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Nove mitos falsos sobre Richard Wagner e Bayreuth

Rick Fulker | Augusto Valente
23 de julho de 2015

Elitismo ou populismo, objeto de desejo ou de desdém, sinal de ousadia cultural ou de reacionarismo: uma visita ao Festival Wagner evoca ideias diversas. E falsas noções, que cabe retificar.

Foto: Reuters

Praticamente todas as óperas de Richard Wagner (1813-1883) partem de narrativas míticas, muitas situadas num passado imemorial. Porém também a existência do contraditório compositor e homem de teatro foi envolvida por lendas, que seguem acompanhando-o quase um século e meio depois de sua morte.

Como se não bastasse, nas últimas décadas fofocas, preconceitos e meias informações geraram outros mitos, geralmente falsos, em torno de Wagner e de seu legado, o Festival de Bayreuth – que em 2015 transcorre de 25 de julho a 28 de agosto.

Às vésperas de mais uma edição desse evento operístico de fama mundial, uma tentativa de esclarecer pelo menos parte desses mal entendidos.

1- Enquanto os meros mortais têm que esperar anos por um ingresso caríssimo para o Festival Wagner em Bayreuth, a chanceler federal Angela Merkel e outras personalidades simplesmente ganham entradas dos organizadores.

Merkel em Bayreuth: amor à música ou necessidade de aparecer?Foto: picture-alliance/dpa

Não é tão simples. A cidade de Bayreuth, na Baviera, recebe um contingente de ingressos que oferece a convidados de destaque público. Afinal de contas, no dia da abertura todos esperam um certo grau de glamour no tapete de entrada. O contingente que a municipalidade recebe é a retribuição pelo patrocínio público: cidade, província, estado e federação contribuem anualmente com 16 milhões de euros para o festival – quase a metade do orçamento total.

2- O único tipo de música já executada no teatro do festival são as óperas de Richard Wagner.

Não só. Logo após a Segunda Guerra Mundial, quando Bayreuth fazia parte do setor de ocupação americano, lá foram também apresentados musicais para entreter as tropas. A Nona sinfonia de Ludwig van Beethoven, compositor que Wagner idolatrava, também já foi tocada algumas vezes na sala – por exemplo, por ocasião da reabertura dos festivais no pós-Guerra, em 1951.

De resto, tudo mais que se tocou nestes 139 anos foi, de fato, música wagneriana. Como parte de sua candidatura à direção do evento, a ovelha negra da família chegou a apresentar projetos propondo a abertura a obras de outros compositores. Mas a aceitação era improvável, pois implicaria alterar os estatutos da fundação encarregada do Festival de Bayreuth. Nike foi rejeitada e atualmente dirige o Beethovenfest de Bonn.

3- Os ingressos são vendidos a preços astronômicos.

Depende o que se considere "astronômico". É certo que 240 euros por um lugar no centro da plateia não são nenhuma ninharia, mas trata-se de um preço até moderado, comparado a outros festivais na mesma categoria. Os assentos com visão limitada custam até 15 euros.

Já o mercado negro é outro assunto: lá são cobrados – e pagos – até alguns milhares de euros por um dos melhores lugares. E, à porta do teatro, comprovadamente se vivenciam até tentativas de negociar os ingressos por outros meios – por exemplo, com sexo.

4- O Festival de Bayreuth é um templo de interpretações conservadoras, um tributo aos wagnerianos tradicionais.

De forma alguma. Já na década de 1920, o então diretor artístico Siegfried Wagner, filho do compositor, rompeu cautelosamente com convenções sedimentadas. Para indignação da facção tradicionalista, que só admitia o tipo de encenação adotado por Wagner e minuciosamente prescrito em suas partituras. A viúva de Siegfried e sua sucessora na direção, Winifred Wagner, manteve as inovações.

A partir de 1951, o neto Wieland Wagner desencadeou a ira dos fundamentalistas wagnerianos com suas montagens idealizadas, em que, num palco despojado de adereços ou de ações ilustrativas, a música era colocada em primeiro plano, com a luz como elemento cenográfico mais eloquente.

Após a morte prematura de Wieland, seu irmão Wolfgang adotou uma política pluralista. Em suas mais de quatro décadas de gestão viram-se estilos e interpretações de conservadores a radicais, de discretos a provocadores.

