Região de origem da espécie permaneceu enigma por um século, até que Helmut Sick o resolvesse. Livro aborda história e legado do pesquisador responsável por uma das grandes descobertas da ornitologia.
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Descrita pela primeira vez em 1856, na Europa, com base em exemplares empalhados, a arara-azul-de-lear foi um enigma que intrigou pesquisadores durante quase um século. Apesar de aparecer em ilustrações e em coleções de animais de museus europeus, a ave nunca havia sido avistada por ornitólogos no Brasil, o que poderia indicar sua extinção.
Somente em 1978, o mistério da arara-azul-de-lear foi desvendado: através de uma expedição ao nordeste da Bahia do ornitólogo alemão naturalizado brasileiro Helmut Sick. O habitat da espécie, a caatinga baiana, foi uma das várias descobertas feitas por ele, considerado um dos maiores pesquisadores sobre aves do país.
"Além de descobrir espécies novas e fazer mapeamentos, ele alavancou a ornitologia no Museu Nacional, deixou discípulos importantes e publicou artigos e livros que são até hoje referência em termos de taxinomia de aves", afirma a bióloga e historiadora Magali Romero Sá, da Casa de Oswaldo Cruz (Fiocruz).
A saga de Sick pelo Brasil teve início décadas antes da resolução deste enigma. Natural de Leipzig, o jovem mudou-se aos 23 anos para Berlim, onde estudou ornitologia com Erwin Stresemann. Com ele, passou, em 1938, a trabalhar como assistente no museu que atualmente é conhecido como o Museu de História Natural.
Em 1939, Sick foi convidado a participar de uma expedição ao Brasil, financiada pelo Serviço de Pesquisa do Terceiro Reich. No Brasil, a pesquisa foi apoiada pelo Museu Nacional e pela Fundação Oswaldo Cruz. A viagem coordenada por Adolf Schneider visava refazer a rota percorrida no Espírito Santo no século 19 pelo príncipe renano Maximiliam zu Wied-Neuwied.
A missão de Sick era recolher amostras de aves para o museu em Berlim e estudar o raro mutum-do-sudeste e o jacu-estalo. No Brasil, após três meses da viagem, Sick e Schneider acabaram se desentendendo. Ao abandonar a expedição, o ornitólogo recebeu apoio de Stresemann para permanecer no Brasil.
No Espírito Santo, Sick continuou com suas pesquisas sobre aves até ser preso, em 1942. Após a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, por ser alemão, o ornitólogo foi acusado de ser um espião do regime nazista. Nem mesmo a prisão conseguiu afastá-lo da ciência. Durante os três anos que esteve detido em Ilha Grande, no Rio de Janeiro, estudou de sua cela pássaros da região e cupins.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, ele foi solto e optou novamente por permanecer no Brasil. Em 1952, Sick se naturalizou brasileiro e foi, oito anos depois, contratado pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro. Durante suas expedições, descobriu, pelo menos, quatro novas espécies de aves brasileiras. O pesquisador escreveu obras de referência sobre o tema, como Ornitologia brasileira, uma introdução, publicado em 1985.
Luta pela preservação
Uma das maiores contribuições de Sick para a ornitologia foi a descoberta do habitat da arara-azul-de-lear, comprovando assim que a ave não havia sido extinta. As duas primeiras viagens de pesquisador ao nordeste para solucionar o maior enigma da ornitologia sul-americana terminaram sem resultados, somente na terceira expedição ele finalmente encontrou a espécie.
"A garra de Sick é o que mais me fascinou nesta história. Diante de todas as intempéries que surgiram, ele não desistiu da pesquisa", conta João Marcos Rosa, um dos autores do livro Jardins da Arara de Lear, lançado no final de setembro
Além de apresentar o habitat da ave, o livro conta a história de sua descoberta e mostra a luta para sua preservação. Entre as dificuldades para a localização da espécie estava a extensão do território brasileiro. No início, havia apenas a informação de que os exemplares levados para a Europa no século 19 foram embarcados no porto de Belém. Suspeitava-se, então, que a ave era da Amazônia.
