Novas regras eleitorais ameaçam levar caos às urnas dos EUA
Timothy Rooks
30 de outubro de 2024
Como ocorreu em 2020, poderá haver semanas de incerteza após o pleito de 5 de novembro, em que a a própria democracia estará em perigo. Trump já prepara o caminho para contestar, democratas podem fazer o mesmo.
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Depois que Joe Biden derrotou Donald Trump tanto no voto popular quanto no Colégio Eleitoral no pleito presidencial de 2020, os resultados foram contestados em diversas frentes.
Numa campanha para anular a eleição, que ficou conhecida como "the big lie" (a grande mentira), Trump e alguns de seus apoiadores mais fervorosos, como o ex-prefeito de Nova York, Rudy Giuliani, impugnaram mesários, alegaram fraude eleitoral em massa e reivindicaram auditorias e recontagens de votos em estados que tiveram resultados apertados. Aí, em 6 de janeiro de 2021, houve a invasão do Capitólio em Washington, uma última tentativa de anular a eleição à força.
Agora, Trump concorre novamente à presidência pelo Partido Republicano, e muitos de seus adeptos, inclusive seu candidato a vice, JD Vance, continuam repetindo falsas alegações sobre a eleição de 2020. A equipe trumpista também se recusou a se comprometer com o resultado do atual pleito, despertando temores de novas convulsões nos EUA, caso o magnata nova-iorquino não seja declarado vencedor.
Menos participação de eleitores
Uma vitória esmagadora da candidata democrata, a vice-presidente americana, Kamala Harris, tornaria menos prováveis contestações por parte de republicanos mais moderados. Contudo, a campanha para recolocar Trump na presidência, começou muito antes das pesquisas, e têm sido feitos esforços significativos para limitar quem pode participar da eleição de 2024.
Desde 2020, a organização apartidária Voting Rights Lab registrou mais de 700 novas leis eleitorais em todo o país. Algumas delas tornam o voto mais acessível. Outras – como a redução do número de locais de votação e mais exigências de identificação –, não. Também houve esforços para remover listas de votação em todo o país – muitas visando cidadãos naturalizados.
"Desde 2021, 32 estados apresentaram pelo menos 148 projetos de lei que teriam um impacto restritivo na manutenção de listas. Deste total, 11 se tornaram lei", aponta uma análise publicada em abril pelo Voting Rights Lab.
Além disso, o Comitê Nacional Republicano iniciou a iniciativa Protect the Vote (Proteja o voto). A ideia é recrutar e treinar 100 mil "observadores eleitorais" para monitorar os locais de votação. Na maioria dos lugares, eles não têm nenhuma autoridade, mas em alguns estados podem contestar a elegibilidade dos votantes.
O Voting Rights Lab se preocupa especialmente com alterações em estados-pêndulo (swing states), como Geórgia e Carolina do Norte. Na Geórgia, novas leis resultaram em contestações em massa de listas de eleitores, restrições ao voto por correspondência e um salto nas taxas de rejeição das cédulas. A Carolina do Norte tem agora as regras mais rígidas do país sobre o voto por correspondência, e os observadores partidários nas urnas receberam mais direitos, podendo agora interromper a atividade nas seções eleitorais.
Especialistas em eleições temem que líderes e cidadãos republicanos usem essas novas regulamentações para tentar anular votos ou se recusarem a certificar os resultados, se não gostarem do desfecho. E tudo isso torna a supervisão da eleição mais difícil para as autoridades regionais.
"Há certa verdade no fato de que os republicanos têm trabalhado para eleger apoiadores da 'grande mentira' de 2020 para cargos estaduais importantes. Nem todos têm sido bem-sucedidos, mas também houve tentativas de colocar esses apoiadores em cargos eleitorais menores", alerta Dan Mallinson, professor associado de políticas públicas e administração da Universidade Estadual da Pensilvânia em Harrisburg.
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O que vai acontecer após o pleito
Após a eleição de 5 de novembro, todos os votos serão contados – no passado, alguns locais levavam dias ou semanas para concluir as apurações. Depois, os resultados precisarão ser certificados em nível local e estadual, antes de ser enviados ao Colégio Eleitoral e, posteriormente, ao Congresso. Quanto mais próximos os resultados, maior a chance de contestações.
