Dezenas de milhares vão às ruas da Rússia protestar contra a corrupção, na maior manifestação de desafio a Putin em cinco anos. UE e EUA condenam repressão, que teve líder opositor e mais de mil detidos.
Polícia reprime protesto em Moscou: maior exibição coordenada de insatisfação popular desde 2012Foto: picture alliance/dpa/A.Novoderezhkin
Anúncio
De Vladivostok, no extremo leste, até Caliningrado, no oeste – a Rússia vivenciou o maior protesto em cinco anos contra o presidente Vladimir Putin. Oficialmente contra a corrupção, as manifestações de domingo (26/03) foram também um raro ato público contra o governo. O principal crítico do Kremlin e mais de mil pessoas foram presas. Os Estados Unidos condenaram as detenções, e a União Europeia (UE) exigiu a liberação imediata dos manifestantes.
O líder da oposição e candidato à presidência Alexey Navalny compareceu, nesta segunda-feira (27/03), a um tribunal. Ele recebeu uma multa de 340 dólares e foi condenado a 15 dias de prisão sob acusação de resistir à prisão e organizar um protesto não autorizado pelo Kremlin.
Os protestos foram convocados por Navalny, um oposicionista carismático que recentemente anunciou sua candidatura à presidência russa. Ele foi detido enquanto caminhava de uma estação de metrô para a manifestação. O Kremlin acusou os organizadores dos protestos anticorrupção de incitação à violência.
Líder oposicionista e candidato à presidência russa Alexey Navalny é preso em Moscou durante protesto anticorrupçãoFoto: picture-alliance/AP Photo/Evgeny Feldman for Alexey Navalny's campaign
Os Estados Unidos e a União Europeia manifestaram preocupações com as detenções. Washington descreveu a situação como uma "afronta à democracia" e condenou as detenções na Rússia. "Os EUA condenam veementemente a detenção de centenas de manifestantes pacíficos na Rússia no domingo", afirmou o porta-voz do Departamento de Estado, Mark Toner. "Estamos preocupados com a detenção de Navalny, assim como com as ações da polícia contra organização anticorrupção que ele lidera."
Já a UE apelou à Rússia para libertar "imediatamente" as centenas de "manifestantes pacíficos" presos no domingo. "Fazemos um apelo às autoridades russas para que cumpram seus compromissos internacionais, inclusive os do Conselho da Europa e da OSCE, façam valer esses valores e libertem sem demora os manifestantes pacíficos detidos", afirmou em comunicado a chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini.
A UE criticou o fato de que a polícia russa, "em uma tentativa de dispersar os manifestantes e com a detenção de centenas de cidadãos, incluindo o líder opositor, tenha impedido o exercício da liberdade básica de expressão, associação e assembleia pacífica, que são direitos fundamentais da Constituição russa".
Dezenas de milhares de pessoas participaram de manifestações anticorrupção em toda a Rússia. Kremlin classifica atos como "provocação e ilegais"Foto: Getty Images/AFP/O. Maltseva
No domingo, dezenas de milhares de pessoas foram às ruas no que foi a maior exibição coordenada de insatisfação popular desde as manifestações anti-Kremlin em 2011 e 2012, depois de uma eleição manchada por suspeitas de fraude. O grupo de defesa dos direitos humanos OWD Info reportou que mais de mil manifestantes foram presos.
Kremlin fala em provocação
O Kremlin afirmou que os protestos representaram uma "provocação" e que algumas detenções foram orquestradas. "Essencialmente, o que vimos ontem em vários lugares – provavelmente especialmente em Moscou – foi uma provocação e uma mentira", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, acrescentando que crianças receberam "recompensas financeiras no caso de detenção por agências de aplicação da lei".
"O Kremlin respeita a posição cívica das pessoas e seu direito de expressar sua posição", afirmou Peskov. "Não podemos expressar o mesmo respeito àqueles que conscientemente enganam as pessoas e conscientemente o fizeram ontem e provocaram ações ilegais." A televisão estatal russa ignorou os protestos em sua cobertura jornalística.
A polícia de Moscou alertou previamente que o protesto era ilegal. A grande maioria das cidades russas onde manifestações estavam anunciadas também proibiu os atos, citando razões que vão desde a limpeza de ruas até um concerto de campanha para eventos rivais de vários grupos pró-Kremlin. As autoridades também pressionaram os estudantes a não comparecerem, e algumas cidades até agendaram exames em um domingo, segundo relatos.
O dia nacional de protesto foi convocado com o tema "Dimitri pagará", que faz referência ao primeiro-ministro Dimitri Medvedev, acusado de ser um dos homens mais corruptos da Rússia.
Navalny fez a denúncia no início do mês em um vídeo publicado no Youtube, resultado de uma investigação de vários meses. No vídeo, que já foi visto mais de 10 milhões de vezes, Navalny afirma que Medvedev, um dos principais aliados de Putin, construiu um império imobiliário dentro e fora do país, através de fundações beneficentes comandadas por parentes e pessoas de sua confiança.
PV/lusa/efe/afp/dpa/ap
Crimeia três anos após a anexação russa
Em março de 2014, a Rússia anexou a Crimeia. Três anos depois, como está a península? O que mudou na vida das pessoas? E Putin cumpriu suas promessas?
