Há dois séculos, Carl von Martius chegou ao país junto com a imperatriz Leopoldina. Partiu após três anos, deixando como legado um meticuloso levantamento da flora brasileira: o maior já realizado até hoje.
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Há 200 anos, Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868) chegava ao Brasil como um dos integrantes da Missão Austríaca – que acompanhava a imperatriz Leopoldina por ocasião de seu casamento com dom Pedro 1º. A aventura do jovem botânico alemão, que percorreu mais de dez mil quilômetros por um Brasil inóspito, marcaria um dos mais importantes momentos para o conhecimento da flora nacional até então exótica e inatingível no imaginário mundial.
Durante os três anos em que passou no país (entre 1817 e 1820), Von Martius fez um meticuloso levantamento da flora brasileira – o maior já realizado. E a partir deste estudo, ele dividiu o Brasil em cinco biomas (Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Selva Amazônica e Pampas), uma divisão usada até hoje.
Para marcar a data, foi aberta no último fim de semana, no Instituto Moreira Salles (IMS), no Rio, a exposição "O mapa de Von Martius ou como escrever a história natural do Brasil". A exposição tem justamente como ponto de partida o mapa criado em 1858, em que o botânico propõe uma divisão regional para o país a partir dos biomas detalhados em sua expedição.
"Von Martius não foi o único a fazer uma proposta de regionalização do Brasil, mas teve essa visão de tentar compreender o território todo", explica a coordenadora de iconografia do IMS e curadora da exposição, Julia Kovensky. "Com o levantamento das plantas, ele visualizou esses grandes conjuntos, definiu biomas, e transferiu isso para uma divisão territorial do país."
Em companhia do zoólogo Johann Baptist von Spix, Von Martius fez expedições pelas regiões Norte, Nordeste e Sudeste, colhendo e catalogando uma vasta quantidade de espécimes vegetais. Ele retratou as paisagens em litografias, compiladas na obra Flora brasiliensis (até hoje uma referência), reunindo 20 mil espécimes vegetais em 40 volumes. A exposição reúne 50 dessas paisagens, além do mapa.
"Estamos apresentando um pequeno conjunto de obras do primeiro volume da Flora brasiliensis, que são dedicados às paisagens brasileiras com as plantas inseridas", explica Julia. "São litografias com paisagens de diferentes regiões do Brasil, além do mapa com os biomas e algumas obras complementares."
O mapa dá um pouco da dimensão da aventura de se lançar pelo interior do país naquela época, até a região da atual fronteira com a Colômbia, saga relatada pelo naturalista nos três volumes do livro Reise in Brasilien ("Viagem pelo Brasil"), publicado entre 1823 e 1831. O trabalho vai além da questão da flora e retrata um país em transformação, que se tornara a capital do Império português poucos anos antes e se abria para o mundo.
"Ele tinha um grande interesse por ciências naturais, mais especificamente por botânica", conta Júlia. "Mas, como muitos outros homens de sua época, tinha uma visão muito ampla e atuou em diferentes frentes."
De acordo com a historiadora Iris Kantor, da Universidade de São Paulo (USP), que também participou da curadoria da exposição, o levantamento feito por Von Martius produziu uma imagem do Brasil que até hoje está incorporada ao imaginário das elites. Para ela, analisar criticamente essa imagem é um desafio importante para compreender o país.
"Ele foi sem dúvida um dos pais fundadores da historiografia brasileira e de uma certa maneira de se fazer história", afirma Iris.
Em 1843, de Munique, Von Martius encaminhou uma proposta de como se deveria escrever a História do Brasil para um concurso organizado pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Seu programa de estudos incluía, pela primeira vez, a incorporação da participação popular na grande narrativa sobre a formação da nacionalidade.
"Assim, além dos indígenas e dos portugueses, ele sugeria a inclusão das populações de origem africana", diz Iris. "Algo muito atual como, por exemplo, o estudo da história do tráfico negreiro e das feitorias portuguesas no continente africano. Ele também chamou a atenção para a necessidade de investigar os mitos e tradições indígenas, por meio da incorporação da documentação oral."
A exposição no IMS pode ser vista até 16 de abril.
Mundurukus às margens do Tapajós
Cercados pela Floresta Amazônica, índios da etnia munduruku lutam para impedir construção de hidroelétricas no rio Tapajós, no Pará.