O presidente dos EUA é escolhido pelo Colégio Eleitoral, que reúne 538 delegados estaduais indicados pelos estados e pelo distrito federal de Washington DC. Um candidato à presidência necessita vencer num número de estados que lhe garanta 270 delegados.
"Trump já está preparando a base retórica e legal para contestar a eleição", afirma Mallinson. Mas há o outro lado da moeda: se Trump for declarado vencedor em estados importantes para o Colégio Eleitoral, os democratas poderão adotar algumas das estratégias usadas pelo ex-presidente.
"Como os republicanos usaram de retórica e litígio para questionar as eleições, fica mais fácil para os democratas fazerem o mesmo", avalia o professor de políticas públicas. Para permitir que tudo isso se desenrole, há um período de quase 11 semanas entre a eleição e a certificação dos votos do Colégio Eleitoral, em 6 de janeiro de 2025.
O pior cenário possível
Se os estados atrasarem ou se recusarem a certificar a contagem, o resultado pode ser o caos, acredita Mallinson. Se um estado não certificar seus resultados a tempo para a contagem do Colégio Eleitoral, a Câmara dos Representantes dos EUA, controlada pelos republicanos, pode entrar em cena para decidir.
Uma contagem do Colégio Eleitoral dividida também iria para a Câmara, "onde cada delegação estadual dispõe de um voto para decidir em quem vota como presidente", explica Mallinson. E esse é um cenário que nunca aconteceu antes.
Por fim, a Suprema Corte poderia ter a última palavra, como fez em 2000, quando ficou ao lado de George W. Bush na disputa contra Al Gore.
O fato é que uma situação em que qualquer lado veja a eleição como injusta, ou pior, roubada, é ruim para a democracia. Isso apenas solidificará o partidarismo, dificultará o trabalho em sociedade e enfraquecerá os EUA, à medida que se aproxima o 250º aniversário da Declaração de Independência, em 2026.
As visitas de presidentes brasileiros aos Estados Unidos
Relembre como foram as principais visitas de presidentes do Brasil aos Estados Unidos após a redemocratização do Brasil nos anos 1980.
Foto: Public Domain/Ronald Reagan Presidential Library & Museum/White House
Setembro de 1986: Sarney visita Reagan
Além de se reunir com Ronald Reagan, José Sarney proferiu um discurso ao Congresso. Os líderes discutiram a crise do endividamento internacional e a recusa do Brasil em assinar um acordo formal com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Outro tema foi a manutenção pelo Brasil da reserva de mercado para produtos de informática, mesmo com possíveis sanções pelos EUA. Pelé também estava na comitiva.
Foto: Public Domain/Ronald Reagan Presidential Library & Museum/White House
1990-1992: visitas entre Collor e Bush
Os dois presidentes se encontraram duas vezes em 1990: em setembro, Fernando Collor esteve com George H. W. Bush durante a Assembleia Geral da ONU e, em dezembro, o americano visitou Collor e ainda discursou ao Congresso brasileiro. Em junho de 1991, o brasileiro visitou Bush nos EUA e, em junho de 1992, Bush teve um encontro com o brasileiro durante a Conferência Rio-92.
Abril de 1995: FHC visita Clinton
Fernando Henrique Cardoso e Bill Clinton abordaram um dos principais atritos entre os países: a aprovação da Lei de Patentes. Os EUA ameaçavam com sanções se o projeto não passasse. O texto chegou a ser aprovado em fevereiro de 1996, mas nos moldes como queriam os americanos. FHC repetiu ainda uma demanda brasileira existente até hoje: ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
FHC participou de uma reunião nas Nações Unidas sobre o combate ao tráfico de drogas e ficou hospedado em Camp David, a casa de campo da Presidência americana. Ele teve um encontro informal com Clinton, que cumprimentou FHC pela boa resposta brasileira à turbulência financeira asiática. Os dois líderes conversaram ainda sobre a paz no Oriente Médio e a estratégia de combate às drogas.
