Difamações, ameaças, ataques contra residências. Em reunião com comissão ministerial em Berlim, ativistas falam sobre as agressões a que estão expostos em áreas da Alemanha onde neonazistas são cada vez mais numerosos.
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Dorothea Schneider mora em uma área que é um sonho em termos de paisagem: colinas verdes onduladas e campos de colza amarelos no verão. E bem no leste de Görlitz: a pérola arquitetônica bem na fronteira com a Polônia. Turistas de todo o mundo se deliciam com o centro antigo da cidade, com suas magníficas casas no estilo do gótico tardio, renascentista e barroco. Mas neste ambiente também há muitas manchas marrons. A cena neonazista, em todos os seus tons, é algo que não passa despercebido na região.
Nesse meio, Schneider é tida como uma inimiga, alguém a se odiar. Mãe de quatro filhos, ela atua contra nazistas, contra os chamados Reichsbürger (cidadãos do Reich), que negam a legitimidade do Estado alemão pós-guerra e quer o retorno das fronteiras nacionais de 1937, e afins. Ela é presidente da associação Paradiesvögel statt Reichsadler (Aves do paraíso em vez de águias imperiais, em tradução liberal).
Schneider luta contra o crescente avanço da direita. Por exemplo, organizando um desfile de carros com adornos coloridos na estrada B96, onde há semanas ocorrem protestos todos os domingos contra as restrições para controle da epidemia de coronavírus. Os radicais agitam bandeiras alemãs, mas também bandeiras do Império Alemão.
São pessoas como Schneider que o governo alemão agora quer dar mais apoio, após o ataque racista em Hanau, que deixou nove mortos em fevereiro de 2020. Para isso, foi criado o comitê ministerial contra extremismo de direita. O grupo de alto escalão, liderado pela chanceler federal alemã, Angela Merkel, se reuniu pela segunda vez nesta quarta-feira (02/09) e ouviu o que os afetados vivenciam em termos de ódio, hostilidade e até tentativas de assassinatos.
Participaram do encontro em Berlim representantes de organizações que lutam pelos direitos de migrantes e refugiados, como a Fundação Amadeu Antonio, e também especialistas da área. Na mesma ocasião, a rede para a prevenção do extremismo de direita explicou suas recomendações ao governo. Schneider era uma das presentes. Ela sabe o que é ser ameaçada e difamada por extremistas de direita. E conta que durante seu desfile contra os negacionistas, ela foi "saudada" com a saudação nazista e foi alvo de ovos jogados pelos extremistas. Já a casa de uma ativista de seu movimento foi pichada com suásticas.
"Proteção contra ataques de extremistas de direita foi uma das recomendações mais importantes", diz Jutta Weduwen, diretora executiva da Ação Serviço de Reconciliação pela Paz, que uniu forças com outras organizações na rede para a prevenção do extremismo de direita. "A sociedade civil é o pilar central na luta contra o extremismo de direita", afirma.
Pessoas corajosas como Schneider esperam receber mais apoio. Ela afirma que em áreas rurais a aceitação de extremistas de direita sempre foi maior: "E eles continuam crescendo", sublinha, acrescentando que essa é uma preocupação adicional para os residentes. "Você não tem lá a mesma proteção que tem na cidade grande", frisa.
Markus Nierth sabe por experiência própria como as redes sociais são importantes na luta contra o extremismo de direita, o racismo e o antissemitismo. O ex-prefeito da pequena cidade de Tröglitz, no estado de Saxônia-Anhalt, renunciou ao cargo em 2015 após ele e sua família terem sido permanentemente e severamente ameaçados por fazerem campanha para o acolhimento de refugiados.
Na quarta-feira, ele pegou o trem de Tröglitz para Berlim para apoiar a rede de prevenção de extremismo de direita. Ele disse que veio à capital alemã representando muitos políticos locais e estaduais. Porque mesmo sem estar mais no cargo, ele continua atuando contra a propaganda e a violência de extrema direita. Ele diz que por isso tem pago um preço alto há anos. Markus Nierth chama isso de "bullying social". Alguns que o apoiavam no passado começaram a se afastar dele.
"A estratégia de conquista de espaço da extrema direita funcionou", lamenta Nierth se referindo à região em que continua a viver, apesar da hostilidade que enfrenta. Ele diz que após ele ter deixado o cargo de prefeito, outros extremistas de direita se estabeleceram na área.
O neonazista condenado a 10 anos de prisão por cumplicidade com o grupo terrorista Clandestinidade Nacional-Socialista (NSU) Ralf Wohlleben mora nas proximidades de Tröglitz. Depois de mais de seis anos sob custódia, ele teria que passar no máximo três anos e quatro meses na prisão. O fato de Wohlleben ter apelado faz com que o julgamento ainda tenha que ser analisado por uma instância superior. É por isso que ele está novamente solto, pois o tribunal e o Ministério Público não veem risco de fuga.
