Leis do mercado ameaçam sistema de eliminação de resíduos e produção de energia nos países escandinavos. Custos em incineradores suecos são mais baixos que nos noruegueses, que se veem obrigados a importar lixo.
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Pela lógica, ter pouco lixo deveria ser antes uma bênção do que uma preocupação. No entanto, na Noruega essa carência está se transformando numa dor de cabeça para o setor de gestão de resíduos.
Desde que os aterros sanitários foram proibidos, em 2009, o país investiu em modernas instalações para transformação do lixo em energia. Dotadas de enorme capacidade de incineração, elas produzem energia térmica, que é canalizada para prédios residenciais e comerciais.
"O calor da incineração é usado para aquecer a água, que é enviada para o sistema municipal de calefação de Oslo. E nós também produzimos eletricidade a partir do vapor", explica Jannicke Gerner Bjerkås, da agência de geração de energia através de resíduos da capital norueguesa.
Olhando para dentro de um forno a uma temperatura entre 850 e mil graus Celsius, na usina de incineração de Klemetsrud, ela acrescenta que aquela instalação, sozinha, abastece 60 mil de um total de 340 mil lares em Oslo.
Concorrência sueca
Com sua capacidade de queimar 300 toneladas diariamente, Klemetsrud necessita de um volume grande de resíduos para funcionar eficientemente. Mas o lixo se transformou numa mercadoria sujeita às leis do mercado, o que complica o sistema energético norueguês.
"Esse mercado funciona como qualquer outro. Mas a grande diferença é que nós não estamos pagando pelo lixo. Quem o produz é que paga para que ele seja eliminado", diz Bjerkås. "Nos últimos anos, temos visto esse preço cair, e é difícil fazer dinheiro, porque a Suécia está construindo um grande número de incineradores de resíduos, e agora compete com o mercado norueguês."
Paradoxalmente, centenas de grandes caminhões lotados passam diante da usina de Klemetsrud, nas cercanias de Oslo, para levar sua carga direto à Suécia, onde é mais barato descarregar o lixo norueguês. Grande parte dos complexos industriais de incineração suecos pode oferecer preços mais em conta, por eles serem mais antigos do que os do país vizinho, e livres de dívidas. Portanto, lá os custos em geral são mais baixos.
Assim, há atualmente na Noruega um movimento para que também se aplique ao setor de eliminação de resíduos o princípio da proximidade proposto pela União Europeia. Isso forçaria as municipalidades a levarem seu lixo até a estação mais próxima, e não à mais barata.
"Esperamos que os governos tanto da Suécia quanto da Noruega vejam que o princípio da UE de usar a usina mais próxima para o lixo municipal fomentará mais a reciclagem do que a exportação para o forno mais barato", observa Torbjørn Leidal, ativista em prol do setor nacional.
Ele argumenta que a opção não é apenas melhor para os negócios: devido à carência de lixo, resíduos que deveriam ser reciclados, como alimentos, papel e plástico, estão sendo queimados para manter ativos os fornos. No momento, "o nível de reciclagem na Noruega está despencando", diz Leidal.
Carência força importação
A quantidade de lixo nacional levado para a Suécia é tão grande, que a Noruega está tendo que importar a mercadoria de outras partes da Europa. Contêineres provenientes de Leeds e Manchester, na Inglaterra, são descarregados nos portos ao sul de Oslo, colocados em caminhões e levados para a usina de incineração de Klemetsrud.
Esse tipo de transporte através das fronteiras europeias preocupa os ambientalistas. "O negócio com o lixo é um problema, e nem sempre se sabe o que o lixo contém", aponta Lars Haltbrekken, da sucursal norueguesa da rede Amigos da Terra.
"O problema, tanto na Noruega quanto na Suécia, é que temos capacidade de incineração em excesso. Os consumidores de ambos os países não estão produzindo lixo suficiente. Nosso ponto de vista é que não devemos produzir mais, mas sim reduzir a produção de resíduos."
O governo da Noruega afirma que está considerando diversas alternativas para garantir que usinas como a de Klemetsrud disponham de matéria-prima suficiente. Uma dessas opções seria justamente a de introduzir o princípio da proximidade da UE, para que a incineração se faça em âmbito local.
No entanto, enquanto o mercado do lixo continuar aberto e a Suécia for o lugar mais barato para se livrar das sobras caseiras, os caminhões noruegueses continuarão seguindo direto para a fronteira com o país vizinho.
Os dez lugares mais poluídos do mundo
Segundo o relatório "Meio Ambiente Tóxico" publicado pela fundação suíça Green Cross, 200 milhões de pessoas em todo o mundo são confrontadas com a poluição ambiental. O relatório analisou onde é mais difícil viver.
