Nova orquestra de exílio ajuda Ucrânia a partir da Alemanha
Gaby Reucher
10 de maio de 2022
Reunindo clássicos alemães e contemporâneos ucranianos, Mriya se apresenta na principal sala de concertos de Berlim. Além de enviar toda arrecadação para seu país, músicos querem evitar que a guerra caia no esquecimento.
Fundada por mulheres, Mriya Exile Orchestra conta atualmente 30 músicos de ambos os sexosFoto: Lev Kucher
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A Mriya Exile Orchestra foi criada em março por refugiadas ucranianas, encabeçadas pela violista Kateryna Suprun. Em seu idioma, o nome quer dizer "sonho", e o seu é fazer música para além da guerra. O grupo já conta 30 integrantes de ambos os sexos, aos quais acaba de se juntar a regente Margaryta Hrynyvetska, da casa e ópera e balé de Odessa.
Tendo escapado da Ucrânia logo após o início da invasão russa, ela combinara com duas amigas fazer música juntas, porém "eu não podia imaginar que íamos tocar num palco tão grande da Filarmônica de Berlim". Pois a Mriya se apresenta na principal sala de concertos da capital da Alemanha nesta terça-feira (10/05), com um programa reunindo clássicos alemães e contemporâneos ucranianos.
Junto com a associação de assistência Alliance4Ukraine, as/os musicistas desejam assim agradecer aos que têm se engajado pelos refugiados e por seu país. A orquestra de exílio também colabora com a iniciativa da Filarmônica de Berlim para intermediação de oportunidades de trabalho para artistas profissionais da Ucrânia.
Compositores clássicos alemães e contemporâneos ucranianos
Como proteger o patrimônio cultural em uma guerra?
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No tocante a alojamento, busca de salas de ensaio ou locais para concertos, ajuda concreta parte da associação de incentivo cultural Culture Connects, fundada em 2018, em Hamburgo. Seu presidente, o violinista Roman Ohem, promove há sete anos concertos de câmara com músicos ucranianos na Alemanha.
"Para mim, a coisa toda é uma questão muito pessoal", afirma. Juntamente com o violoncelista Lev Kucher, ele lançou o website Mriya.de. "Com ajuda dos nossos contatos, nós criamos uma lista de músicos profissionais que fugiram da Ucrânia, com o fim de que os ajudemos."
Ohem já se engajou por músicos refugiados durante a guerra da Síria, e até tocou junto com a orquestra de exilados. Também agora, parte de seu trabalho é aliviar a carga burocrática, "assim, os músicos podem criar livremente e ter a cabeça livre", cabendo-lhes configurar a dramaturgia e o programa dos concertos e organizar os ensaios.
Todos que tocam na Mriya Exile Orchestra atuavam profissionalmente em seu país de origem. A violinista Hanna Tsurkan, por exemplo – que na Filarmônica fará o solo da Karpatská Rapsodie do compositor ucraniano Myroslaw Skoryk –, é vencedora de diversos concursos internacionais e integra a Orquestra Sinfônica Nacional da Ucrânia. E Hrynyvetska, antes de assumir a Ópera de Odessa, colaborou com sua conhecida compatriota Oksana Lyniv na Ópera Estatal de Munique e em Luxor, Egito, entre outros locais.
Do programa berlinense, constam também o Concerto para dois pianos e orquestra em mi bemol, KV 365, de Wolfgang Amadeus Mozart, tendo como solistas os ucranianos Kateryna Titova e Artem Yasynskyy, e o Concerto para violino em lá menor de Johann Sebastian Bach. Além da rapsódia de Skoryk, será apresentada também Silent music, de Valentin Silvestrov.
Maestra Margaryta Hrynyvetska atuava na casa de ópera e balé de OdessaFoto: Exilorchester Mriya
Guerra na Ucrânia não pode se tornar normalidade
Para a maestra Hrynyvetska, tocar a música de seu país natal é um evento muito emocional. Ela notou isso ao reger em Vílnius, Lituânia: "Eu quase caí em prantos, pois entendi que a nossa vida, a que tínhamos na Ucrânia, nunca vai ser a mesma. Não sei se vou poder voltar à minha amada Odessa, minha casa, meu lar. Por isso, para nós é muito importante tocar essa música e ter essa conexão com o nosso país."
A orquestra Mriya reúne sobretudo instrumentistas femininas de cordas, além de alguns sopros. Os homens só participam em caráter provisório: "Todos os homens agora são soldados, e nós lutamos, por assim dizer, no front cultural, também faz parte da nossa tarefa."
Margaryta Hrynyvetska tem tido a sensação que, pouco a pouco, a guerra de agressão russa contra seu país se tornou normalidade na Alemanha: "Por isso achamos importante mostrar que a guerra é uma situação ruim, e que os ucranianos precisam urgentemente de ajuda e apoio."
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Arte e idealismo não são de graça
No momento, Roman Ohem está se empenhando por uma autorização extraordinária de viagem para os músicos profissionais da Ucrânia, mas é muito difícil: "Eles só podem sair do país se o seu serviço musical servir mais à guerra do que eles mesmo pegando nas armas."
A identidade cultural da Ucrânia
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O promotor cultural também ressalva que seus músicos não conseguem de graça os locais para se apresentar na Alemanha: "Temos que pagar 11 mil euros de aluguel à Filarmônica, sem desconto. Eu, pessoalmente, com a minha conta bancária alemã e a associação, assumi por enquanto essa dívida."
