"Nossa relação com animais é esquizofrênica", diz filósofo
Stefan Dege ca
23 de junho de 2017
Em Berlim, chegada de dois ursos panda ao zoológico da cidade provoca burburinho. Ao mesmo tempo, come-se carne e criam-se animais em massa. Para Richard David Precht, humanidade precisa repensar trato com os bichos.
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"Quanto mais poder se possui sobre as coisas, menos respeito se tem por elas", afirma o filósofo, jornalista e autor Richard David Precht, comentando a atitude dos seres humanos perante os animais, como no caso da pecuária industrial.
"E agora gastamos milhões com uma casa de pandas", diz Precht sobre a chegada de dois ursos da China ao Jardim Zoológico de Berlim. "De fato, trata-se de uma grande esquizofrenia social!" Por outro lado, o número crescente de veganos e vegetarianos denota uma nova reflexão profunda sobre a relação com os animais.
A Deutsche Welle entrevistou Richard David Precht. Nascido em 1964, ele é um dos intelectuais mais renomados nos países de idioma alemão, com livros traduzidos em mais de 40 idiomas.
Deutsche Welle: Você está antecipando com alegria a vinda do casal de pandas Meng Meng e Jiao Qing para Berlim? Trata-se de uma visita rara.
Richard David Precht: Alegria talvez não seja a expressão certa. Mas acho que é muito bom para o Jardim Zoológico de Berlim ter ganhado a licitação para abrigar esses ursos, que só podem ser vistos em poucos zoos fora da China.
Em Berlim, o zoológico está instalando ar-condicionado, áreas sombreadas, riacho artificial, espaços de retiro, etc. Afinal de contas, os ursos devem passar bem. Mas é certo transportar para lá e para cá animais ameaçados de extinção?
Este não é o problema. Existe um grande número de animais ameaçados de extinção cuja população só consegue sobreviver graças aos jardins zoológicos. Isso não se aplica em primeira linha aos pandas, mas os zoos prestam atualmente uma contribuição, depois de ter desempenhado um papel nefasto ao longo da história. Existem mais tigres siberianos em zoológicos do que na taiga.
E agora esses pandas também atuam como embaixadores políticos...
A chamada "política do panda" existe há bastante tempo. Isso já remonta a Deng Xiaoping [governante da China entre 1979 e 1997]. O Zoológico de Berlim já recebeu uma vez dois ursos panda de presente, melhor dizendo: [o então chanceler federal] Helmut Schmidt os ganhou de presente. Isso não é novidade. E não há nada a dizer contra a China mostrar seu lado simpático dessa forma.
Você escreveu o livro sobre ética animal Tiere denken – vom Recht der Tiere und den Grenzen des Menschen (Bichos pensam – sobre o direito dos animais e as fronteiras do ser humano). Por um lado, exploramos os animais, como na pecuária industrial. Pelo outro, veneramos nossos bichos de estimação. Como uma coisa se coaduna com a outra?
E agora gastamos milhões com uma casa de pandas. De fato, trata-se de uma grande esquizofrenia social! Algo que não vou me cansar de denunciar. Mas isso não é um argumento contra os ursos panda, vai muito contra a pecuária industrial.
Antigamente, quando éramos caçadores e coletores e nos víamos como parte da natureza, tínhamos mais respeito pelos animais?
Sim, a partir do que podemos perceber de culturas indígenas, ou seja, de povos que vivem, por exemplo, na Floresta Amazônica, ou do que podemos deduzir da religião do Antigo Egito: ali, antes de iniciar a criação sistemática de animais, as pessoas tinham uma relação muito mais respeitosa com os bichos, por não os verem como meros elementos do meio ambiente, mas como parte de um mundo comum.
E agora dominamos a natureza, também graças à tecnologia. Azar dos animais?
Sim, os animais tiveram muito azar mesmo. Mas quando uma instalação cultural recente como o jardim zoológico burguês contribui para que determinados animais sejam mantidos em reservas, não posso ver nada de errado nisso.
Certa vez você disse: "Quanto mais o homem domina a natureza, mais desalmado lhe parece o objeto dominado."
Assim é, de fato. Quanto mais poder se possui sobre as coisas, menos respeito se tem por elas. Em certo sentido, isso é uma corrida de longa duração na evolução da história da humanidade.
E aí, nem as religiões monoteístas ajudam?
Não, as religiões monoteístas como o cristianismo, o islamismo ou o judaísmo contribuíram significativamente para a objetificação dos animais.
Nelas, o homem se torna a medida de todas as coisas. E os bichos viram objetos?
Exatamente: os seres humanos como criaturas com status exclusivo. A história cristã de salvação não gira em torno de animais, só se ocupa das pessoas.
Acredita que deveríamos finalmente esclarecer nossa relação com os animais?
Sim, e o estamos fazendo. Observando que na Alemanha existem 1 milhão de veganos, assim como 7,8 milhões de vegetarianos, pode-se deduzir que um profundo repensar está em andamento.
Em que direção?
Para mais sensibilidade no lidar com os animais em relação ao que consideramos normal. Manter milhares de porcos num chiqueiro, o ato de comer carne, em si... vejo como uma evolução ética o fato de que isso seja cada vez menos óbvio.
Os animais sofrem, eles têm consciência, você diz nos seus escritos. Isso é o que deveria orientar a nossa relação com os bichos?
Sim, mas, do meu ponto de vista, também uma fascinação fundamental pela natureza. Acredito que não fazemos um favor nem a nós nem à natureza, quando objetificamos tão impiedosamente os animais.
O que vai pensar quando estiver em frente do casal ideal Meng Meng e Jiao Qing?
Vou observar bem de perto o recinto onde estão instalados, em termos estéticos e das condições de alojamento. O Zoológico de Berlim está em boas mãos, por isso estou bastante otimista.