Foto: DW/N. Pontes
Junto às margens
Os índios da etnia munduruku habitam principalmente as regiões de florestas, às margens de rios. Estão distribuídos especialmente no vale do rio Tapajós, no Pará, e nos estados do Amazonas e Mato Grosso. Atualmente, estima-se que a população de índios munduruku seja de 12 a 15 mil.
Foto: DW/N. Pontes
A cacica
Atualmente, algumas aldeias de munduruku são representadas por mulheres, conhecidas como cacicas. Maria Anicéia Akay Munduruku, da região do Alto Tapajós, faz parte do movimento pela demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu e contra a construção de hidrelétricas. Ela não fala português: para se comunicar com os demais fora da comunidade, ela precisa da ajuda na tradução, feita pelo marido.
Foto: DW/N. Pontes
As ameaças
Os moradores da Terra Indígena Sawré Muybu aguardam a homologação do território que habitam há pelo menos três séculos. A área, de 178 mil hectares, sofre ameaça principalmente de madeireiros, garimpeiros e, agora, pode ser impactada pela construção de hidrelétricas. Como estratégia, os indígenas iniciaram a autodemarcação do território com instalação de placas que imitam as oficiais.
Foto: DW/N. Pontes
A essência da vida
Para os mundurukus, o rio Tapajós é a essência da vida indígena. Eles dependem de suas águas principalmente para se alimentar e se locomover. Estudos apontam a existência de mais de 110 espécies de peixes, além do peixe-boi e ariranha. Animais como anta e tamanduá-bandeira também vivem às margens do rio.
Foto: DW/N. Pontes
Trabalho diário
Na época de chuvas, que vai de dezembro a maio, o nível do Tapajós chega a subir sete metros. Já na estação seca, de junho a novembro, a água volta ao curso normal. Nos igarapés da aldeia Sawré Muybu, indígenas tomam banho, lavam a louça e a roupa no começo e no final do dia.
Foto: DW/N. Pontes
Professores indígenas
As crianças munduruku frequentam a escola da aldeia, sob orientação de professores indígenas. Normalmente, apenas o ensino fundamental é oferecido nas comunidades. Na foto, as meninas brincam na sala de aula compartilhada na aldeia Sawré Muybu durante o período de férias escolares. Alguns animais, como macaco, papagaio, cachorro e capivara convivem com as crianças na aldeia.
Foto: DW/N. Pontes
A bebida tradicional
Em ocasiões especiais, como visitas à comunidade, as famílias mundurukus preparam uma bebida conhecida como kaxidi. Ela é feita de batata-doce, farinha de mandioca e caldo de cana ou açúcar. Embora consumam principalmente alimentos cultivados nas roças, alguns produtos não tradicionais fazem parte da dieta há algum tempo, como açúcar, sal, café, e são comprados na cidade cerca de uma vez por mês.
Foto: DW/N. Pontes
Mandioca, batata-doce, cará e banana
A farinha é o principal alimento nas aldeias mundurukus. Ela é fabricada artesanalmente, por quase toda a família. A mandioca, plantada na roça familiar, é triturada, ralada e depois torrada num tacho aquecido com lenha. O produto é armazenado em sacos de estopa e servido praticamente em todas as refeições. Além da mandioca, os índios cultivam principalmente batata-doce, cará e banana.
Foto: DW/N. Pontes
A ameaça
Vista aérea da hidrelétrica Teles Pires, construída no leito do rio homônimo, afluente do Tapajós, localizada na divisa dos estados do Pará e Mato Grosso. Pronta desde 2015, a usina tem potência instalada de 1820 MW, mas ainda está praticamente sem produzir eletricidade devido à falta de linhas de transmissão. A cor verde mais clara indica área de floresta que foi submersa.
Foto: DW/N. Pontes
Participação chinesa
Imagem aérea mostra obras de construção da hidrelétrica São Manoel, com início de operação prevista para janeiro de 2018. Com participação da indústria chinesa, empreendimento está orçado em R$ 2,2 bilhões. A usina também está localizada no rio Teles Pires, afluente do Tapajós, e terá capacidade para gerar 700 MW.
Foto: DW/N. Pontes
Perda da terra e fim da subsistência
Se construída, a hidrelétrica São Luiz do Tapajós ficará nesse trecho do rio, que tem águas verde-azuladas, corredeiras, praias, cachoeiras e igarapés. Os reservatórios poderão inundar até 7% da Terra Indígena Sawré Muybu. Para os mundurukus, o barramento do rio significa a perda de território e dos meios de subsistência, além de piorar qualidade da água e interferir na reprodução dos peixes.