Nova fase da Lava Jato mira centro de pesquisa da Petrobras
4 de julho de 2016
Investigação apura desvios e fraude em licitação do Cenpes. Segundo a PF, esquema envolveu pagamento de mais de 39 milhões de reais em propina. São cumpridos 34 mandados em São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal.
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A Polícia Federal (PF) deflagrou na manhã desta segunda-feira (04/07) a 31ª fase da Operação Lava Jato. A investigação, batizada de Abismo, apura desvios e fraudes em licitação do Centro de Pesquisas Leopoldo Américo Miguez de Mello (Cenpes), no Rio de Janeiro, uma unidade da Petrobras.
Os crimes investigados são os de corrupção, organização criminosa, formação de cartel, fraudes licitatórias e lavagem de dinheiro. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o esquema envolveu pagamento de mais de 39 milhões de reais em propina entre 2007 e 2012.
Um dos principais envolvidos é o ex-tesoureiro do PT Paulo Adalberto Alves Ferreira, que está preso desde 24 de junho em decorrência da operação Custo Brasil, um desdobramento da Lava Jato. Ele é alvo de dois mandados nesta segunda-feira: prisão preventiva e busca e apreensão.
Estão sendo cumpridos um mandado de prisão preventiva, quatro de prisão temporária, sete de condução coercitiva e 22 de busca e apreensão. Além de Ferreira, grandes empresas construtoras, incluindo alguns de seus executivos e sócios, são alvos dessa fase.
A PF conta com 110 policiais no cumprimento das 34 ordens judiciais – que ocorrem nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro e no Distrito Federal – e trabalha em parceria com a Receita Federal, que mobilizou 20 de seus servidores para a operação.
O esquema
Em 2007, a Petrobras abriu para licitação uma obra de reforma do Cenpes. Segundo a investigação, as principais empreiteiras participantes se acertaram num grande cartel, fixando preços e preferências de modo a frustrar o procedimento competitivo da estatal e a maximizar os próprios lucros.
Além de desembolsar 18 milhões de reais para que uma empresa com melhor preço abandonasse a licitação, o esquema, segundo o MPF, fez pagamentos milionários de propina a empresários, lobistas, políticos e funcionários da Petrobras. O total do desvio foi de 39 milhões de reais.
O grupo fechou contrato por cerca de 850 milhões de reais e passou a fraudar notas fiscais para desviar recursos da estatal.
Ainda de acordo com o MPF, as investigações foram corroboradas pelo acordo de leniência e acordos de colaboração celebrados com a empresa Carioca Engenharia e seus principais executivos.
Criado há 40 anos, o Cenpes foi recentemente ampliado e modernizado para atender às demandas de exploração do pré-sal. A reforma do centro de pesquisas já havia aparecido em delações premiadas anteriores como fonte de desvios de recursos públicos para partidos.
EK/abr/ots
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.