Em 1978, Sick finalmente encontrou a espécie, na região do Raso da Catarina, na caatinga baiana. Após a descoberta, o ornitólogo contabilizou apenas 21 exemplares da ave. Ameaçada pelo tráfico de animais silvestres e pela degradação de seu habitat, o pássaro estava à beira da extinção.
"No momento em que Sick desvenda esse mistério, começa uma nova saga, que é a para salvar a espécie da extinção", destaca Gustavo Nolasco, coautor do livro Jardins da Arara de Lear.
Os esforços de pesquisadores e da população local para salvar a arara-azul-de-lear têm dado resultados. Estima-se que mais de mil exemplares vivam atualmente na região do Raso da Catarina, localizada entre os municípios de Jeremoabo e Canudos. No entanto, a espécie continua ameaçada pela degradação ambiental.
"A falta de alimento é a principal ameaça", afirma Aliomar Almeida, coordenador do projeto Jardins da Arara de Lear, que visa conscientizar a população local sobre a importância das palmeiras de licuri, cujo fruto é o principal alimento da arara, e estimula a geração de renda por meio de projetos sustentáveis.
A expedição de Sick que solucionou o enigma da arara-azul-de-lear foi a última grande realizada pelo ornitólogo. Ao descobrir o habitat da ave, ele contribuiu também para a sua salvação. Sick morreu em 1991 no Rio de Janeiro.
Nomes de animais em alemão difíceis de decifrar
Por o alemão ser uma língua que aglutina palavras, alguns nomes de animais no idioma remetem a algo bem diferente. Adivinhe que bichos são estes.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Pleul
Maultier, o bicho da boca?
Se "Maul" é uma forma coloquial de "boca", e "Tier" é animal em português, que bicho poderia ser esse, já que a maioria tem uma boca?
Foto: picture-alliance/dpa/P. Pleul
Maultier é um burro
A palavra "Maultier" existe desde o século 16 e vem do alemão antigo "mul", derivado do latim "mulus". Trata-se do cruzamento de égua com jumento, que resulta em mulas ou burros.
Se um dos significados de "trampeln" em alemão é "bater os pés no chão", a transliteração fica difícil, pois há muito animal ("Tier") que costuma fazer isso.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Pleul
Trampeltier é o camelo
Neste caso, o nome em alemão vem do jeito desajeitado de o camelo caminhar. A palavra "Kamel" também existe. Os dois termos são usados para xingar pessoas desajeitadas ou burras. Já o dromedário, que tem só uma corcova, é chamado "Dromedar".
Foto: ZDF/Heiko Merten
Schildkröte, um sapo com escudo?
Se "Schild" em alemão quer dizer "escudo" e "Kröte" é "sapo", "Schildkröte" só pode ser um sapo com escudo?
Foto: Andreas Hertz
Schildkröte é tartaruga
Quase! Pois o escudo do nome em alemão é a carapaça resistente que protege o corpo da tartaruga.
Foto: picture alliance/dpa/U. Keuper-Bennett
Oktopus, o animal de oito pés?
Qual poderia ser o animal que, na tradução literal de "Oktopus", tem oito pés ou tentáculos?
Foto: picture-alliance/OKAPIA KG, Germany
Oktopus é o polvo
Isso mesmo, o animal com oito pés, ou tentáculos, é o polvo. O nome em alemão vem de "octo" para "oito" e "pode" para "pés".
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Walross, o cavalo-baleia?
"Wal" significa baleia em alemão, e "Ross" é cavalo, mas isso não significa necessariamente que se trate de um cavalo-baleia ou uma baleia-cavalo.
Foto: picture-alliance/dpa/C. Jaspersen
Walross é morsa em alemão
Este animal é muito confundido com foca, leão-marinho e mesmo o lobo-marinho. Embora todos sejam mamíferos e estejam ligados à água, possuem características que os diferenciam. A morsa, por exemplo, tem dentes caninos enormes e é o único dos quatro que não tem pelos.
Foto: picture-alliance/dpa/WILDLIFE/D.J.Cox
Eichhörnchen, chifrinhos de carvalho?
Se "Eiche" é carvalho em alemão e "Hörnchen" é o diminutivo de "Horn", chifre, poderia ser este então um animal de chifre que mora em carvalhos?
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Eichhörnchen é o esquilo
A origem do nome remonta ao século 11, em que "aig" (mover-se rapidamente) acabou virando "eich" e "Horn" por causa de suas orelhas, que parecem chifres.
