Nova coalizão em Israel já enfrenta teste de sobrevivência
Tania Krämer
3 de junho de 2021
Israel está um passo mais perto da formação de um novo governo sem a participação de Benjamin Netanyahu, mas Parlamento ainda precisa aprovar acordo para oficializar coalizão que inclui diversas matizes ideológicas.
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O novo governo de coalizão de Israel será um dos governos mais incomuns que Israel viu nos últimos anos e deve marcar o fim da linha para o primeiro-ministro mais longevo da história do país, Benjamin Netanyahu.
Pouco antes da meia-noite de quarta (02/06) para quinta-feira, Yair Lapid, líder do partido centrista Yesh Atid , informou o presidente de Israel, Reuven Rivlin, de que havia conseguido formar uma nova coalizão, após semanas de negociações extenuantes.
"Eu me comprometo com você, sr. presidente, que este governo trabalhará para servir todos os cidadãos de Israel, incluindo aqueles que não são membros dele, respeitará aqueles que se opõem a ele e fará tudo ao seu alcance para unir todas os setores da sociedade israelense ", apontou Lapid numa declaração oficial.
A coalizão é ampla e diversificada. Ela inclui ex-aliados de Netanyahu, direitistas linha-dura, centristas e membros da esquerda. A nova coalizão também terá, pela primeira vez, o apoio direto do pequeno partido árabe Ra'am, que assinou o acordo duas horas antes do prazo. Seu líder, Mansour Abbas, fez campanha prometendo um maior envolvimento dos cidadãos árabes na política israelense. A decisão foi descrita como "histórica" pela mídia israelense.
Fim do impasse político?
O "governo de unidade" pode acabar com mais de dois anos de impasse político após quatro eleições inconclusivas e até mesmo potencialmente provocar a saída de Benjamin Netanyahu, o mais longevo premiê da história de Israel.
Um governo de unidade formado em 2020 entre Netanyahu e seu ex-rival Benny Gantz (do partido Azul e Branco) teve vida curta, e novas eleições foram convocadas em março de 2021. "Não acabou, mas ontem Yair Lapid e Naftali Bennett deram um grande passo para formar o governo alternativo", escreveu o jornalista Yuval Karni no diário Yedioth Ahronoth.
O novo acordo de coalizão ainda precisa ser votado pelo Knesset, o Parlamento de Israel, nas próximas semanas para que um novo governo possa tomar posse. Analistas acreditam que haverá muita pressão sobre alguns deputados de direita - que já estão sendo chamados de "traidores" por apoiadores de Netanyahu - para abandonar o acordo. A nova coalizão tem uma maioria mínima de 61 dos 120 assentos no Knesset.
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Reações diversas entre a população
"Finalmente, é certo que Bibi vai embora. Não importa se ele é um bom ou mau primeiro-ministro; não é saudável que alguém esteja no controle por tanto tempo", disse a estudante Avia Farrah Hadal em Jerusalém. "Isso corrompe as pessoas, precisamos de uma mudança, precisamos de novas pessoas e talvez isso leve a uma mudança."
Outro transeunte teria preferido um resultado diferente. "Sinto 'pena' do novo governo. É mais [um movimento] anti-Bibi do que um governo de unidade. Eu sou a favor da unidade, mas não uma unidade como esta", disse o estudante Ori Fridlich. "Acho que a mudança deveria ter chegado um dia, mas peço que Bibi fique; ele foi o melhor que tínhamos para o Estado de Israel."
Arquiteto de coalizão ampla
Yair Lapid, líder do segundo maior partido de Israel, o centrista Yesh Atid, foi o arquiteto dessa coalizão ampla. Se tudo correr como planejado, ele vai dividir o cargo de primeiro-ministro com Naftali Bennett, líder do partido religioso de extrema direita Yamina. Bennett chefiará o governo nos primeiros dois anos, seguido por Lapid nos dois anos seguintes. "No final desta semana, podemos entrar em uma nova era com um primeiro-ministro diferente", disse Yair Lapid na segunda-feira.
A coalizão será um dos governos mais amplos da história de Israel, e os deputados terão que superar suas diferenças ideológicas para trabalhar em conjunto. A aliança também vai incluir o Partido Trabalhista, de centro-esquerda, com seu líder Merav Michaeli, e o partido de esquerda Meretz, mas também o novo partido Nova Esperança, do ex-aliado de Netanyahu Gideon Saar. Outro partido da coalizão é o Israel Beitenu, a legenda secular de Avigdor Liberman.
Analistas acreditam que o foco principal da coalizão será na economia, o orçamento do Estado e questões sociais, evitando lidar com as questões mais polêmicas, como a política sobre assuntos palestinos - pelo menos por enquanto. Mas há muitas outras questões em aberto, desde direitos LGBTQ a questões religiosas, com as quais os membros da coalizão têm pontos de vista totalmente opostos. É por isso que alguns observadores se perguntam por quanto tempo a coalizão permanecerá intacta.