O fato de alguém como Wohlleben morar perto de Tröglitz também diz muito sobre a crescente influência da extrema direita na região, segundo o ex-prefeito. Nierth diz ser necessário criar uma rede "para combater a soberania dos extremistas" na área.
Ele sabe melhor do que ninguém como isso pode ser difícil ou mesmo impossível. Mas desistir ainda está fora de questão para ele. Isso também se aplica a Schneider. "Pode ser muito desanimador ver que as estruturas de extrema direita estão ficando cada vez maiores".
E, no entanto, ela continua como uma das "aves do paraíso", como sua iniciativa se chama, de forma jocosa. Águias imperiais, o símbolo da direita, já existem em quantidade suficiente voando na região. "Devemos nos insurgir quando as coisas ficam desconfortáveis", diz Schneider: "Eu também quero ser um modelo para meus filhos."
O caso NSU
Após mais de cinco anos de processo, saem as sentenças pelas mortes de nove imigrantes e uma policial na Alemanha, num caso envolvendo extremismo de direita e críticas a instâncias estatais.
Foto: dapd
Beate Zschäpe, o rosto da NSU
Entre 2000 e 2006, nove homens de origem estrangeira foram mortos com a mesma pistola na Alemanha. A polícia tateava no escuro, e a mídia falava de "assassinatos do kebab". Em 4 de novembro de 2011, uma casa explodiu em Zwickau, no leste do país. Entre os destroços foram encontrados a arma do crime e outros objetos incriminadores. Quatro dias mais tarde, Beate Zschäpe se entregou à polícia.
Foto: dapd
O (presumível) trio da NSU
Em 1998, Zschäpe se unira aos amigos ultradireitistas Uwe Böhnhardt e Uwe Mundlos na célula terrorista Clandestinidade Nacional-Socialista (NSU). O trio viveu incógnito em diversos locais por quase 14 anos, por último em Zwickau, no estado da Saxônia. Segundo os investigadores, eles teriam cruzado a Alemanha cometendo assassinatos e atentados a bomba, financiando-se através de assaltos a bancos.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Burgi
As vítimas
Ao que se sabe, a NSU matou ao menos nove homens e uma mulher. A primeira vítima, Enver Şimşek, sucumbiu em setembro de 2000 a ferimentos graves. As demais vítimas foram (a partir do alto, esq.) Abdurrahim Özudogru, Süleyman Taşköprü, Habil Kılıç, a policial Michèle Kiesewetter, Mehmet Turgut, Ismail Yasar, Theodorus Boulgarides, Mehmet Kubaşık e Halit Yozgat.
Foto: picture-alliance/dpa
Atentados a bomba em Colônia
Na rua Keupstrasse, em Colônia, habitada majoritariamente por turcos, uma bomba cheia de pregos explodiu em 9 de junho de 2004. Mais de 20 pessoas ficaram feridas, em parte gravemente. Antes, em 19 de janeiro de 2001, uma outra fora detonada na Probsteigasse. Uma jovem de 19 anos de origem iraniana sofreu queimaduras, cortes, fratura do crânio e perfuração do tímpano.
Foto: picture-alliance/dpa
Fim de uma fuga
Em 4 de novembro de 2011, um assalto a banco fracassou em Eisenach, na Turíngia. Os criminosos conseguiram inicialmente escapar, mas foram perseguidos pela polícia. Pouco mais tarde, os cadáveres de dois homens foram encontrados num trailer fumegante. Os indícios eram de suicídio. Ambos foram identificados como Uwe Böhnhardt e Uwe Mundlos, supostos integrantes da célula terrorista NSU.
Foto: picture-alliance/dpa
Último esconderijo
Poucas horas após a morte dos supostos assassinos da NSU, uma casa residencial foi pelos ares em Zwickau. Com a explosão, Beate Zschäpe aparentemente tentou eliminar as pistas na moradia que dividia com seus amigos Böhnhardt e Mundlos. Entre as ruínas, os policiais encontraram, entre outros, a arma do tipo Ceska utilizada na série de assassinatos da NSU e um vídeo de reivindicação.
Foto: picture-alliance/dpa
Reivindicação cruel
Num macabro vídeo, utilizando a apreciada figura de desenhos animados Pantera Cor-de-Rosa, a NSU reivindicou os assassinatos de nove turcos e uma policial. No entanto, uma das vítimas, Theodorus Boularides, tinha origem grega.
Foto: picture-alliance/dpa/Der Spiegel
O início do processo
Em 6 de maio de 2013, começou o processo da NSU no Tribunal Superior Regional de Munique. A única sobrevivente do trio terrorista, Beate Zschäpe, apresentou-se de terno escuro, aparentando autoconfiança. O procurador-geral da República a acusou, entre outros crimes, de "ter matado, em dez casos, um ser humano de forma traiçoeira e por motivação torpe".
Foto: Reuters/Michael Dalder
Cúmplices da NSU?
