Nova fase da Lava Jato abre período crítico para o governo
Jean-Philip Struck4 de março de 2016
Ao mirar diretamente Lula e Dilma, operação atinge centro do poder petista e pode dar impulso ao processo de impeachment, a menos de dez dias antes de um protesto contra o governo.
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A Operação Lava Jato entrou numa nova fase nesta sexta-feira (04/03), que atingiu em cheio o centro do poder petista e deve ter sérias implicações para o governo da presidente Dilma Rousseff e a política brasileira. O ex-presidente Lula foi levado por agentes da Polícia Federal (PF) e prestou depoimento durante mais de três horas.
Nos últimos cinco dias, a crise que parecia ter dado sinais de calmaria no início do ano, voltou com força redobrada, após surgirem suspeitas de que tanto Dilma como Lula estão pessoalmente envolvidos no escândalo de corrupção na Petrobras. Cientistas políticos afirmam que, diante da enxurrada de novas acusações e ações, as próximas semanas vão ser críticas para o governo.
A ação que teve Lula como alvo ocorreu um dia depois da publicação pela revista IstoÉ de uma reportagem segundo a qual Delcídio do Amaral, ex-líder do governo Dilma no Senado, disse ao Ministério Público que a presidente sabia das irregularidades na Petrobras. Ela teria tentado influenciar as investigações do caso e beneficiar empreiteiros presos.
Delcídio não confirmou nem negou ter feito as acusações, sobre as quais ainda existem dúvidas quanto ao peso legal. Mas a publicação da reportagem foi suficiente para criar um novo fato político e incendiar a situação. Foi a primeira vez que acusações desse tipo tiveram origem numa figura do próprio partido e que ocupou um cargo tão importante. E também foi a primeira vez em dois anos de investigações que Dilma foi implicada tão diretamente.
No caso de Lula, a reportagem da IstoÉ afirma que Delcídio revelou aos promotores que o ex-presidente ordenou que testemunhas fossem pagas para atrapalhar as investigações.
O cientista político francês Stéphane Monclaire, da Universidade de Sorbonne, aponta que Lula corre o risco de ser alvo de um mandado de prisão preventiva caso os investigadores do caso encontrem evidências de que ele realmente agiu para obstruir o trabalho da Justiça.
"Além de conduzirem Lula para o depoimento, os investigadores apreenderam documentos em sua casa e em seu instituto. A análise pode vir a confirmar que Lula agiu para atrapalhar o trabalho da polícia", disse Monclaire, lembrando que o próprio Delcídio foi preso em dezembro pela mesma acusação.
"Lulinha paz e amor"
O episódio envolvendo a delação de Delcídio foi apenas um dos cruciais ocorridos nesta semana. Dias antes, executivos da empreiteira Andrade Gutierrez, envolvida no escândalo da Petrobras, afirmaram que fizeram pagamentos ilegais à campanha de Dilma em 2010, quando a presidente disputou seu primeiro mandato. Nesta segunda-feira, o governo também foi abalado pela saída de José Eduardo Cardozo do Ministério da Justiça, pasta responsável pela Polícia Federal.
No entanto, a condução de Lula por agentes da PF foi o episódio mais simbólico do novo desdobramento da crise e que arrisca tornar o embate político ainda mais tenso.
A ação provocou os primeiros protestos espontâneos de militantes contra e a favor do governo. Alguns militantes chegaram a se enfrentar e a brigar em frente à residência do presidente, em São Bernardo do Campo, e do local em que foi tomado o depoimento. Até agora, protestos desse tipo só haviam ocorrido com convocação prévia e semanas de planejamento.
Membros do PT também prometeram chamara militância às ruas para defender o ex-presidente, afirmando que as ações da polícia e dos promotores são "perseguição".
A ação da PF foi realizada num momento em que Lula vinha fortalecendo uma ofensiva, que incluía o uso de um tom mais duro contra a imprensa e promotores para rechaçar as acusações de corrupção. No último sábado, o presidente disse que "acabou a fase Lulinha paz e amor" e declarou que e, se o PT entender que é "necessário", ele será candidato à Presidência em 2018.
Após o depoimento desta sexta-feira, no escritório da PF no aeroporto de Congonhas, o ex-presidente disse em tom desafiador que a elite não se conforma com o fato de "esse merda de metalúrgico" ter ousado ser presidente da República. O petista também prometeu "percorrer" o país para defender seu governo.
Segundo o brasilianista americano Peter Hakim, do Instituto de Análise Política Inter-American Dialogue, com sede em Washington, a imagem de Lula e do PT devem sofrer ainda mais abalos, mesmo que seja feita uma campanha durante anos. "Lula tinha um status de personalidade mundial, e agora se tornou um político que é conduzido pela polícia e tem sua casa revistada", afirma.
Acirramento da crise e protestos
As revelações desta semana também ocorreram a menos de dez dias de um grande protesto contra o governo Dilma, marcado para o dia 13 de março e visto como um teste para determinar o nível de apoio à saída da presidente.