Empreendedor de alta tecnologia que virou político
Naftali Bennett deixou em aberto suas opções quanto a se ingressaria em um governo formado por Netanyahu ou em uma "coalizão de mudança" formada por Yair Lapid. O eventual acordo de divisão de poder entre Lapid e Bennet tem sido controverso, já que o partido de Bennett, Yamina, tem apenas sete das 120 cadeiras do Knesset, e apenas seis dos parlamentares eleitos pela sigla apoiam a coalizão.
Bennett, de 49 anos, é um ex-empresário de tecnologia que entrou na política há mais de uma década. Por muitos anos, ele foi um assessor próximo de Benjamin Netanyahu e o chefe do conselho de colonos "Yesha". Bennett é franco em sua oposição a um Estado palestino soberano e defendeu a anexação de partes da Cisjordânia ocupada. Analistas questionam se ele poderá transformar essas visões ideológicas em política num governo tão diverso.
Fim da era Netanyahu?
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e seu partido de direita Likud são os maiores perdedores após os últimos acontecimentos políticos no país. Após 12 anos, Netanyahu terá que deixar a residência de primeiro-ministro na rua Balfour, que foi palco de inúmeras manifestações com o objetivo de destituí-lo ao longo do ano passado.
Netanyahu também enfrenta na Justiça um julgamento por acusações de corrupção. Da mesma forma, os partidos ultraortodoxos que eram seus aliados mais próximos ficarão fora do poder pela primeira vez em anos - a menos que decidam ingressar no novo governo no futuro.
À medida que o acordo entre Lapid e Bennett se aproximava, Netanyahu passou a agir de maneira mais agressiva. Ele acusou seu ex-apadrinhado Bennett de ser "a fraude do século" depois que o ex-aliado anunciou sua intenção de se juntar aos esforços de Lapid para construir um "governo de mudança". Netanyahu também afirmou que o novo governo vai enfraquecer a segurança de Israel. "Como vamos olhar nos olhos de nossos inimigos? O que eles farão no Irã ou em Gaza? O que eles dirão nos corredores do governo em Washington? Este governo se posicionará contra o Irã? Este governo apoia o perigoso acordo nuclear", afirmou Netanyahu.
No entanto, Netanyahu deve ter outras preocupações nos próximos meses, incluindo iniciativas para destituí-lo da liderança do Likud.
A longa história do processo de paz no Oriente Médio
Por mais de meio século, disputas entre israelenses e palestinos envolvendo terras, refugiados e locais sagrados permanecem sem solução. Veja um breve histórico sobre o conflito.
Foto: PATRICK BAZ/AFP/Getty Images
1967: Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU
A Resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada em 22 de novembro de 1967, sugeria a troca de terras pela paz. Desde então, muitas das tentativas de estabelecer a paz na região referiram-se a ela. A determinação foi escrita de acordo com o Capítulo 6 da Carta da ONU, segundo o qual as resoluções são apenas recomendações e não ordens.
Foto: Getty Images/Keystone
1978: Acordos de Camp David
Em 1973, uma coalizão de Estados árabes liderada pelo Egito e pela Síria lutou contra Israel no Yom Kippur ou Guerra de Outubro. O conflito levou a negociações de paz secretas que renderam dois acordos 12 dias depois. Esta foto de 1979 mostra o então presidente egípcio Anwar Sadat, seu homólogo americano Jimmy Carter e o premiê israelense Menachem Begin após assinarem os acordos em Washington.
Foto: picture-alliance/AP Photo/B. Daugherty
1991: Conferência de Madri
Os EUA e a ex-União Soviética organizaram uma conferência na capital espanhola. As discussões envolveram Israel, Jordânia, Líbano, Síria e os palestinos – mas não da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) –, que se reuniam com negociadores israelenses pela primeira vez. Embora a conferência tenha alcançado pouco, ela criou a estrutura para negociações futuras mais produtivas.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Hollander
1993: Primeiro Acordo de Oslo
Negociações na Noruega entre Israel e a OLP, o primeiro encontro direto entre as duas partes, resultaram no Acordo de Oslo. Assinado nos EUA em setembro de 1993, ele exigia que as tropas israelenses se retirassem da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e que uma autoridade palestina autônoma e interina fosse estabelecida por um período de transição de cinco anos. Um segundo acordo foi firmado em 1995.
