Aos 47 anos, estou prestes a concluir o ensino médio: voltei a estudar mais de 30 anos depois de deixar a escola. Tenham força para voltar. O conhecimento ajudará vocês nos mais diversos aspectos de suas vidas.
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Meu nome é Nelci Aparecida de Oliveira, sou mãe de dois filhos, Luciana e Cristiano, tenho quatro netos e gostaria de contar minha história.
Parei de estudar quando tinha 13 anos de idade. Lembro que minha família estava em condições muito precárias. Meu pai já era falecido e toda a responsabilidade de nossa família estava nas mãos de minha amada mãe, que precisava garantir a sobrevivência de cinco filhos através de trabalhos na roça.
Sou a segunda mais velha e não via muito sentido na escola. Eu assumia muitas responsabilidades, sinto que me tornei adulta cedo demais, e naquele contexto eu achava que não havia nada com que a escola pudesse me ajudar. Além disso, lembro que eu ia às aulas e não conseguia me concentrar de jeito nenhum.
Parei de frequentar a escola para ajudar minha mãe a cuidar de meus irmãos e, honestamente, não me arrependo. Eu não poderia ser apenas uma observadora frente à imagem de uma mulher que lutava tanto e sofria, muito provavelmente, na mesma medida.
Com 15 anos eu fugi de casa com meu namorado. Eu o amava muito e aquela atitude parecia correta. Logo em seguida me casei e tive minha primeira filha, a Luciana. O Cristiano nasceu quatro anos depois.
Em alguns momentos eu pensava em voltar para a escola, mas naquelas circunstâncias já era muito difícil.
Após alguns anos eu me separei e tudo ficou ainda mais desafiador, pois eu, assim como minha guerreira mãe, precisei dedicar minha vida ao trabalho para garantir a sobrevivência de meus filhos. Na época eu vendia pastel com suco na rua aos finais de semana e também trabalhava de manicure.
Arrependimento
O arrependimento de não ter concluído a escola apareceu em muitas fases da minha trajetória e assumia as mais diversas formas. Aos 20 anos eu tive a chance de ver minha irmã mais nova, aquela que tanto ajudei a cuidar, concluir o ensino médio e não pude evitar de imaginar que aquela poderia ter sido eu.
Durante a criação de meus filhos, teve muitos momentos em que eu tinha vontade de ver o dever de casa deles e ajudá-los, mas eu simplesmente não tinha a habilidade necessária para isso – nem mesmo para ajudar em contas tão simples quanto a tabuada – e isso me trazia um grande sentimento de impotência.
Também já passei por diversas situações em que sentia falta de habilidades do dia a dia, como saber conversar e escrever de uma forma mais bonita e organizada.
Assim se passaram 30 anos e, recentemente, em 2017, minha guerreira matriarca faleceu. Isso me trouxe muitas tristezas e desilusões. Uma das memórias que guardo dela é de que sempre me incentivava a voltar a estudar. Meu novo esposo, que terminou o ensino médio, também me incentiva. Eu vejo como ele fala e escreve bem e tenho muita vontade de desenvolver as mesmas habilidades.
Vontade de voltar à escola
Começou a nascer dentro de mim uma vontade muito forte de voltar para a escola e tomei a decisão final quando lembrei de uma memória muito emocionante que tenho com meu pai: quando eu tinha 7 anos, ele penteava meu cabelo e dizia "Filha, você vai ser muito importante e um dia será médica".
Eu ainda não entendia bem o que significava, mas lembro de minha mãe criticar, dizendo que morávamos na roça, e pedir para que ele parasse de incentivar sonhos que nunca seriam realizados. Hoje entendo os dois e me dói saber que na vida de minha mãe sobrava pouco espaço para sonhar.
Se tem uma coisa que fiz em minha vida foi trabalhar e descobri uma paixão muito grande pela carreira de manicure, mas entendo minhas limitações e gostaria muito de me especializar para poder atuar como podóloga. Eu sabia que não poderia fazer isso sem antes ter o diploma do ensino médio e isso se tornou uma grande meta, pois ao me especializar eu terei a oportunidade de aumentar minha renda e também, em algum nível, cumprir a profecia de meu pai e ter uma atuação dentro do recorte da área da saúde.
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Enfrentando desafios
Tenho duas amigas que me apresentaram a EJA. Elas estudavam lá e me explicaram que era uma oportunidade de eu terminar meus estudos e ter o tão sonhado diploma.