Além de Zschäpe, quatro homens foram acusados no processo da NSU como presumíveis acessórios dos crimes. Apenas Ralf Wohlleben (abaixo, dir.), ex-membro do partido de extrema direita NPD, pode ter seu nome completo citado na imprensa. Os demais, André E., Carsten S. e Holger G. estão protegidos pelo direito de personalidade.
Zschäpe quebra o silêncio
Em 9 de dezembro de 2015, após dois anos e meio de silêncio, Beate Zschäpe se pronunciou, fazendo ler uma declaração em que inculpa Böhnhardt e Mundlos pela série de assassinatos. Em meados do ano, ela se desentendera com seus três advogados indicados, passando a ser representada adicionalmente por Hermann Borchert e Mathias Grasel.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Kneffel
Escândalo do informante
Desde o início do processo, era ambíguo o papel do Departamento de Defesa da Constituição, responsável pela segurança interna da Alemanha, nas atividades da NSU. O extremista de direita Tino Brandt (foto), informante do órgão, relatou em juízo como, nos anos 90, criara o grupo Defesa da Pátria da Turíngia (THS). A partir dele, o trio liderado por Zschäpe se radicalizou, criando a NSU.
Foto: picture-alliance/dpa/Martin Schutt
Relações mal explicadas
Quando Halit Yozgat foi baleado num internet-café de Kassel, em 6 de abril de 2006, o informante Andreas T. estava no local. Apesar disso, o funcionário da Defesa da Constituição afirmou nada saber sobre o atentado. No processo da NSU, o pai da vítima, Ismael Yozgat, relatou de forma comovedora como segurara nos braços o filho agonizante. No tribunal, levou consigo uma foto de infância de Halit.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Gebert
Protestos contra falta de clareza
Já houve uma série de manifestações contra o envolvimento de órgãos estatais alemães no caso da NSU. A organização Keupstrasse Está Por Toda Parte é uma das participantes dos protestos. Ela leva o nome da cidade de Colônia, onde a célula terrorista explodiu uma bomba cheia de pregos.
Foto: DW/M. Fürstenau
Parlamento interfere
O Parlamento federal alemão tentou trazer luz às intrigas no caso da NSU. Em agosto de 2013, o presidente da primeira comissão de inquérito, Sebastian Edathy (dir.), entregou ao líder parlamentar Norbert Lammert seu relatório final de mais de mil páginas. A conclusão foi avassaladora: "fracasso estatal". Mais tarde haveria outras CPIs em nível federal e estadual.
Foto: picture-alliance/dpa
Promessas quebradas
Em 23 de novembro de 2012, foi realizado na Konzerthaus de Berlim um evento em memória das vítimas da NSU. A chefe de governo Angela Merkel (esq.) prometeu a Semiya Şimşek e outros familiares o esclarecimento total. Mas eles estavam decepcionados diante de dossiês da Defesa da Constituição eliminados ou mantidos em caráter confidencial. Sua suspeita era de que o Estado sabia mais do que admitia.
Foto: Bundesregierung/Kugler
Procuradoria Geral exige pena máxima
Em meados de 2017, o procurador-geral Herbert Diemer e colegas apresentaram suas considerações finais. Eles exigiram para Beate Zschäpe a pena máxima, de prisão perpétua, devido à gravidade extrema de seus crimes. Para Ralf Wohlleben e André E., a acusação pediu 12 anos de cárcere, assim como cinco para Holger G. e três para Carsten S..
Foto: picture-alliance/dpa/P. Kneffel
Exigência surpreendente
Em abril de 2018, os defensores se pronunciaram. Hermann Borchert e Mathias Grasel, representando Zschäpe apenas desde 2015, reivindicaram para ela um máximo de dez anos de prisão. Entretanto, seus antigos advogados, Wolfgang Stahl, Wolfgang Heer e Anja Sturm (da dir. para a esq.) surpreenderam ao pedir a libertação imediata de Zschäpe da prisão preventiva.
Foto: Reuters/M. Rehle
Juiz respeitado
Manfred Götzl, de 64 anos, é o juiz-presidente no processo da NSU, no Tribunal Superior Regional de Munique, encarregado de pronunciar as sentenças contra Beate Zschäpe e os demais réus. Os advogados de alguns coautores do processo criticaram Götzl, desejando que ele conduzisse a ação com maior rigor. No geral, contudo, ele goza de grande respeito.
Foto: picture-alliance/dpa/T. Hase
Prisão perpétua para a ré principal
Em 11 de junho de 2018, Beate Zschäpe (esq.), de 43 anos, foi condenada à prisão perpétua pelo Tribunal Superior Regional de Munique. Como os crimes são de extrema gravidade, ela não poderá deixar a prisão depois de cumprir 15 anos de pena. A defesa anunciou que vai recorrer da decisão à instância superior, a Corte Federal de Justiça. Os demais réus receberam penas entre dez e dois anos e meio.