Nuvem de fumaça de incêndios florestais sufoca Manaus
14 de outubro de 2023
Capital amazonense atravessa pior outubro de incêndios em 25 anos, com sério perigo de saúde. Ministra Marina da Silva aponta três fatores, mas enfatizando atividades "criminosas": "Não há fogo natural na Amazônia."
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A metrópole amazônica Manaus está sufocada há dias por uma nuvem tóxica originária de incêndios "criminosos", alertou nesta sexta-feira (13/10) o Ministério do Meio Ambiente.
Desde a quarta-feira, focos de incêndio na Amazônia lançaram uma capa de fumo cinzento sobre a cidade de 2 milhões de habitantes. Segundo o World Air Quality Index, a qualidade do ar de Manaus está entre as piores do mundo.
"Essa fumaça está nos prejudicando. Muita gente não tem consciência de que estão queimando a floresta, de que muitos animais estão morrendo", lamentou a moradora Maria Luiza Reis, de 72 anos.
As autoridades sanitárias nacionais instaram a população a evitar ao máximo a exposição à poluição nos próximos dias. O diretor do Departamento de Emergências em Saúde Pública, Marcio Henrique de Oliveira Garcia, confirmou, numa coletiva de imprensa em Brasília, que há "riscos importantes, principalmente de enfermidades respiratórias".
Incêndios provocados
O governo brasileiro anunciou nesta sexta-feira que enviará dois helicópteros e 149 brigadistas adicionais, além dos 140 que já atuam no combate ao fogo na região. No momento o estado do Amazonas atravessa seu pior outubro em 25 anos, no tocante a focos de incêndio: o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou 2.770 focos ativos no último mês – um aumento de 154% em relação ao mesmo período de 2022.
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Em coletiva de imprensa, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, associou os incêndios a "criminosos" que os utilizam para limpar e preparar o solo para a agricultura ou a pecuária, após desflorestar a superfície. "O principal vetor das queimadas é desmatamento, não existe fogo natural na Amazônia", assegurou.
Os sinistros ocorrem em meio a uma seca extrema na região, com os rios em níveis criticamente baixos, dificultando o transporte e o abastecimento de cerca de 500 mil habitantes.
"É uma situação de extrema gravidade, porque há cruzamento de três fatores: grande estiagem provocada pelo El Niño; matéria orgânica em grande quantidade ressecada; ateamento de fogo em propriedades particulares e dentro de áreas públicas, de forma criminosa”, explicou Silva.
Devido à nuvem tóxica, diversos eventos foram cancelados em Manaus, inclusive uma maratona. Enquanto isso, contudo a atividade segue nas docas da capital, de rosto protegido por máscaras, trabalhadores vêm e vão levando sua carga, e lanchas atravessam o rio Negro.
av (ots)
O drama da seca na região metropolitana de Manaus
Populações ribeirinhas da região metropolitana de Manaus e também o meio ambiente são duramente afetados pela estiagem, que baixou nível dos rios e favorece os incêndios florestais.
Foto: Gustavo Basso/DW
Ameaça a cultivos e criação de animais
Com o período seco iniciado precocemente e com final previsto para cerca de duas semanas após o normal, as áreas de várzea ficaram sob ameaça de não voltar a alagar no próximo ano, alertou a Defesa Civil amazonense. A falta de sedimentos férteis dos rios ameaça os cultivos e a criação de animais, agravando a falta de alimentos.
Foto: Gustavo Basso/DW
Portos secos
O Rio Negro, que banha Manaus, já recuou pelo menos 500 metros em alguns pontos desde agosto. Portos secos, somados à reduzida profundidade dos rios, afetam a navegação entre a capital e distritos e cidades da região metropolitana, que acabam virtualmente isolados.
Foto: Gustavo Basso/DW
Alta do custo de vida
A peixeira Kaila Pereira acompanhou dia após dia o recuo do afluente do Rio Negro que banha o porto local. Com a drástica redução do nível das águas, pescadores são obrigados a viajar até duas horas para obter o produto que antes conseguiam quase às portas de casa, aumentando o preço final em até nove vezes.
Foto: Gustavo Basso/DW
Peixes locais agora chegam de longe
Na feira Manaus Moderna, principal ponto de venda de alimentos da capital, a alta de preços é geral. Peixes tradicionais, como pirarucu, tambaqui e jaraqui, precisam vir de longe, de calhas fluviais menos afetadas pela estiagem prolongada que resulta da conjunção de três fenômenos climáticos.
Foto: Gustavo Basso/DW
Recordes de temperatura
Segundo o pesquisador Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), a combinação rara de El Niño no Oceano Pacífico (oriental e central) com o superaquecimento das águas do Oceano Atlântico Norte é fruto direto do processo de aquecimento global, algo observado ao longo dos últimos três meses com recordes sucessivos de temperaturas no planeta.
Foto: Gustavo Basso/DW
Árvores viram combustível para queimadas
Temperaturas altas e falta de água podem, no intervalo de uma geração, tornar o território da Amazônia impróprio para a existência da própria Floresta Amazônia, alerta Fearnside, um dos principais membros do IPCC. Cada vez mais árvores, principalmente nas bordas da floresta, morrem por falta de água, se tornando combustível fácil para as queimadas.
Foto: Gustavo Basso/DW
Focos de queimada tiveram alta de 10%
Apesar da diminuição do desmatamento na Amazônia ao longo de 2023 em comparação com o ano anterior, os focos de queimada no bioma tiveram uma alta de 10%. Ao todo foram registrados 8.344 focos de calor na Amazônia no primeiro semestre. No estado do Amazonas, setembro foi o mês com mais incêndios, afetando uma população já ameaçada pela falta de alimentos e água.
Foto: Gustavo Basso/DW
Nível dos rios despencou
O aposentado Stelio Barbosa ainda se assusta com a queda abrupta do nível da água e aposta que, em uma semana, o pouco que resta na marina onde mora secará. Em pouco mais de um mês, o nível do Rio Negro e de afluentes vizinhos despencou 10 metros, se aproximando do nível mais baixo já registrado em Manaus.
Foto: Gustavo Basso/DW
Bar atolado na lama
Em apenas duas décadas, a Amazônia registrou três grandes estiagens, algo absolutamente incomum. A mais grave, de 2010, ainda está na memória do comerciante Derli Leão, que há duas semanas não recebe ninguém no seu bar, atolado na lama, tampouco sai de casa para comprar mantimentos, economizando até a volta da água.
Foto: Gustavo Basso/DW
Prognósticos
"Mesmo naquele ano de 2010, aqui na frente ainda havia meio metro de água, que permitia o deslocamento por todo este lago. Tudo isso aqui ainda vai secar muito e virar um campo gramado antes de voltar a subir mesmo, somente lá por dezembro", aposta Leão, que faz prognósticos ainda mais negativos: "Neste passo, em 10, 20 ou 30 anos já não terá água em nenhum desses braços do rio Amazonas".