Nova acusação de antissemitismo abala mostra alemã de arte
16 de novembro de 2023Considerada uma das exposições de arte contemporânea mais prestigiosas do mundo, a Documenta, em Kassel, na Alemanha, está novamente sob escrutínio. E por motivos não relacionados às artes: mais uma vez pairam acusações de antissemitismo sobre a mostra.
Um ano depois da controversa última mostra e quatro anos antes do início da 16ª edição, prevista para 2027, a questão envolve o movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), que defende a prática de boicote econômico, acadêmico, cultural e político ao Estado de Israel. Um dos membros do comitê de seleção do diretor artístico da Documenta 2027, o escritor e curador indiano Ranjit Hoskoté, foi um dos signatários de uma petição de apoio ao movimento BDS em 2019.
O caso acabou levando à renúncia de Hoskoté no início desta semana, após ele se recusar a se distanciar inteiramente da petição a pedido do diretor-geral da Documenta, Andreas Hoffmann. A petição assinada por Hoskoté classificava o sionismo como uma "ideologia racista" e comparava Israel a um "estado apartheid", provocando acusações de antissemitismo na Alemanha.
Hoskoté argumentou que ele havia "se manifestado publicamente contra o boicote intelectual e cultural a Israel". No entanto, o que estava sendo exigido dele era "aceitar uma definição abrangente e insustentável de antissemitismo, que colocava o povo judeu junto ao o Estado israelense e, consequentemente, transformava qualquer expressão de simpatia pelo povo palestino em apoio ao Hamas". Hoskoté ainda afirmou que sua consciência não permitiria que ele "aceitasse essa definição abrangente e essa restrição da empatia humana".
"Está claro para mim que não há espaço, nessa atmosfera tóxica, para uma discussão balanceada das questões em jogo", escreveu ele em sua carta de renúncia.
Em 2022, a 15ª edição da Documenta, foi abalada por várias controvérsias. A principal envolveu uma obra do coletivo artístico indonésio Taring Padi, que foi criticada por representantes israelenses e alemães como profundamente antissemítica. A obra mostrava um soldado de aparência suína, em cujo capacete estava escrito "Mossad" - o serviço secreto israelense - e um judeu ortodoxo usando uma insígnia da organização paramilitar nazista SS.
Além disso, houve acusações de antissemitismo sobre outras obras e em relação ao endosso ao BDS de artistas ligados ao coletivo artístico indonésio Ruangrupa, que assumiu a direção da mostra de 2022.
A espiral de controvérsias acabou provocando a queda da então diretora-geral da Documenta, Sabine Schormann.
Em 2023, um relatório produzido por uma comissão externa que analisou as controvérsias da Documenta 15 concluiu que a mostra daquele ano "funcionou como uma câmara de eco para o antissemitismo relacionado com Israel, e por vezes para o antissemitismo puro". O documento concluiu que "A Documenta 15 em si não foi antissemita, mas havia antissemitismo na documenta 15", apontando que havia "códigos visuais antissemitas" em pelo menos quatro obras expostas.
Governo federal questiona incentivos
A Ministra da Cultura da Alemanha, Claudia Roth, por outro lado, rotulou a petição do BDS assinada por Hoskoté em 2019 como "claramente antissemita" e repleta de teorias conspiratórias anti-Israel. Assim como ocorreu em relação à controvérsia de 2022, Roth voltou a questionar o envolvimento financeiro do governo federal na Documenta.
Roth defendeu que os incentivos financeiros só deveriam ser canalizados "se houver um plano conjunto e etapas visíveis de reforma em direção a responsabilidades claras, uma oportunidade genuína para o governo federal participar e padrões para evitar o antissemitismo e a discriminação".
Em 2022, a contribuição do governo federal para a documenta 15 chegou a 3,5 milhões de euros (R$ 18,5 milhões), enquanto a cidade de Kassel e o estado alemão de Hessen, contribuíram com 21,5 milhões de euros (R$ 113,5 milhões).
Em 2019, uma aliança transpartidária do Bundestag (câmara baixa do parlamento alemão) aprovou uma resolução condenando como antissemítica a campanha BDS e cortando subvenções a quaisquer organizações que "apoiem ativamente" o movimento. Na ocasião, a iniciativa ganhou força por causa do repúdio causado por uma das peças de propaganda do BDS, que inseria no logo do festival Eurovision, sediado em Tel Aviv naquele ano, desenhos de arame farpado e o símbolo da SS.
Mais uma baixa no comitê
No entanto, para que o comitê de seleção de seis pessoas volte ao seu tamanho original, a Documenta não terá apenas que encontrar um substituto para Hoskoté. Na última sexta-feira (10/11), a artista israelense Bracha Lichtenberg Ettinger também renunciou à comissão. Sua decisão, porém, não eteve relação com o debate em torno de Ranjit Hoskoté. Após os ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro, Ettinger disse que não conseguiriua mais participar da seleção do próximo diretor artístico.
Em duas cartas, Lichtenberg Ettinger pediu à direção da Documenta que desacelerasse o processo de tomada de decisões, tendo em vista a situação no Oriente Médio. Ela disse não pôde comparecer pessoalmente a uma reunião da comissão alguns dias após a ofensiva terrorista do Hamas contra Israel devido ao cancelamento dos voos.
Em sua declaração de renúncia, ela escreveu que havia sugerido ajustar o cronograma do processo de seleção. Sua solicitação acabou não sendo atendida.
Uma pausa foi discutida em vários níveis e inicialmente rejeitada, disse o diretor-geral da Documenta, Andreas Hoffmann, à emissora Hessischer Rundfunk na terça-feira (14/11). No entanto, diante dos desfalques, a mostra discute opções, como uma reorganização do comitê de seleção ou a continuação do trabalho com um comitê de quatro membros.
Por outro lado, Hoffmann também admitiu: "Três anos e meio é um período muito longo. Podemos nos dar ao luxo de fazer uma pausa por um momento sem ter que desistir da Documenta 2027".
jps/le (ots)