História ilustrada dos zoológicos alemães
Todos os anos, mais de 70 milhões de pessoas vão aos zoológicos da Alemanha para ver tigres, antas, tucanos e outros animais. Ao longo do tempo, locais mudaram para melhor.
Foto: picture alliance/dpa/arkivi
Os pandas estão chegando!
Árvores de escalada, um riacho artificial, plantio de espécies adequadas – a chegada dos ursos panda Jiao Qing (foto) e Meng Meng é acompanhada de muito burburinho. O espaço para pandas-gigantes no Zoológico de Berlim está pronto para receber os ilustres convidados chineses. Mas nem sempre os anfitriões foram tão cordiais com outros animais, como demonstra a história.
Foto: picture-alliance/dpa
Primeiro zoológico na Alemanha
O Jardim Zoológico de Londres inspirou Martin Hinrich Lichtenstein de tal forma que o professor de zoologia quis construir algo semelhante na Alemanha. Em 1841, ele conseguiu convencer o rei prussiano. O monarca disponibilizou 22 hectares do parque berlinense Tiergarten – literalmente "jardim dos animais" – para neles criar o primeiro zoo do país.
Foto: picture alliance/dpa/arkivi
A chegada dos primeiros animais
Os "reservatórios abertos de animais" passaram a abrigar a partir de 1845, entre outros, dois quatis, três raposas polares, um chacal, dois texugos, 24 macacos e o presente de um príncipe: três ursos siberianos. Em 1846 vieram leões e tigres; em 1857, os primeiros elefantes; em 1861, a primeira zebra. O lado triste da história: muitos dos animais morreram em sua nova casa.
Foto: picture alliance/dpa/arkivi
Animais exóticos em Viena
O Jardim Zoológico de Viena, o Tiergarten Schönbrunn, registrou em 1906 o nascimento do primeiro elefante em cativeiro. Em 1914, com quase 3,5 mil animais de 717 espécies, o Tiergarten era um dos maiores zoológicos do mundo e, assim, um exemplo para os berlinenses. Schönbrunn é hoje o zoo mais antigo do planeta e o mais visitado da Europa.
Na segunda metade do século 19, muitos zoológicos foram abertos em curto espaço de tempo em regiões de língua alemã. Depois de Berlim, vieram, entre outros: Frankfurt, Colônia, Hamburgo, Basileia, Leipzig e Szczecin. Em 1571, o rei prussiano Guilherme 4° já possuía um parque selvagem que usava somente para caça e no qual mantinha espécies "estrangeiras" para pesquisa dos naturalistas em sua corte.
Foto: picture-alliance/dpa/P.Pleul
Patrimônio histórico versus bem-estar animal
Muitas áreas cercadas, como esta casa de antílopes (foto), foram construídas no século 19 no zoológico berlinense, tentando refletir a origem exótica desses animais. Apesar do requinte estético, tais espaços não correspondem ao bem-estar animal. E uma reforma não é possível porque o serviço de patrimônio histórico rejeita qualquer mudança na construção.
Foto: picture-alliance/dpa/dpaweb/B. Setnik
Educação e recreação
No século 20 também foram abertos muitos aquários na Alemanha. Além disso foram instalados também parques transitáveis de macacos, parques marítimos e de aves, ou até mesmos parques de safári onde se pode interagir com os animais a partir do próprio carro. Na esteira do milagre econômico dos anos 1950 e 1960, cidades menores também ergueram seus próprios zoos e parques de animais.
Foto: picture-alliance/dpa/F. Leonhardt
Zoo como jaula
O pós-Guerra presenciou um boom dos zoos. O zoológico se tornou um lugar de observação ao vivo. Nesse contexto, o real bem-estar dos animais assumiu um aspecto secundário. Grades e fossos separavam leões, tigres e elefantes dos visitantes. Somente nos anos 1970 a pesquisa passou a se dedicar à psicologia animal e a tentar mudar o conceito das antigas jaulas dos bichos.
Foto: picture alliance/blickwinkel/K. Hennig
De volta à natureza
Marcos dessa nova compreensão foram os espaços sem grades, construídos pelo naturalista Carl Hagenbeck (1844-1913) em Hamburgo. No "geozoo" de Munique, os animais são mantidos não de acordo com critérios sistemáticos, mas segundo continentes: leões ao lado de zebras, girafas ao lado de elefantes. Em Colônia, zonas verdes fazem recintos confinados se parecer com o habitat natural dos animais.
Foto: DW/Nelioubin
Futuro dos zoológicos
Jaulas estreitas e caixas de concreto estão em declínio. O futuro também depende da administração correta. Por esse motivo, algumas instituições zoológicas decidiram desistir de seus recintos de elefantes, como foi o caso do Jardim Zoológico de Frankfurt. Com uma área total de 11 hectares no centro da metrópole financeira, ele não podia proporcionar espaço suficiente para os animais.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Zinken
Pesquisa no zoológico
Os zoológicos cultivam espécies para reintroduzi-las na natureza selvagem. Eles também esclarecem os visitantes sobre os habitats dos animais e lutam pela preservação ambiental. Críticos reclamam, no entanto, que não se pode justificar eticamente que animais sejam mantidos em zoos. Em vez de aprisioná-los, dizem os opositores, deveria ser feito mais por seus habitats naturais.
Todos os anos, mais de 70 milhões de pessoas visitam zoológicos na Alemanha. Muitos deles dispõem, atualmente, de uma ampla oferta de lazer, incluindo parques de aventura, restaurantes temáticos e carrosséis. Recentemente, o zoológico de Colônia inaugurou uma fazenda em que o visitante pode observar mais de perto vacas e cabras, ampliando assim a riqueza de experiências dos moradores da cidade.