Segundo Monclaire, o protesto deve ser analisado com atenção, já que provavelmente a nova fase da Lava Jato terá como consequência fortalecer novamente o andamento do processo de impeachment, que andou enfraquecido nos dois primeiros meses do ano. "Esses novos fatos são muito graves e devem deteriorar ainda mais a situação do governo", afirma.
Hakim também vê a situação como perigosa para Dilma. "É preciso perguntar: ela realmente agiu para atrapalhar as investigações? Se isso se confirmar, esse é um elemento que pode ser fundamental para impulsionar um processo de impeachment, muito mais do que problemas nas contas do governo e a má situação econômica", afirma.
"Se Dilma renunciasse, essa poderia ser uma saída, mas o problema continuaria. Quem entraria no lugar dela? Nenhum político brasileiro tem um plano", conclui o brasilianista.
Os envolvidos na Operação Lava Jato
A operação que investiga um megaesquema de corrupção na Petrobras já acusou mais de 200 pessoas, sendo que metade delas foi condenada. Relembre as principais ações penais da Lava Jato e seus envolvidos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/N. Antoine
Youssef absolvido
Denúncia: Evasão de 124 mil dólares não declarados, lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas e tráfico de 700 kg de cocaína.<br/> Resultado: Dois condenados (René Luiz Pereira e Carlos Habib Chater, dono do posto que deu nome à operação), um absolvido em 1ª instância (o doleiro Alberto Youssef, na foto) e um absolvido em 2ª instância (André Catão).<br/> Data: 21 de outubro de 2014.
Foto: cc-by/Valter Campanato/ABr
Primeira condenação de Youssef e Costa
Denúncia: Lavagem de dinheiro e formação de grupo criminoso organizado. Houve desvio de dinheiro público na construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, por meio de contratos superfaturados.</br> Resultado: Oito condenados (entre eles, Alberto Youssef e o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, na foto) e dois absolvidos.</br> Data: 22 de abril de 2015.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agencia Brasil
Youssef e o dinheiro do mensalão
Denúncia: Lavagem de dinheiro. Os recursos, que ultrapassam 1 milhão de reais, pertenciam ao ex-deputado federal José Janene, morto em 2010, e eram provenientes do esquema do mensalão.</br> Resultado: Quatro condenados: Alberto Youssef, Carlos Habib Chater, Ediel Viana da Silva (funcionário do Posto da Torre) e Carlos Alberto Pereira da Costa (laranja de Youssef).</br> Data: 6 de maio de 2015.
Foto: Reuters
Cerveró é condenado
Denúncia: Lavagem de dinheiro. Nestor Cerveró (foto), ex-diretor da área Internacional da Petrobras, comprou um apartamento de luxo no Rio de Janeiro – hoje avaliado em 7,5 milhões de reais – com dinheiro de propina da Petrobras.</br> Resultado: Um condenado.</br> Data: 26 de maio de 2015.
Foto: José Cruz/ABr
A primeira sentença a empreiteiros
Denúncia: Corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, envolvendo contratos da construtora Camargo Corrêa com as refinarias Abreu e Lima e Getúlio Vargas. As propinas pagas pela empresa ultrapassam os 50 milhões de reais.</br> Resultado: Seis condenados (entre eles, Youssef, Costa e três ex-dirigentes da Camargo Corrêa) e três absolvidos.</br> Data: 20 de julho de 2015.
Foto: AFP/Getty Images/Y. Chiba
Próximo alvo: executivos da OAS
Denúncia: Corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, envolvendo contratos da empreiteira OAS com as refinarias Abreu e Lima e Getúlio Vargas. As propinas pagas somam quase 30 milhões de reais.</br> Resultado: Sete condenados (Youssef, Costa, na foto, e mais cinco executivos ligados à OAS, entre eles, o presidente, José Aldemário Pinheiro Filho).</br> Data: 5 de agosto de 2015.
Foto: picture-alliance/AP/E. Peres
Novo operador: Fernando Baiano
Denúncia: Corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo pagamento e recebimento de propina em contratos com a Petrobras. As vantagens indevidas superam 50 milhões de reais.</br> Resultado: Três condenados (Nestor Cerveró, em sua segunda condenação, o lobista Fernando Baiano e um ex-consultor da Toyo Setal, Júlio Camargo) e um absolvido (Youssef).</br> Data: 17 de agosto de 2015.
Foto: Reuters/S. Moraes
Um petista e mais dois ex-Petrobras
Denúncia: Corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa. As propinas negociadas chegaram a 40 milhões de reais.</br> Resultado: Dez condenados (entre eles, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, na foto, o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, o ex-gerente da estatal Pedro Barusco e Alberto Youssef) e um absolvido (Paulo Roberto Costa).</br> Data: 21 de setembro de 2015.