Foi ainda em 2017 quando reiniciei meus estudos na sétima série do fundamental, no colégio Alfredo Mariem, em Rondonópolis (MT). Era no período noturno e foi um grande desafio, pois durante o dia era uma correria, mas à noite, ir na escola, era para mim um compromisso que eu cumpria mesmo com chuva ou cansaço. Com muita fé e força de vontade eu estava lá, firme e forte, com o sonho do diploma.
Em 2020 veio a pandemia e as aulas presenciais foram suspensas. O ensino online para mim, sendo mãe, avó e tendo passado mais de 30 anos sem estudar, não foi fácil, mas a garotinha de 13 anos em mim me mantinha forte e resiliente.
Educação proporciona melhora financeira
Uma das minhas motivações é conseguir melhorar financeiramente e hoje entendo como a educação pode nos proporcionar isso. Talvez minha mãe, se tivesse tido a oportunidade de estudar, não precisaria ter trabalhado tão arduamente e teria, em vez disso, verdadeiramente vivido e aproveitado sua vida.
A evolução do alfabeto
Houve um tempo em que ser analfabeto não era nada de mais. Quando nossos antepassados começaram a transformar a fala em símbolos, apenas poucas pessoas podiam ler e escrever. Hoje, a Unesco luta pela educação universal.
Foto: picture-alliance/ ZB
Um amontoado de símbolos
As primeiras evidências de uma cultura escrita na China foram encontradas esculpidas em escápulas de bovinos. Criada por volta de 1.400 a.C., a escrita chinesa conta hoje com 50.000 caracteres, mas quem aprende 3.500 deles já consegue ler cerca de 98% de um texto. Para tal, são necessários alguns anos para dominar o sistema da escrita.
Foto: picture-alliance/dpa
Imagens no lugar de letras
Os primeiros achados de desenhos com conteúdos compreensíveis datam de muito antes: mais de 2 mil figuras e representações foram gravadas cerca de 20 mil anos atrás nas cavernas de Lascaux , no sul da França. Os rabiscos mostram animais e pessoas, mas nenhum símbolo gráfico. Por isso, pesquisadores falam em um precursor da escrita, que o homem da Idade da Pedra usou para representar sua vida.
Foto: picture-alliance/dpa
A escrita cuneiforme
Os primeiros caracteres surgiram aproximadamente 3.300 a.C na Mesopotâmia, o atual Iraque. Por trás da invenção estariam os sumérios, que riscavam em placas de argila com pedras pontiagudas. Inicialmente, o símbolo "pé" representava unicamente a parte do corpo, mas depois também passou a ser associado ao ato de "andar" e, por fim, ao som de "a" – uma verdadeira revolução.
Foto: picture alliance/dpa
Palavras mágicas
Os egípcios batizaram sua escrita de "Medu Netjer", ou palavras de Deus, e atribuíram a ela poderes mágicos. A atual expressão hieróglifo vem do grego e significa gravuras sagradas. Apenas de 1% a 5% dos egípcios eram alfabetizados, e a profissão era altamente respeitada. Dizia-se na época: "Vire escritor, então seus membros ficam lisos e suas mãos, macias."
Foto: picture alliance/akg
O mundo perdido dos maias
Até hoje, muitos textos antigos ainda não foram decifrados. Foi assim que a alta cultura dos maias sucumbiu aos conquistadores espanhóis. Em 1562, o bispo Diego de Landa mandou destruir em massa altares, pinturas e pergaminhos: apenas quatro manuscritos restaram. Arqueólogos conseguiram deduzir 800 símbolos, mas muitos dos enigmas continuam sem resposta.
Foto: SLUB
O latim vira moda
A escrita latina, que ganhou impulso com a expansão do Império Romano, desenvolveu-se a partir do alfabeto grego. Tais letras foram adaptadas para as necessidades dos romanos e somadas a sons como G, Y ou Z. O W apareceu só na Idade Média como a 26ª letra, completando o que viria a ser o alfabeto mais disseminado do mundo atual.
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Caligrafia e textos sagrados
Existem cerca de cem alfabetos pelo mundo. No árabe são usadas duas escritas: uma para o dia a dia e outra para ornamentos caligráficos. Diferentemente do alfabeto hebraico, que durante séculos ficou reservado a textos religiosos. Isso só mudou em 1948, com a fundação do Estado de Israel, quando o hebraico se tornou língua e escrita oficial do país.