Foto: Imago/Zumapress/S. Farmer
Maio de 1999: FHC visita Clinton
Em Washington, FHC participou de vários encontros com governantes e empresários para convencê-los de que o pior da crise econômica já havia passado e afirmou que seu governo tentaria impedir outras no futuro. Com Clinton, FHC insistiu que era necessário buscar mecanismos financeiros que protegessem o país de ataques especulativos e de prejuízos provocados pela volatilidade de capitais.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Walsh
Abril de 2001: FHC visita Bush
Na visita, o país desistiu de selar um acordo com os EUA sobre o início da Área de Livre Comércio das Américas (Alca. O revés de última hora ocorreu após o Departamento de Estado enviar a alguns países um memorando defendendo o ano de 2003 – em contraponto ao acordo fechado entre Brasília e Washington de começar a Alca em 2005. O documento esvaziou a visita de FHC.
Foto: Getty Images/M. Wilson
Novembro de 2001: FHC visita Bush
FHC e George W. Bush tiveram na Casa Branca uma conversa amigável, porém, morna. Ambos falaram sobre terrorismo, prejuízo do protecionismo às nações em desenvolvimento, economia da Argentina e a criação de um Estado palestino. FHC reforçou ainda o desejo do Brasil de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Depois, o brasileiro foi para Nova York abrir a Assembleia Geral da ONU.
Foto: Getty Images/AFP/S. Thew
Junho de 2003: Lula visita Bush
O encontro terminou sem resultados concretos. O Brasil chegou a prometer que cooperaria para concluir com êxito a Alca até 2005 e a pedir o apoio de Washington para ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU – dois assuntos que não avançaram. Eles também discutiram a paz no mundo e Lula disse que ela só seria alcançada se os países ricos ajudassem os mais pobres a se desenvolverem.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
Março de 2007: visitas entre Lula e Bush
No início do mês, Bush e Lula assinaram em Guarulhos/SP um memorando para a cooperação no desenvolvimento da tecnologia de biocombustíveis e prometeram diminuir a dependência do petróleo e de outros combustíveis fósseis não renováveis em seus países. No final de março, Lula foi recebido em Camp David (foto) para discutir o etanol como commodity mundial e a retomada da Rodada Doha, da OMC.
Foto: Getty Images/R. Sachs-Pool
Março de 2009: Lula visita Obama
No seu primeiro encontro, os dois presidentes anunciaram a criação de um grupo de trabalho para a reunião do G20, que aconteceu no mês seguinte em Londres, para buscar uma estratégia comum para enfrentar, na época, a crise econômica mundial, aumentar a confiança no sistema financeiro e recuperar as economias afetadas pelo maior crash vivido pelo mundo desde a década de 1930.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Reynolds
Abril de 2012: Dilma visita Obama
Dilma Rousseff mostrou preocupação com a depreciação das moedas dos países ricos em consequência das políticas monetárias deles para conter a crise, dizendo que esse desequilíbrio afeta todas as nações, principalmente as emergentes. Barack Obama disse que a relação dos dois países "nunca esteve mais forte" e discutiu com a brasileira temas como narcotráfico, intercâmbio estudantil e combustíveis.
Foto: Carolyn Kaster/AP Photo/picture alliance
Junho de 2015: Dilma visita Obama
A reunião marcou a superação de um imbróglio diplomático depois de documentos da Agência de Segurança Nacional (NSA) vazados por Edward Snowden mostrarem que os EUA também espionavam Dilma. Por causa do escândalo, ela chegara a cancelar uma visita de Estado a Obama em outubro de 2013. No encontro de 2015, Dilma tentou atrair investimentos, prometeu reduzir a poluição e aumentar o reflorestamento.
Foto: Getty Images/C. Somodevilla
Março de 2019: Bolsonaro visita Trump
Foi a primeira visita de Estado de Jair Bolsonaro – e a viagem foi bem-sucedida para o então presidente brasileiro. O fato de ele ter se encontrado com fiéis foi bem recebido entre seus eleitores evangélicos. Para militares e para a economia, ele conseguiu a promessa de Trump de apoiar o status de aliado preferencial na Otan e a entrada do Brasil na OCDE.
Foto: Allen Eyestone/ZUMAPRESS.com/picture alliance