Foto: Blacksmith Institute
Ameaça à vida
Cerca de 200 milhões de pessoas no mundo são diretamente confrontadas com a poluição do meio ambiente. Solo contaminado por metais pesados, lixo químico espalhado no ar, resíduos eletrônicos tóxicos nos rios. Estes são apenas exemplos citados pelo relatório da Fundação Green Cross.
Foto: picture alliance/JOKER
Depósito de lixo de Agbogbloshie, em Gana
Pilhas de discos de satélites e televisores quebrados compõem o cenário no segundo maior depósito de lixo da África Ocidental, que fica em Agbogbloshie, na cidade ganense de Acra. O relatório classificou o local como um dos mais poluídos do planeta. A queima de fios metálicos envoltos em plástico, a fim de recuperar o cobre, torna o lixo ainda mais perigoso, além de liberar chumbo na área.
Foto: Blacksmith Institute
Rio Citarum, na Indonésia
As águas do rio Citarum, na Indonésia, são mil vezes mais poluídas que água potável e contêm grandes quantidades de alumínio e ferro. Cerca de 2 mil fábricas usam o rio como fonte de água e despejam seus resíduos industriais nele. O Citarum ainda abastece milhões de pessoas nas regiões por onde passa.
Foto: Adek Berry/AFP/Getty Images
Centro industrial de Dzerzhinsk, na Rússia
Dzerzhinsk é um dos centros industriais químicos mais importantes do mundo. Entre 1930 e 1998, cerca de 300 mil toneladas de lixo químico não foram devidamente depositadas na área. Essas substâncias acabaram poluindo tanto o lençol freático quanto o ar. A expectativa de vida é de 47 anos entre as mulheres, enquanto entre os homens é de 42 anos.
Foto: Blacksmith Institute
Usina nuclear de Chernobil, na Ucrânia
Até hoje Chernobil é lembrada como o local do maior acidente nuclear da história. No dia 25 de abril de 1986, um incêndio e o derretimento nuclear produziram uma nuvem de radioatividade. Ninguém mais mora a menos de 30 quilômetros de distância da região do acidente. O solo na área da antiga usina ainda é contaminado e coloca em risco a produção de alimentos. Muitos moradores ficaram com leucemia.
Foto: Blacksmith Institute
Curtumes de Hazaribagh, em Bangladesh
Hazaribagh tem mais curtumes do que qualquer outro lugar de Bangladesh. A maioria dessas fábricas usa métodos antigos e ineficazes e acaba despejando cerca de 22 mil litros de resíduos tóxicos por dia no rio Buriganga, principal fonte de abastecimento de água de Dhaka. Muitos moradores sofrem de doenças de pele e das vias áreas causadas pelo material cancerígeno.
Foto: Blacksmith Institute
Minas de chumbo em Kabwe, na Zâmbia
Em Kabwe, a segunda maior cidade da Zâmbia, muitas crianças sofrem com elevados índices de chumbo no sangue. Durante um século, minas de chumbo liberaram metais pesados por meio de partículas de poeira que caíam no chão tanto na cidade quanto nos arredores.
Foto: Blacksmith Institute
Minas de ouro em Kalimantan, na Indonésia
Kalimantan pertence à parte indonésia da ilha do Bornéu e é particularmente conhecida por suas minas de ouro. Para obter o metal precioso, muitos mineiros usam mercúrio, liberando mais de mil toneladas de material tóxico no meio ambiente todo ano, poluindo os lençóis freáticos.
Cerca de 5 mil fábricas despejam esgoto nas águas do rio Matanza-Riachulo, na Argentina. Segundo o relatório da fundação Green Cross, produtores químicos são culpados por mais de um terço da poluição deste rio, que contém grandes quantidades de zinco, chumbo, cobre, níquel, além de outros metais pesados. A população da região sofre de problemas intestinais e nas vias aéreas.
Foto: Yanina Budkin/World Bank
Delta do rio Níger, na Nigéria
O Delta do rio Níger é uma área de alta densidade populacional, concentrando 8% de toda a população da Nigéria. O local sofre com poluição por petróleo e hidrocarbonetos, que contaminam o solo e os lençóis freáticos. Em média, o equivalente a 240 mil barris de petróleo atingem o delta por ano por conta de acidentes ambientais ou roubo da matéria-prima.
Foto: Terry Whalebone
Cidade industrial de Norilsk, na Rússia
Aproximadamente 500 toneladas de óxidos de cobre e de níquel, além de 2 milhões de toneladas de óxido de enxofre, são liberados na cidade industrial russa de Norilsk por ano. A poluição do ar é tão grande que a expectativa de vida dos trabalhadores das indústrias da cidade é dez vezes menor do que a média registrada na Rússia.