiros aos Estados Unidos
Relembre como foram as principais visitas de presidentes do Brasil aos Estados Unidos após a redemocratização do Brasil nos anos 1980.
Foto: Public Domain/Ronald Reagan Presidential Library & Museum/White House
Setembro de 1986: Sarney visita Reagan
Além de se reunir com Ronald Reagan, José Sarney proferiu um discurso ao Congresso. Os líderes discutiram a crise do endividamento internacional e a recusa do Brasil em assinar um acordo formal com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Outro tema foi a manutenção pelo Brasil da reserva de mercado para produtos de informática, mesmo com possíveis sanções pelos EUA. Pelé também estava na comitiva.
Foto: Public Domain/Ronald Reagan Presidential Library & Museum/White House
1990-1992: visitas entre Collor e Bush
Os dois presidentes se encontraram duas vezes em 1990: em setembro, Fernando Collor esteve com George H. W. Bush durante a Assembleia Geral da ONU e, em dezembro, o americano visitou Collor e ainda discursou ao Congresso brasileiro. Em junho de 1991, o brasileiro visitou Bush nos EUA e, em junho de 1992, Bush teve um encontro com o brasileiro durante a Conferência Rio-92.
Abril de 1995: FHC visita Clinton
Fernando Henrique Cardoso e Bill Clinton abordaram um dos principais atritos entre os países: a aprovação da Lei de Patentes. Os EUA ameaçavam com sanções se o projeto não passasse. O texto chegou a ser aprovado em fevereiro de 1996, mas nos moldes como queriam os americanos. FHC repetiu ainda uma demanda brasileira existente até hoje: ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
FHC participou de uma reunião nas Nações Unidas sobre o combate ao tráfico de drogas e ficou hospedado em Camp David, a casa de campo da Presidência americana. Ele teve um encontro informal com Clinton, que cumprimentou FHC pela boa resposta brasileira à turbulência financeira asiática. Os dois líderes conversaram ainda sobre a paz no Oriente Médio e a estratégia de combate às drogas.
Foto: Imago/Zumapress/S. Farmer
Maio de 1999: FHC visita Clinton
Em Washington, FHC participou de vários encontros com governantes e empresários para convencê-los de que o pior da crise econômica já havia passado e afirmou que seu governo tentaria impedir outras no futuro. Com Clinton, FHC insistiu que era necessário buscar mecanismos financeiros que protegessem o país de ataques especulativos e de prejuízos provocados pela volatilidade de capitais.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Walsh
Abril de 2001: FHC visita Bush
Na visita, o país desistiu de selar um acordo com os EUA sobre o início da Área de Livre Comércio das Américas (Alca. O revés de última hora ocorreu após o Departamento de Estado enviar a alguns países um memorando defendendo o ano de 2003 – em contraponto ao acordo fechado entre Brasília e Washington de começar a Alca em 2005. O documento esvaziou a visita de FHC.
Foto: Getty Images/M. Wilson
Novembro de 2001: FHC visita Bush
FHC e George W. Bush tiveram na Casa Branca uma conversa amigável, porém, morna. Ambos falaram sobre terrorismo, prejuízo do protecionismo às nações em desenvolvimento, economia da Argentina e a criação de um Estado palestino. FHC reforçou ainda o desejo do Brasil de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Depois, o brasileiro foi para Nova York abrir a Assembleia Geral da ONU.
Foto: Getty Images/AFP/S. Thew
Junho de 2003: Lula visita Bush
O encontro terminou sem resultados concretos. O Brasil chegou a prometer que cooperaria para concluir com êxito a Alca até 2005 e a pedir o apoio de Washington para ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU – dois assuntos que não avançaram. Eles também discutiram a paz no mundo e Lula disse que ela só seria alcançada se os países ricos ajudassem os mais pobres a se desenvolverem.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
Março de 2007: visitas entre Lula e Bush
No início do mês, Bush e Lula assinaram em Guarulhos/SP um memorando para a cooperação no desenvolvimento da tecnologia de biocombustíveis e prometeram diminuir a dependência do petróleo e de outros combustíveis fósseis não renováveis em seus países. No final de março, Lula foi recebido em Camp David (foto) para discutir o etanol como commodity mundial e a retomada da Rodada Doha, da OMC.
Foto: Getty Images/R. Sachs-Pool
Março de 2009: Lula visita Obama
No seu primeiro encontro, os dois presidentes anunciaram a criação de um grupo de trabalho para a reunião do G20, que aconteceu no mês seguinte em Londres, para buscar uma estratégia comum para enfrentar, na época, a crise econômica mundial, aumentar a confiança no sistema financeiro e recuperar as economias afetadas pelo maior crash vivido pelo mundo desde a década de 1930.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Reynolds
Abril de 2012: Dilma visita Obama
Dilma Rousseff mostrou preocupação com a depreciação das moedas dos países ricos em consequência das políticas monetárias deles para conter a crise, dizendo que esse desequilíbrio afeta todas as nações, principalmente as emergentes. Barack Obama disse que a relação dos dois países "nunca esteve mais forte" e discutiu com a brasileira temas como narcotráfico, intercâmbio estudantil e combustíveis.
Foto: Carolyn Kaster/AP Photo/picture alliance
Junho de 2015: Dilma visita Obama
A reunião marcou a superação de um imbróglio diplomático depois de documentos da Agência de Segurança Nacional (NSA) vazados por Edward Snowden mostrarem que os EUA também espionavam Dilma. Por causa do escândalo, ela chegara a cancelar uma visita de Estado a Obama em outubro de 2013. No encontro de 2015, Dilma tentou atrair investimentos, prometeu reduzir a poluição e aumentar o reflorestamento.
Foto: Getty Images/C. Somodevilla
Março de 2019: Bolsonaro visita Trump
Foi a primeira visita de Estado de Jair Bolsonaro – e a viagem foi bem-sucedida para o então presidente brasileiro. O fato de ele ter se encontrado com fiéis foi bem recebido entre seus eleitores evangélicos. Para militares e para a economia, ele conseguiu a promessa de Trump de apoiar o status de aliado preferencial na Otan e a entrada do Brasil na OCDE.
Foto: Allen Eyestone/ZUMAPRESS.com/picture alliance