O instrumentista investiu também nos projetos de assistência a pequena subvenção que recebeu pela pandemia de covid-19, como artista autônomo. "Nossos concertos são 100% beneficentes, ou seja, todo dinheiro excedente flui imediatamente para a Ucrânia."
O concerto na Filarmônica de Berlim é também patrocinado pela fundação Deutsche Orchester Stiftung. A arrecadação se destina ao tratamento médico das vítimas da guerra. Para ucranianos refugiados, o ingresso é grátis.
A reação do setor de cultura à invasão russa da Ucrânia
Do Festival Eurovisão a Cannes, a esfera cultural mostra desaprovação à invasão da Ucrânia por Vladimir Putin cancelando a participação de artistas russos em seus eventos. Alguns exemplos.
O Festival de Cinema de Cannes anunciou em 1º de março que "não receberia delegações oficiais russas" ou pessoas ligadas ao governo do país. Vários festivais de cinema reagiram da mesma forma, incluindo Glasgow e Estocolmo. Locarno anunciou que não participaria de um boicote, enquanto Veneza oferecerá exibições gratuitas de um filme sobre o conflito de 2014 na região de Donbass.
Foto: REUTERS
Rússia barrada no Festival Eurovisão
A União Europeia de Radiodifusão, que organiza o Festival Eurovisão da Canção, declarou em 25 de fevereiro que "à luz da crise sem precedentes na Ucrânia, a inclusão de uma entrada russa no concurso deste ano traria descrédito à competição". Enquanto isso, o grupo de folk-rap da Ucrânia Kalush Orchestra (foto) emergiu como um dos favoritos a vencer o festival de música mais popular da Europa.
Foto: Suspilne
Óperas interrompem colaborações com o Bolshoi
A Royal Opera House de Londres cancelou a temporada de verão do Balé Bolshoi de Moscou. A encenação de "Lohengrin" da Metropolitan Opera, de Nova York, coproduzida com o Bolshoi, também será afetada. Até então leal a Putin, o diretor da aclamada companhia de balé, Vladimir Urin, está entre os signatários de uma carta em oposição à guerra.
Muitos artistas russos condenaram a guerra. Mas, apesar de um ultimato da Filarmônica de Munique para se posicionar publicamente, o maestro Valery Gergiev permaneceu em silêncio sobre a invasão liderada por Putin, seu amigo desde 1992. Em 1º de março de 2022, a orquestra alemã demitiu seu aclamado maestro. Vários concertos na Europa e nos EUA também foram cancelados.
Foto: Danil Aikin/ITRA-TASS /imago images
Soprano Anna Netrebko é retirada das óperas
A Metropolitan Opera de Nova York (MET) e a Ópera Estatal de Berlim encerraram sua colaboração com a estrela da ópera russa Anna Netrebko, por ela se recusar a "repudiar seu apoio público a Vladimir Putin". Ela é "uma das maiores cantoras da história do MET", disse o diretor da casa de ópera, Peter Gelb, "mas com Putin matando vítimas inocentes na Ucrânia, não havia outro caminho a seguir".
Foto: Roman Vondrous/CTK/imago images
Museus cortam laços com oligarcas russos
Em meio a pedidos para que instituições culturais removam aliados de Putin de seus conselhos, museus estão cortando laços com benfeitores russos. O bilionário Vladimir Potanin deixou o conselho de curadores do Museu Guggenheim (foto), em Nova York, segundo o jornal The New York Times. O site Artnet relata que o magnata bancário Petr Aven deixou o cargo de administrador da Royal Academy em Londres.
Foto: Han Fang/Xinhua/imago images
Hermitage Amsterdam rompe relações com São Petersburgo
Amsterdã abriga o maior satélite do célebre Museu Hermitage de São Petersburgo. Até agora, nunca havia comentado sobre as ações políticas de Putin, mas "com a invasão do exército russo à Ucrânia, uma fronteira foi cruzada". "A guerra destrói tudo. Até 30 anos de colaboração", afirmou o museu holandês em 3 de março. O local também fechou a exposição que estava em cartaz, "Russian Avant-Garde".
Foto: Richard Wareham/imago images
Artistas russos desistem da Bienal de Veneza
Nem sempre são os organizadores de eventos que boicotam os artistas russos. Na Bienal de Veneza, que começa em 23 de abril, são os artistas e o curador da exposição russa que se demitiram, afirmando no Instagram que "o Pavilhão da Rússia permanecerá fechado" em protesto contra os civis mortos por mísseis e manifestantes russos sendo silenciados.
Foto: Photoshot/picture alliance
Hollywood adia lançamentos de filmes na Rússia
Disney, Warner Bros, Sony, Paramount Pictures e Universal decidiram interromper o lançamento de filmes nos cinemas russos. "The Batman" (foto) deveria ser lançado no país em 4 de março. Outros títulos afetados pela decisão incluem o filme de animação da Disney Pixar "Red: Crescer é uma Fera", "The Lost City", da Paramount, e o filme da Marvel "Morbius".
Foto: Jonathan Olley/DC Comics /Warner Bors/dpa/picture alliance
Concertos cancelados na Rússia
"Ucrânia, estamos com você e com todos aqueles na Rússia que se opõem a esse ato brutal", disse Nick Cave. Ele cancelou as datas da turnê russa planejada para o verão, assim como muitos outros grupos, incluindo Franz Ferdinand, The Killers, Iggy Pop e Green Day. O popular rapper russo Oxxxymiron também cancelou seus shows no país, pedindo um movimento antiguerra.