Foto: DW/R. Richter
A ocupação da Crimeia
O presidente russo, Vladimir Putin, é comemorado como herói, e bandeiras russas substituíram as ucranianas. A transformação começou em fevereiro de 2014, quando pessoas de uniforme, mas sem insígnias, ocuparam os prédios do governo e do Parlamento em Simferopol, capital da República Autônoma da Crimeia, parte da Ucrânia. Mais tarde, também os quartéis ucranianos seriam ocupados.
Foto: DW/I. Worobjow
Referendo sobre a anexação
Apesar dos protestos e, contornando a Constituição da Ucrânia, em 16 de março de 2014, foi realizado um referendo sobre o estatuto da Crimeia. A entrega da Crimeia à Ucrânia pelo governo russo em 1954 não foi reconhecida, e decidiu-se pela anexação da península à Rússia.
Foto: Reuters
Tártaros da Crimeia
Quem rejeita a anexação pela Rússia, sofre perseguição. Isso acontece também com os líderes do Mejlis, o Congresso do Povo Tártaro da Crimea, que em 2016 foi considerado organização extremista. Buscas e detenções voltam a ser frequentes, tal qual em 1944, quando os tártaros da Crimeia foram deportados como "inimigos do povo" pelos soviéticos.
Foto: picture-alliance/dpa
Só programas russos
As transmissões das emissoras de televisão ucranianas foram interrompidas na Crimeia no começo de 2014. A população só tem acesso a programas russos. O ATR, canal independente dos tártaros da Crimeia, que defende a integridade territorial da Ucrânia, agora transmite a partir de Kiev. Muitos outros meios de comunicação também foram proibidos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/A. Zemlianichenko
Difícil acesso
A lei ucraniana proíbe estrangeiros de entrar na Crimeia sem a permissão das autoridades de Kiev e que não seja pela área continental da Ucrânia. Ao infrator fica proibido viajar pelas demais partes da Ucrânia. Para chegar da Ucrânia à Crimeia, é preciso passar por postos de controle na fronteira administrativa, seja a pé ou de carro.
Foto: DW/L. Grishko
Sanções após a anexação
A União Europeia (UE) e os Estados Unidos não reconhecem a anexação. Eles até aconselham seus cidadãos a não comprar imóveis ou fazer negócios na Crimeia. Empresas da península não podem vender produtos à UE, nem aos EUA. Também foram impostas sanções a pessoas, empresas e organizações.
Foto: picture-alliance/Sputnik/A. Polegenko
Esperando o cumprimento de promessas
Quem votou a favor da anexação no referendo, esperava que Putin cumprisse suas promessas: uma ponte ligando a Crimeia à Rússia, um gasoduto e usinas de energia. Também problemas sociais seriam resolvidos. Os salários não acompanham a inflação. Mas relatos sobre o descontentamento e protestos localizados são divulgados apenas nas redes sociais e meios de comunicação independentes.
Foto: DW/R. Richter
Empreiteira de amigo de Putin
A construção de uma ponte no Estreito de Kertch até a Rússia está em pleno andamento. A obra, no valor de 3,7 bilhões de euros, está nas mãos do oligarca russo Arkady Rotenberg, amigo de Putin. Até o final de 2019, a ponte deverá estar pronta. Ela terá quatro pistas rodoviárias e duas faixas ferroviárias.
Foto: picture-alliance/Tass/V. Timkiv
Pequenos negócios
Empresas de pequeno porte da Crimeia sofrem com a redistribuição de propriedades em favor de empresários russos. A emissora Radio Liberty informou que o número de pequenas empresas na Crimeia diminuiu de 15 mil (2014) para 1 mil (2016). Também os proprietários de imóveis no litoral enfrentam problemas. Tribunais podem anular documentos emitidos antes da anexação.
Foto: DW/A. Karpenko
Grandes perdas no turismo
Na alta temporada, é tempo de praia na Crimeia. Mas o fluxo de turistas diminuiu quase 30% nos últimos três anos. As rotas ferroviárias estão interrompidas e os voos são caros. Devido às sanções impostas pela UE, navios de cruzeiro não atracam mais na Crimeia.
Foto: DW/A. Karpenko
Tesouros históricos
As joias arqueológicas e as armas dos citas, antigo povo de pastores nômades que povoaram a região na Antiguidade Clássica, não poderão mais retornar à Crimeia. No final de 2016, um tribunal holandês decidiu que a rara coleção de 550 artefatos de museus da Crimeia deveria ser dada a Kiev. Os tesouros são parte de uma mostra que estava na Europa Ocidental quando ocorreu a anexação da Crimeia.
Foto: picture-alliance/dpa/B. Maat
Quem ganhou com a anexação
Desde a anexação, os moradores da Crimeia só podem comprar cartões para telefone, por exemplo, se portarem um passaporte russo. Quem ganhou com a anexação foram aposentados com passaporte russo. As aposentadorias foram equiparadas às vigentes na Rússia, e a idade da aposentadoria para mulheres baixou de 60 para 55 anos.