Foto: picture-alliance/dpa
Ameisenbär, forte como um urso?
"Ameise = formiga" e "Bär = urso" em alemão. Será então um tipo de formiga extremamente resistente ou mesmo um animal gigante?
Foto: picture-alliance/dpa
Ameisenbär é o tamanduá
Um Ameisenbär é o que chamamos de tamanduá no Brasil. Não se trata de um urso, mas ele come formigas.
Foto: Kölner Zoo
Erdmännchen, homenzinho da terra?
"Erde = terra" e "Männchen = homenzinho", será um animal parecido com o ser humano que vive embaixo da terra?
Foto: picture-alliance/dpa/S. Sauer
Erdmännchen, o suricate
Na realidade, estamos falando do suricate, natural do sul da África. O nome em alemão vem de duas peculiaridades: eles constroem túneis no subsolo, onde passam a noite, e "Männchen" vem da posição de pé, ou melhor, sobre as duas patas.
Foto: picture-alliance/dpa/dpaweb/R. Scheidemann
Meerschweinchen, porco do mar?
"Meer = mar" e "Schweinchen = porquinho", mesmo assim não se trata aqui do que o nome sugere.
Acredita-se que o nome em alemão venha do fato de o animal ter sido trazido pelo mar pelos navegadores espanhóis. E o som que fazem lembra filhotes de porcos.
Foto: Imago
Tintenfisch, o que tem a ver o peixe com a tinta?
"Tinten = tinta" e "Fisch = peixe". Haverá algum indivíduo no mundo aquático que pode ser associado com tintura?
Foto: picture-alliance/ dpa/dpaweb
Tintenfisch, a lula
Se pensou na lula, acertou. Assim como o polvo, este animal possui uma glândula de tinta. Quando se sente em perigo, forma uma nuvem de tinta para poder escapar.
Foto: picture-alliance/OKAPIA KG/J. Rotman
Flusspferd, o cavalo do rio?
Pela tradução literal, se "Fluss" quer dizer "rio" e "Pferd" significa "cavalo", seria o cavalo do rio.
Foto: picture-alliance/dpa
Flusspferd, o hipopótamo
Isso mesmo, só que nós o chamamos hipopótamo, que é a mesma coisa, pois "hippos" quer dizer "cavalo" e "potamos", "rio". Pode-se dizer também "Nilpferd", ou mesmo hipopótamo-do-nilo, já que o animal foi descoberto junto a este rio na África.
Foto: picture-alliance/WILDLIFE/T. Dessler
Seekuh, uma vaca aquática?
"See = mar ou lago" e "Kuh = vaca". É um bicho da água, sim, mas não se trata aqui daquele animal do qual tiramos leite.
Foto: picture-alliance/dpa
Seekuh é o peixe-boi
Não é vaca do mar, mas sim o nosso peixe-boi. Além de também serem mamíferos, estes animais vivem na água e se alimentam de algas, aguapés e capins aquáticos.
Foto: picture-alliance/dpa
Heuschrecke, o assustador do feno?
Que animal poderia ser este, se "Heu" significa "feno" e "Schrecken" é o mesmo que "pavor"?
Foto: picture-alliance/dpa/S. Golay
Heuschrecke, o gafanhoto
A palavra "Heuschrecke" remonta ao alemão antigo, onde o verbo "schrecken" significa "pular", uma das principais habilidades deste inseto. Por isso ele também é conhecido como "Grashüpfer", ou "saltador de capim".
Foto: MilaDFReeDoM
Marienkäfer, o besouro de Maria
"Marien = Maria" e "Käfer = besouro". Alguém se lembra de nas aulas de religião algum dia ter ouvido falar em alguma relação entre um besouro e a mãe de Jesus?
Foto: picture-alliance/dpa/M.Hiekel
Marienkäfer, a joaninha
No Brasil a associação é difícil, pois o nome em alemão tem uma história peculiar, como o de muitos outros animais. A joaninha é considerada um talismã da sorte na Alemanha, e, por causa de sua importância na agricultura, os camponeses antigamente acreditavam tratar-se de um presente de Maria, por isso lhe deram este nome.