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Brasil apresenta nova geração de escritores em Frankfurt

Luisa Frey7 de outubro de 2013

Temas como identidade nacional e histórias ambientadas no interior, típicos de gerações anteriores, deram lugar a relatos subjetivos e urbanos, que poderiam se passar em qualquer lugar do mundo.

Daniel Galera, um dos mais conhecidos representantes da nova literatura brasileiraFoto: DW/R. Otte

"Cresciam as roças de cacau, estendendo-se por todo o sul da Bahia, esperavam as chuvas indispensáveis ao desenvolvimento dos frutos acabados de nascer, substituindo as flores nos cacauais", descrevia Jorge Amado em Gabriela, cravo e canela, de 1958. "O trânsito fica horrível, a cidade, esse caos que está hoje, e além do mais eu acabo sempre perdendo o guarda-chuva", escreveu Carola Saavedra quase 50 anos depois, em Toda Terça, de 2007.

A realidade brasileira mudou nas últimas décadas, e isso se reflete na literatura. Apesar da variedade de temas em meio a um país mais industrializado e globalizado, é possível apontar algumas tendências na atual geração de escritores. Se antes predominava um ambiente rural ou tropical, hoje as histórias se passam num Brasil urbano ou até mesmo fora de um cenário brasileiro identificável. Os jovens autores são menos preocupados com a identidade nacional.

"Por muitos anos, essa identidade foi definida como um retorno ao campo ou ao Brasil 'autêntico'", diz o prefácio da edição O melhor dos jovens romancistas brasileiros da revista literária britânica Granta, de 2012. Já os escritores de hoje, "filhos de uma nação mais próspera e aberta, são cidadãos do mundo tanto quanto são brasileiros".

A Granta publicou trechos de 20 jovens autores, como Saavedra, Daniel Galera e Michel Laub. Estes e outros novos nomes figuram entre os 70 escritores que representarão o Brasil na Feira de Frankfurt deste ano. O equilíbrio entre autores consagrados e os da nova geração foi um dos critérios de escolha, afirma o crítico literário Manuel da Costa Pinto, um dos três responsáveis pela seleção.

Costa Pinto aponta que, a partir da década de 1970, é difícil falar em homogeneidade na literatura brasileira, e o recorte geracional passou a ser simplesmente temporal. Mas ele reconhece a recorrência da temática urbana.

Carola Saavedra é um dos jovens nomes que representarão o Brasil na Feira de FrankfurtFoto: Eduardo Montes-Bradley

"Existe uma tendência de se falar da experiência do indivíduo urbano, culto, de classe média, envolto com questões subjetivas e pessoais, mas tendo como pano de fundo – mais ou menos – a questão brasileira", diz.

A professora e crítica literária Beatriz Resende, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, também aponta "uma recusa do tema nação". Assuntos como corrupção, violência e democracia podem aparecer, mas dispersos pelo cotidiano urbano. Como diz Costa Pinto, o foco não está no aspecto social e histórico brasileiro, e a narrativa se volta para questões "intrinsecamente pessoais do escritor".

Autoficção, rasura do real e política

Esse olhar voltado para si mesmo resulta em mais uma característica nos escritos da nova geração: a chamada autoficcção – ou seja, a ficcionalização da própria vida. É o caso da obra Filho eterno, em que Cristóvão Tezza romanceia a experiência como pai de um portador da síndrome de Down, ou de Diário da queda, em que Michel Laub mistura vida pessoal e a sua origem judaica com elementos de ficção.

Resende identifica ainda a tendência de "rasura do real", ou seja, "desrealizar a narrativa realista". Ela aponta como exemplo o drama íntimo e familiar de Barba ensopada de sangue, de Daniel Galera. "Numa narrativa formalmente realista até então, entra o horror, a figura tétrica do avô que deveria estar morto", aponta a especialista.

Menos realista e mais ensimesmada, poderia-se pensar que a literatura contemporânea também é menos politizada. A geração atual está, de fato, menos interessada do que a anterior em questões explicitamente políticas, como desigualdade social e ideologia. Os escritores mais jovens eram muito novos quando a ditadura militar chegou ao fim, nos anos 1980, e a luta pela liberdade tomou conta da sociedade brasileira.

Michel Laub é exemplo de autor que mistura ficção e elementos autobiográficosFoto: Renato Parada

Mas, como destaca o crítico literário Miguel Conde, "a força política de um texto literário não depende do enredo". Escrever sobre política não é mais falar explicitamente sobre ideologia, mas sim tratar de questões do cotidiano, como o papel da mulher na sociedade ou o cotidiano na cidades, concorda Resende. Um exemplo é o romance Cidade de Deus, de 1997, em que Paulo Lins tematiza o cotidiano violento do bairro carioca homônimo a partir da própria experiência como morador.

Profissionalização e globalização

Se quanto aos temas ainda é possível identificar tendências na nada homogênea geração atual, em termos formais e estilísticos há menos variáveis comuns. Um aspecto recorrente é a escrita em primeira pessoa, como aponta o escritor Luiz Antonio de Assis Brasil, professor de literatura da PUC-RS. "Os jovens hoje, de uma maneira esmagadora, falam na primeira pessoa."

Um consenso entre os especialistas é que os escritores brasileiros estão se profissionalizando. "Escritor nunca havia sido profissão no Brasil", diz Resende. Era preciso exercer outra atividade para ganhar a vida. Hoje, cada vez mais autores buscam viver da literatura. É o caso de Saavedra, que se diz "escritora em 100% do tempo", e de Luiz Ruffato, que deixou o jornalismo para dedicar-se somente à literatura.

Luiz Ruffato deixou o jornalismo para dedicar-se à literaturaFoto: Márcia Zoet

Além disso, Conde aponta que hoje o autor atua como um "vendedor do próprio texto", percorrendo eventos literários, como a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), e participando de redes sociais para divulgar seu trabalho.

Assis Brasil vê também uma busca incessante pela qualidade do texto – algo que se perdeu a partir do Modernismo. "Percebo o quanto os jovens escritores querem ser competentes. Escrevem, reescrevem e reescrevem", afirma o escritor, que ministra uma das mais famosas oficinas de escrita literária do Brasil.

Com escritores mais preparados e uma literatura madura – capaz de falar de qualquer tema –, o Brasil tem maior chance de projetar sua produção literária no mundo globalizado. A temática urbana também torna os escritos brasileiros mais universais, já que a cidade funciona como "uma rede mundial de problemas comuns", como define Costa Pinto.

Assis Brasil ressalta que a literatura brasileira atual poderia ser assinada por qualquer escritor de qualquer parte do mundo. "É uma literatura com uma temática sintonizada com todas as literaturas de grande produção", completa Resende.

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