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HistóriaAlemanha

Novo museu lembra alemães expulsos após a Segunda Guerra

21 de junho de 2021

Novo centro em Berlim aborda episódio traumático da história do país: a expulsão de 14 milhões de alemães de territórios perdidos após o conflito. Para Merkel, museu fecha "lacuna na reavaliação da história da Alemanha"

Sala de exposição do centro de documentação em Berlim
Local serve de lembrete sobre o lado mais sombrio da história alemãFoto: Markus Gröteke, Berlin

Foi inaugurado em Berlim nesta segunda-feira (21/06) o Centro de Documentação Fuga-Expulsão-Reconciliação. Ele foca nos 14 milhões de alemães do leste da Europa obrigados a deixar suas casas após a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, bem como sua integração dessas pessoas nas Alemanhas Ocidental e Oriental após 1945.

O centro também fornece informações sobre outras formas de migrações forçadas durante o século 20 na Europa e atualmente na Síria e em Mianmar, entre outros lugares.

“O hiper-nacionalismo é uma das principais causas da guerra e da migração forçada - eles quase sempre andam juntos”, afirma o curador Jochen Krueger, explicando a abordagem do museu em contextualizar a expulsão dos alemães como consequências do desastre provocado pelas políticas expansionistas dos nazistas.

Na abertura, a chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel, enfatizou que o centro de documentação fecha "uma lacuna na reavaliação da história da Alemanha". A fuga e a expulsão teriam sido "ocultadas" na antiga Alemanha Oriental e "largamente ignoradas" na Ocidental por um longo tempo. Entretanto, segundo Merkel, é necessário manter viva a memória do sofrimento passado para moldar um bom futuro.

Histórias humanas

Ao final da Segunda Guerra Mundial, Em 1945, as potências vencedoras decidiram redesenhar o mapa da Europa. A Alemanha acabou perdendo 25% do território que possuía em 1937. Boa parte desses territórios foram entregues à Polônia e uma parte à Rússia. No processo de anexação, mais de uma dezena de milhões de alemães foram expulsos. 

Cidades como Breslau, Königsberg, Stettin, Danzig, que há séculos eram habitadas por alemães, acabaram sendo repovoadas como poloneses e russos. No processo, também foram expulsos milhões de outros alemães que viviam como minorias étnicas em países como a Tchecoslováquia e Hungria e dos Bálcãs. Estima-se que no processo de expulsão morreram pelo menos 600 mil pessoas. O processo de expulsões se estendeu até 1950 e hoje é largamente ignorado fora da Alemanha.  

A guerra destruiu todos os planos de Stefan Ferger quando ele tinha apenas 14 anos de idade. Em vez de poder estudar num internato, veio a expulsão. Sua família, junto com outros alemães étnicos, teve de fugir do norte da Sérvia, em 1945 parte da Iugoslávia, para escapar das tropas do Exército Vermelho. Stefan era o mais velho do grupo de refugiados e, portanto, recebeu a tarefa de dirigir os expatriados até a Áustria.

Carroça usada pelos deslocados para sair do leste da Europa em direção à AlemanhaFoto: Volker Witting/DW

Esta é uma das histórias descritas no centro de documentação. O local serve de lembrete sobre o lado mais sombrio da história alemã e de suas repercussões. Ele fica a apenas um quilômetro e meio do que é provavelmente o memorial mais famoso dos horrores da era nazista, o Memorial do Holocausto.

"Entender o que significa perda"

A pesquisadora Gundula Bavendamm é a diretora do Centro de Documentação desde 2016. Ela vê o local como um lugar de aprendizagem e lembrança: "O Centro de Documentação trata de fuga e expulsão de alemães, mas também sobre as muitas outras pessoas".

Um princípio está acima de tudo, segundo Bavendamm: "Compreender o que significa a perda".

 

Objetos expostos explicitam a ideia de perda.  Chaves de uma casa de uma família alemã em Königsberg - atual Kaliningrado, na Rússia -, abandonada em 1945, e de uma casa em Aleppo, na Síria, abandonada em 2015 aparecem lado a lado na exposição.

Setenta e seis anos após o fim do conflito, ela afirma que a Alemanha finalmente está pronta para falar sobre seu sofrimento, embora ainda precise reconhecer a culpa sem paralelo dos nazistas.

“Não somos o único país que precisou de algum tempo para enfrentar capítulos dolorosos e difíceis de sua própria história”, disse ela. “Às vezes, leva várias gerações e as constelações políticas certas.”

Gundula Bavendamm dirige o centro Foto: Michael Jungblut/Stiftung Flucht, Vertreibung, Versöhnung

No primeiro andar da exposição permanente, os visitantes conhecem uma história europeia e global de migração forçada; até a expulsão de pessoas da Síria ou da minoria muçulmana rohingya de Mianmar, país predominantemente budista.