Uma de suas filhas, Katharina, é a atual diretora artística em Bayreuth. Em sua era impera o assim chamado regietheater, em que o encenador se superpõe à obra, tomando todo tipo de liberdades e injetando significados pessoais nos acontecimentos cênicos. Sagrado, porém, permanece sendo o texto musical de Richard Wagner, que não pode ser abreviado ou alterado de nenhum modo em Bayreuth.

"Tristão e Isolda" em 2012, montagem de Christoph MarthalerFoto: Bayreuther Festspiele/Enrico Nawrath

5- Ainda os ingressos: eles são negociados por debaixo dos panos, sendo sempre as mesmas pessoas que conseguem lugares.

Não procede. Antigamente as entradas eram distribuídas entre agências de viagens e associações wagnerianas e havia duas récitas fechadas para sindicalistas. Isso não ocorre mais: mais de 60% dos assentos são postos livremente à venda. Pela primeira vez, em 2015 a metade desses ingressos foi oferecida online, e num prazo de quatro horas eles estavam esgotados.

Os membros da Sociedade dos Amigos do Festival de Bayreuth continuam tendo acesso privilegiado às récitas. Em contrapartida, esperam-se desses mecenas doações generosas em prol da causa wagneriana.

6- Os festivais são de propriedade da família Wagner.

Também falso. Desde 1973 eles são administrados pela Fundação Richard Wagner, à qual pertencem os descendentes do compositor, assim como diversas instituições públicas e fundações. A direção do evento coube sempre a um membro da família – por laços de sangue ou de matrimônio.

7- Richard Wagner era nazista.

Historicamente é impossível: o artista morreu em 1883, enquanto o Partido Nacional-Socialista só foi criado em 1920. Mas há quem o considere um precursor do assim chamado "Terceiro Reich", uma vez que era antissemita declarado e teuto-nacionalista.

Porém Wagner foi também anarquista, revolucionário de esquerda, cosmopolita europeu, teórico e prático político e várias coisas mais. Seus escritos estão repletos de posicionamentos polarizantes e mesmo contraditórios. Entre eles conta o infame panfleto O judaísmo na música, em que, entre outras injúrias, tacha o povo semita de meros imitadores, incapazes de qualquer criação artística.

Por coincidência ou não, diversos representantes do culto wagneriano eram nazistas e vice-versa. A nora de Richard Wagner, Winifred (que não conheceu o compositor) e o genro Houston Stewart Chamberlain, ambos ingleses, foram nazistas fervorosos até a morte. Adolf Hitler era presença constante em Bayreuth, mesmo antes da ascensão de seu partido ao poder, e acabou por tornar-se amigo íntimo da família.

A eventual presença de elementos precursores do nazismo nos dramas musicais de Wagner continua sendo um tema polêmico, sobre o qual faltam dados conclusivos.

Foto: Reuters

8- A cidade bávara de Bayreuth é como o centro da cultura germânica.

Negativo. A Casa dos Festivais de Bayreuth é um teatro, e os festivais funcionam por temporada, enquanto a cultura da Alemanha é organizada em nível federal. Por outro lado, na "Casa Wahnfried", antiga residência da família, se encontra o mais importante arquivo Wagner do mundo. O museu que abriga desde 1976 será reaberto em 26 de julho de 2015, após trabalhos abrangentes de restauração e ampliação. Fora da temporada também há oferta cultural em Bayreuth, mas que não se compara com a de uma típica metrópole alemã.

9- A música de Richard Wagner é bombástica e suas obras são longas, contando histórias antiquadas de heróis míticos.

Essa seria uma visão um tanto simplista. Quem assiste a cinco horas de Tristão e Isolda, Crepúsculo dos deuses ou Parsifal vive também muitos momentos maravilhosamente sutis e delicados. As tramas wagnerianas se baseiam, de fato, na mitologia germânica, em lendas medievais e contos de fadas, mas as dificuldades que suas personagens divinas ou mágicas atravessam são 100% humanas.

São conflitos internos e externos, de ódio e amor, lealdade e traição. Trata-se, portanto, de narrativas totalmente modernas e próximas. Quem se deixa penetrar pela música em geral vivencia o que Wagner queria dizer com "compreensão emocional" de suas obras. Mas há um perigo: o de ficar viciado!

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