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2000: Cúpula de Camp David
Com o objetivo de discutir fronteiras, segurança, assentamentos, refugiados e Jerusalém, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, convidou o premiê israelense Ehud Barak e o presidente da OLP Yasser Arafat para a base militar americana em julho de 2000. No entanto, o fracasso em chegar a um consenso em Camp David foi seguido por um novo levante palestino, a Segunda Intifada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/R. Edmonds
2002: Iniciativa de Paz Árabe
Após Camp David, seguiram-se encontros em Washington e depois no Cairo e Taba, no Egito – todos sem resultados. Mais tarde, em março de 2002, a Liga Árabe propôs a Iniciativa de Paz Árabe, convocando Israel a se retirar para as fronteiras anteriores a 1967 para que um Estado palestino fosse estabelecido na Cisjordânia e em Gaza. Em troca, os países árabes concordariam em reconhecer Israel.
Foto: Getty Images/C. Kealy
2003: Mapa da Paz
Com o objetivo de desenvolver um roteiro para a paz, EUA, UE, Rússia e ONU trabalharam juntos como o Quarteto do Oriente Médio. O então primeiro-ministro palestino Mahmoud Abbas aceitou o texto, mas seu homólogo israelense Ariel Sharon teve mais reservas. O cronograma previa um acordo final sobre uma solução de dois estados a ser alcançada em 2005. Infelizmente, ele nunca foi implementado.
Foto: Getty Iamges/AFP/J. Aruri
2007: Conferência de Annapolis
Em 2007, o então presidente dos EUA George W. Bush organizou uma conferência em Annapolis, Maryland, para relançar o processo de paz. O premiê israelense Ehud Olmert e o presidente da ANP Mahmoud Abbas participaram de conversas com autoridades do Quarteto e de outros Estados árabes. Ficou acordado que novas negociações seriam realizadas para se chegar a um acordo de paz até o final de 2008.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
2010: Washington
Em 2010, o enviado dos EUA para o Oriente Médio, George Mitchell, convenceu o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, a implementar uma moratória de 10 meses para assentamentos em territórios disputados. Mais tarde, Netanyahu e Abbas concordaram em relançar as negociações diretas para resolver todas as questões. Iniciadas em setembro de 2010, as negociações chegaram a um impasse dentro de semanas.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Milner
Ciclo de violência e cessar-fogo
Uma nova rodada de violência estourou dentro e ao redor de Gaza no final de 2012. Um cessar-fogo foi alcançado entre Israel e os que dominavam a Faixa de Gaza, mas quebrado em junho de 2014, quando o sequestro e assassinato de três adolescentes em mais violência. O conflito terminou com um novo cessar-fogo em 26 de agosto de 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
2017: Conferência de Paris
A fim de discutir o conflito entre israelenses e palestinos, enviados de mais de 70 países se reuniram em Paris. Netanyahu, porém, viu as negociações como uma armadilha contra seu país. Tampouco representantes israelenses ou palestinos compareceram à cúpula. "Uma solução de dois Estados é a única possível", disse o ministro francês das Relações Exteriores Jean-Marc Ayrault, na abertura do evento.
Foto: Reuters/T. Samson
2017: Deterioração das relações
Apesar de começar otimista, o ano de 2017 trouxe ainda mais estagnação no processo de paz. No verão do hemisfério norte, um ataque contra a polícia israelense no Monte do Templo, um local sagrado para judeus e muçulmanos, gerou confrontos mortais. Em seguida, o plano do então presidente dos EUA, Donald Trump, de transferir a embaixada americana para Jerusalém minou ainda mais os esforços de paz.
Foto: Reuters/A. Awad
2020: Tiro de Trump sai pela culatra
Trump apresentou um plano de paz que paralisava a construção de assentamentos israelenses, mas mantinha o controle de Israel sobre a maioria do que já havia construído ilegalmente. O plano dobrava o território controlado pelos palestinos, mas exigia a aceitação dos assentamentos construídos anteriormente na Cisjordânia como território israelense. Os palestinos rejeitaram a proposta.
Foto: Reuters/M. Salem
2021: Conflito eclode novamente
Planos de despejar quatro famílias palestinas e dar suas casas em Jerusalém Oriental a colonos judeus levaram a uma escalada da violência em maio de 2021. O Hamas disparou foguetes contra Israel, enquanto ataques aéreos militares israelenses destruíram prédios na Faixa de Gaza. A comunidade internacional pediu o fim da violência e que ambos os lados voltem à mesa de negociações.
Foto: Mahmud Hams/AFP
2023: Terrorismo do Hamas e retaliações de Israel
No início da manhã de 7 de outubro, terroristas do grupo radical islâmico Hamas romperam barreiras em alguns pontos da Faixa de Gaza, na fronteira com Israel, e, em território israelense, feriram e mataram centenas de pessoas, além de sequestrarem mais de uma centena. Devido a isso, Israel declarou "estado de guerra" e iniciou uma série de bombardeios, deixando partes da Cidade de Gaza em ruínas.