Foto: picture-alliance/dpa/C. Villalba Racines
Primeiro político condenado
Denúncia: Corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo propinas de pelo menos 1 milhão de reais, por meio de contratos de publicidade firmados com a Caixa e o Ministério da Saúde.</br> Resultado: Três condenados: o ex-deputado federal André Vargas (foto), o irmão dele, Leon Vargas, e o publicitário Ricardo Hoffmann.</br> Data: 22 de setembro de 2015.
Foto: José Cruz/ABr
O segundo político
Denúncia: Corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo propinas de pelo menos 11 milhões de reais.</br> Resultado: Três condenados (entre eles, o ex-deputado federal Pedro Corrêa, que chegou a receber propina enquanto era julgado na Ação Penal 470, o mensalão, processo em que também foi condenado) e dois absolvidos.</br> Data: 29 de outubro de 2015.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
Mais empreiteiras na mira
Denúncia: Lobistas, doleiros, ex-diretores da Petrobras e executivos ligados à construtora Andrade Gutierrez (entre eles, o presidente da empresa, Otávio Marques de Azevedo, na foto) foram denunciados por formação de quadrilha, corrupção, organização criminosa e lavagem de capitais, após envolvimento no esquema da Petrobras.</br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; réus aguardam sentença.
Foto: Reuters/F. de Holanda TPX Images of the day
Agora, a Odebrecht
Denúncia: Preso desde junho de 2015, Marcelo Odebrecht – então presidente da empreiteira Odebrecht – é acusado de envolvimento com o esquema de corrupção. A empresa pagava propina, que era repassada a funcionários da Petrobras.</br> Resultado: Foi condenado a 19 anos de prisão por crimes como corrupção e organização criminosa.</br> Data: 8 de março de 2016.
Foto: Reuters/E. Castro-Mendivil/Files
Mais uma vez condenado
Denúncia: O ex-ministro José Dirceu passou a ser réu da Lava Jato enquanto cumpria pena pelo mensalão. Ele e outras 14 pessoas foram denunciadas por vários atos de corrupção dentro da Petrobras.</br> Resultado: Dirceu foi condenado a 23 anos de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Outras dez pessoas também foram condenadas.</br> Data: 18 de maio de 2016.
Foto: picture-alliance/dpa/H. Alves
Outra denúncia contra Odebrecht
Denúncia: Marcelo Odebrecht é reu outra vez, junto a outros executivos do grupo, em processo que investiga irregularidades em oito contratos firmados pela empresa com a Petrobras. Segundo o MPF, as propinas chegaram a 137 milhões de reais.</br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; réus aguardam sentença.
Foto: picture alliance/ZUMAPRESS.com
Collor acusado de corrupção
Denúncia: O senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) é acusado de cometer crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, tendo recebido pelo menos 3 milhões de reais em propinas de contratos da Petrobras. Em julho, a Polícia Federal fez buscas em suas propriedades e confiscou três carros de luxo.</br> Resultado: Denúncia apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF), aguarda decisão.
Foto: ROBERTO SCHMIDT/AFP/Getty Images
Repasses ao PT
Denúncia: O pecuarista José Carlos Bumlai é acusado de corrupção, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro, por fraudes na compra de um navio-sonda pela Petrobras. Em depoimento, confessou ter feito um empréstimo de 12 milhões de reais no Banco Schahin para repassar ao PT. Entre os outros dez réus, estão Cerveró, Vaccari e executivos do Grupo Schahin.</br>Resultado: Denúncia aceita pela Justiça.
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
A denúncia contra Cunha
Denúncia: O ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, é acusado de receber milhões de reais em propina no esquema de corrupção na Petrobas, que teriam sido depositados em contas em seu nome na Suíça. Ele responde pelos crimes de corrupção, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.</br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; réu aguarda julgamento.
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Mulher de Cunha também é ré
Denúncia: A jornalista Cláudia Cordeiro Cruz, mulher de Eduardo Cunha, é acusada de esconder, em conta secreta no exterior, valores provenientes do esquema criminoso instalado na diretoria internacional da Petrobras. Ela responde pelos crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas.<br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; ré aguarda julgamento.
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
Lula e Delcídio
Denúncia: O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-senador Delcídio do Amaral e outras cinco pessoas são acusados de terem tentado atrapalhar as investigações da Lava Jato ao negociar para impedir que o ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró assinasse acordo de delação premiada.</br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; réus aguardam julgamento.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
Ex-ministro e senadora denunciados
Denúncia: A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo (foto), são acusados de pedir e receber propina no valor de 1 milhão de reais oriundos da Petrobras. O montante teria sido usado na campanha de Gleisi ao Senado em 2010.</br> Resultado: Denúncia apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF), aguarda decisão.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Lula e o tríplex
Denúncia: O ex-presidente Lula é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por ter supostamente recebido 3,7 milhões de reais em vantagens indevidas da construtora OAS. Parte do montante está relacionada a um tríplex no Guarujá. Também são alvos da ação a mulher do petista, Marisa Letícia, e mais seis pessoas.<br> Resultado: Denúncia apresentada pelo MPF, aguarda decisão.