O que aconteceu com aproximadamente 14 milhões de alemães expulsos do leste europeu, como descrito no segundo andar, só é acessível a quem passou pelas estações da era nazista, do Holocausto e do papel dos Aliados. Assim o visitante adquire uma compreensão da causa e das consequências históricas.

Maioria dos expulsos não era bem-vinda

A terceira seção da exposição permanente é dedicada à chegada e distribuição das pessoas deslocadas pelas zonas de ocupação na Alemanha, então controladas pelos vencedores da 2ª Guerra.

Nos mais de 5 mil metros quadrados do centro estão distribuídos exposições, vídeos de testemunhas oculares e painéis informativos. O centro está alojado na chamada Deutschlandhaus (casa da Alemanha, em tradução literal). O prédio histórico foi renovado a um custo de 63 milhões de euros.

Os nazistas haviam estendido uma guerra devastadora e de extermínio sobre a Europa, que custou a vida de dezenas de milhões de pessoas. Quando a guerra terminou, começou a expulsão e a fuga para muitos alemães do leste da Europa, que em sua maioria tiveram que deixar territórios da Alemanha anexados pela Rússia e Polônia, mas também para numerosos poloneses e húngaros, que por sua vez tiveram que deixar áreas que passaram a fazer parte da Romênia e Belarus.

A rota dos deslocados alemães Foto: Volker Witting/DW

Os deslocados, chamados "Heimatvertriebenen", tiveram que fugir para o oeste europeu, para as zonas administradas pelas quatro potências vitoriosas. Na zona soviética, por exemplo, cerca de um quarto de todos os habitantes eram refugiados pós-guerra. No início, a maioria deles não era bem-vinda, em uma época em que havia escassez e fome em todos os lugares devido à destruição causada pela 2ª Guerra.

Muitos dos que chegaram à então Alemanha Ocidental se uniram mais tarde em associações de expulsos, geralmente de orientação conservadora. Nos primeiros anos da República Federal da Alemanha, os expulsos e refugiados representavam mais de 20% do eleitorado.

Já na Alemanha Oriental, os deslocados foram chamadas de "reassentados". Inicialmente, eles receberam assistência para sua integração, mas a partir de 1950 o tema da expulsão passou a ser praticamente tabu no Estado alemão controlado pelos soviéticos.

Polêmica sobre a forma correta de recordar

O fato de a exposição chegar a ser inaugurada é um pequeno milagre. Foram necessários 22 anos desde a ideia inicial até a abertura. Isto tem a ver com o fato de que o tema dos deslocados ter repetidamente provocado controvérsias políticas.

O museu também era visto com ressalvas por causa do antigo envolvimento da política ultraconservadora Erika Steinbach, que entre 1998 a 2014 atuou como presidente da outrora influente Federação dos Expulsos (BdV, do nome em alemão), que tem cerca de 1,3 milhão de membros e representa os interesses dos expulsos. Por muitos anos, a organização era conhecida por suas ligações com a ultradireita. 

Já no final do último milênio, ela teve a ideia de fundar um centro. Sua localização, orientação e organização foram objeto de uma longa disputa, que levou até mesmo a desacordos diplomáticos com os países vizinhos República Tcheca e, acima de tudo, a Polônia. Havia um certo ceticismo de que os alemães se estilizassem como vítimas e assim desviassem a atenção de sua culpa pelo nazismo.

Ursinho feito com restos de tecido e cobertores de soldados serviu de consolo à menina refugiada Monika KlingenerFoto: Volker Witting/DW

Em 2008, o Bundestag decidiu criar a fundaçãoe Erika Steinbach perdeu influência. Ela saiu da União Democrata Cristã em 2017 e desde então tem apoiado a populista de direita AfD. A diretora Gundula Bavendamm nem a convidou para a inauguração.

"Reconciliação dos alemães consigo mesmos"

O Conselho da Fundação do Centro de Documentação inclui representantes do governo, das Igrejas, da Federação dos Expulsos, e também políticos. Por exemplo, o membro da União Social Cristã no Bundestag Stephan Mayer. Em sua resposta a uma pergunta da DW, ele aponta explicitamente que o centro está especialmente próximo de seu coração por ser "neto dos alemães dos Sudetos".

Segundo ele, o memorial contribui para a "reconciliação dos alemães consigo mesmos". Os expulsos agora finalmente teriam um lugar onde "é lembrado o que  sucedeu a milhões de pessoas e que serve como reavaliação do último capítulo da Segunda Guerra Mundial".

O Centro de Documentação Fuga, Expulsão, Reconciliação abre ao público no dia 23 de junho e a entrada é gratuita.

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