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Uma invenção revolucionária
Este museu em Mainz abriga o livro mais antigo do mundo: a Bíblia. Em 1452, Johannes Gutenberg criou a prensa móvel e se aventurou na impressão das escrituras sagradas. Foram necessários dois anos para imprimir os primeiros 200 exemplares. Mas, sem essa invenção, hoje não haveria livros escolares. Curiosidade: no Havaí, as crianças precisam aprender apenas 12 letras e um símbolo.
Foto: picture-alliance
Do manuscrito à máquina de escrever
Durante séculos, as pessoas escreveram à mão, mas a revolução industrial trouxe facilidades consigo. A pena de ganso foi substituída pela caneta tinteiro e, depois, pela caneta esferográfica – e, por fim, pela máquina de escrever. E isso sempre atendendo às necessidades de cada idioma, seja com um ß para alemães ou com um ã para línguas latinas. Cartas ilegíveis viraram coisa do passado.
Foto: cc-by-sa/Deutsche Fotothek
Bem-vindos ao século 21
Apesar disso, as pessoas continuaram a escrever no papel e a imprimir seus livros como um dia fez Gutenberg – até o lançamento do computador. Antes uma peça gigante usada em pesquisas, hoje o PC é onipresente. Seus códigos binários deram início a uma nova era da escrita. Mas apenas programadores precisam conhecer a sequência de zeros e uns – o que aparece na tela é o alfabeto que nós conhecemos.
Foto: Fotolia/arahan
Alfabetização? Não para todos
Apesar dos avanços tecnológicos, a educação ainda não pode ser considerada um direito adquirido. Milhões de pessoas pelo mundo não sabem ler ou escrever, sobretudo na Índia e na África. Mais afetadas são as meninas e mulheres. Desde 1966, sempre no dia 8 de setembro, a Unesco lembra o quão importante é educação para todos, no Dia Mundial da Alfabetização.
Foto: picture-alliance/ ZB
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Pensar nisso me causa muita dor. Infelizmente eu não posso ajudá-la agora, mas penso em garantir um futuro diferente e melhor para minha família. Não pude ajudar meus filhos com o dever de casa, mas hoje eu e meu neto de 9 anos falamos sobre a lição de casa e tudo o que ele está aprendendo eu aprendi na EJA e consigo ajudá-lo. Ele até brinca que precisamos estudar para as provas.
A Nelci de hoje nunca teria abandonado a escola e teria concluído no período regular, mas não posso voltar no passado. Em meu presente, entendo a Educação de Jovens e Adultos como uma oportunidade sensacional e enquanto houver adultos que pararam de estudar quando jovens, é necessário que essa modalidade continue existindo.
Para mim ela significou não apenas uma mudança na minha vida, mas também na de toda minha família. Sinto que escrevo melhor, me comunico melhor, entendo melhor a sociedade e tenho a habilidade de, inclusive, fazer um melhor gerenciamento do dinheiro que ganho no salão. Muitas contas básicas eu não sabia fazer e nem sei se ganhava dinheiro mesmo ou não.
Aos professores e toda a organização da EJA: minha eterna gratidão. O trabalho de vocês é especial e necessário. Aos que, assim como eu, não concluíram o ensino médio: nunca é tarde e tenham força para voltar. O conhecimento adquirido irá ajudar vocês nos mais diversos aspectos de suas vidas, assim como aconteceu comigo.
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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1
Este texto foi escrito por Nelci Aparecida de Oliveira, de Rondonópolis (MT), e reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.
Dez mulheres que fizeram história
Ao longo da história, houve várias pioneiras, seja na ciência ou na luta pelo voto feminino e o direito à educação. Conheça algumas mulheres que se destacaram no seu tempo.
Foto: Hilary Jane Morgan/Design Pics/picture alliance
Primeira rainha-faraó
Após a morte de seu marido, o faraó Tutmés 2º, Hatschepsut assumiu o trono em 1479 a.C., como rainha-faraó tanto do Alto quanto do Baixo Egito. As duas décadas em que esteve no poder foram de paz e de prosperidade econômica. Seu sucessor, Tutmés 3º, no entanto, tentou apagar todos os vestígios da primeira rainha-faraó da história.
Foto: picture alliance/dpa/C.Hoffmann
Mártir francesa
Na Guerra dos Cem Anos entre Inglaterra e França, Joana d'Arc, uma filha de camponeses de 13 anos, teve uma visão. Santos pediram a ela que salvasse a França e trouxesse Carlos 7º ao trono. Em 1430, ela foi presa durante uma missão militar. No julgamento, em que virou heroína da França, foi condenada a morrer na fogueira. Mais tarde, seria reabilitada e, em 1920, canonizada por Bento 15.
Foto: Fotolia/Xavier29
Catarina, a Grande
Com um golpe audacioso, Catarina 2ª derrubou o odiado marido do trono e se proclamou imperatriz da Rússia. Ela provou sua capacidade de governar ao dominar todo o território russo e liderar campanhas militares até a Polônia e a Crimeia. Graças a isso, Catarina é a única governante do mundo com o epíteto "a Grande".
Foto: picture alliance/akg-images/Nemeth
Monarca perspicaz
Quando Elisabeth 1ª ascendeu ao trono britânico, ela assumiua supremacia sobre um país em revolta. Ela acabou conseguindo apaziguar a guerra religiosa entre católicos e protestantes, e trouxe uma era de prosperidade ao império britânico. A cultura viveu seu auge com Shakespeare e os navios britânicos derrotaram a armada espanhola.
Foto: public domain
Feminista radical
Em 1903, Emmeline Pankhurst (1858-1928) fundou o movimento feminista no Reino Unido. Na luta para que as mulheres pudessem votar, fez greve de fome, incendiou casas e foi condenada. Em 1918, conseguiu que mulheres a partir dos 30 anos pudessem votar. Morreu em 1928, ano em que começou a vigorar na Inglaterra o sufrágio universal para as mulheres.
Foto: picture alliance/akg-images
Revolucionária alemã
Num tempo em que as mulheres ainda não podiam votar, Rosa Luxemburg estava à frente do revolucionário movimento social-democrático alemão. Cofundadora do movimento de esquerda Liga Espartaquista e do Partido Comunista da Alemanha, tentou acelerar o fim da Primeira Guerra Mundial com greves em massa. Após a repressão da revolta espartaquista, em 1919, ela foi assassinada por militares alemães.
Foto: picture-alliance/akg-images
Grande pesquisadora
Marie Curie (1867-1934) foi uma das pioneiras na pesquisa da radioatividade, o que inclusive lhe rendeu um Nobel de Física, em 1903, mas também os sintomas da então ainda desconhecida doença provocada pela radiação. A descoberta dos elementos Rádio e Polônio lhe valeu o Nobel de Química em 1911. Após a morte do marido, Pierre, ela assumiu sua cátedra, tornando-se a primeira professora na Sorbonne.
Foto: picture alliance/Everett Collection
Diário revelador
"Sua Anne". Assim Anne Frank termina o diário que escreveu entre 1942 e 1944. Na última foto, a garota de 13 anos ainda sorri despreocupada. Dois meses mais tarde, em julho de 1942, ela se mudaria para o esconderijo em Amsterdã. Ali ela viveu na clandestinidade até ser deportada para Auschwitz, onde morreu em março de 1945. Seu diário é um dos mais importantes testemunhos do Holocausto.
Foto: Internationales Auschwitz Komitee
Primeira Nobel africana
"A primeira verde da África" escreveu um jornal alemão referindo-se a Wangari Maathai. Desde os anos 1970, ela se engajava tanto pelos direitos humanos quanto pela preservação do meio ambiente. Com a ONG Movimento Cinturão Verde ela plantou árvores para frear a desertificação. Em casa, no Quênia, ela muitas vezes foi ridicularizada. Mas, em 2004, seu trabalho foi coroado com o Prêmio Nobel da Paz.
Foto: picture-alliance/dpa
Símbolo do direito à educação
Ela tinha 11 anos em 2009 quando falou à imprensa sobre os horrores do Talibã no Paquistão. Quando sua escola para meninas foi fechada, ela lutou pelo direito à educação. Em 2012, sobreviveu a um atentado à bala. Já recuperada, escreveu a autobiografia "Eu sou Malala". Em 2014, com 17 anos, ganhou o Nobel da Paz por defender os direitos de meninas e mulheres.
A coluna quinzenal é escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade.