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O ano da virada radical

31 de dezembro de 2018

Prisão de um ex-presidente. Vitória da extrema direita. Derrota de velhas forças. Violência. Disseminação de boatos. Previsões contrariadas. Como 2018 mudou a política brasileira e abriu um novo ciclo de incerteza.

Apoiadora de Bolsonaro, com boné militar, faz continência, comemorando vitória do candidato, frente a multidão com bandeiras brasileiras
Apoiadores de Bolsonaro comemoram vitória na eleição presidencialFoto: picture-alliance/dpa/L.Correa

Mesmo após três anos de crise política e econômica, um impeachment e sucessivas denúncias de corrupção, boa parte das velhas forças políticas do país iniciou 2018 apostando que o ano seguiria um roteiro minimamente previsível.

A suposição era de que, apesar do turbilhão, o jogo político seria mais uma vez dominado pelos mesmos atores. Até mesmo vários analistas previram que a renovação do Congresso seria baixa, que recursos e tempo de TV seriam mais uma vez decisivos e que a disputa seguiria uma polarização que já havia sido trilhada em eleições anteriores.

Em um ano marcado por eventos extremos, as circunstâncias atropelaram essas certezas. Ao longo do caminho figuras influentes que pareciam imbatíveis foram derrotadas, partidos outrora gigantes praticamente desmoronaram, e uma nova força radical que havia sido subestimada mudou a lógica das disputas eleitorais e se sagrou como a grande vencedora.

Ao mesmo tempo, posições políticas extremas que eram consideradas marginais nos últimos anos passaram para o palco principal do debate público.

A largada

O PT, que governou o país por 13 anos, iniciou 2018 apostando que o popular ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seria viável como candidato presidenciável. Os números eram um incentivo irresistível: o petista aparecia com 37% das intenções de voto em janeiro. A liderança petista preferiu minimizar os problemas jurídicos do ex-presidente – que já levantavam dúvidas sobre a viabilidade da sua candidatura – e a imagem arranhada do partido por causa de repetidos episódios de corrupção. 

Lula acabou sendo o personagem principal do primeiro evento-chave que chacoalhou a campanha presidencial: sua condenação em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro, que em janeiro virtualmente o tirou do páreo por causa da Ficha Limpa. A condenação culminou em abril na dramática prisão do petista, que por dois dias resistiu em se entregar. Ele acabou se tornando o primeiro ex-presidente da história do Brasil preso após condenação judicial. 

Prisão de Lula foi primeiro evento-chave da eleiçãoFoto: Reuters/L. Benassatto

Da cadeia, em Curitiba, Lula passou então a coordenar uma insólita campanha para levar o PT ao segundo turno: sua candidatura foi mantida até o registro ser negado a poucas semanas do pleito e um substituto ser oficialmente escolhido. A estratégia levava em conta que seria possível transferir decisivamente a popularidade de Lula para esse substituto  – o ex-prefeito Fernando Haddad –, como o PT já havia feito em eleições passadas.

Já o PSDB, que governou o país por oito anos e havia disputado todos os segundos turnos presidenciais desde 2002, mais uma vez apostou em um veterano: Geraldo Alckmin. Mesmo que as pesquisas não indicassem números promissores na largada, o candidato era encarado como a figura principal de um "centro” político brasileiro capaz de se contrapor ao petismo e à cada vez mais influente extrema direita.

Alckmin ainda reuniu o maior tempo de TV e recursos de campanha ao atrair uma série de legendas fisiológicas. Dinheiro e TV ainda pareciam armas imbatíveis em uma disputa. Ao mesmo tempo, os tucanos também subestimaram seus próprios arranhões causados pela corrupção.

O MDB do presidente Michel Temer, por sua vez, havia participado dos arranjos que desenharam no Congresso um superfundo de campanhas que seria dividido em sua maioria pelos petistas, tucanos e emedebistas. Também apostou que o dinheiro e a TV seriam capazes de garantir a sobrevivência dos seus caciques políticos, muitos deles atingidos por escândalos.

Nesses cálculos não parecem ter entrado a insatisfação dos brasileiros com sua velha classe política e a influência crescente de um discurso radical turbinado pelas redes sociais. 

Radicalização e fator Bolsonaro

Em maio, já era possível sentir o potencial que a mobilização das redes sociais e a radicalização política teriam no pleito. Neste mês, o decadente governo Michel Temer foi pego de surpresa por uma avassaladora paralisação de caminhoneiros, que se comunicaram e se organizaram pelo aplicativo Whatsapp. A greve derrubou o presidente da Petrobras , e grupos radicais tomaram carona no movimento para propagar um pedido de "intervenção militar” no país.

Bolsonaro sofreu um atentado em setembro Foto: Getty Images/AFP/R. Leite

Em março, o brutal assassinato da vereadora Marielle Franco já havia sido uma prévia do alcance da disseminação de notícias falsas, quando as redes sociais foram inundadas por mentiras sobre a atuação da carioca na luta pelos direitos humanos. Militantes de extrema direita propagaram falsas versões de que ela seria associada com traficantes e minimizaram a gravidade do crime. 

Em meio a esse clima cada vez mais tóxico, um deputado veterano do baixo clero da Câmara, que nunca teve uma atuação de destaque em articulações políticas, agarrou a oportunidade. O ex-capitão do Exército Jair Bolsonaro não tinha dinheiro, um partido digno de nota ou tempo de TV. Analistas apostavam que seu bom desempenho nas pesquisas no início do ano não iria durar. Mas ele acabaria por mudar por completo a lógica das campanhas eleitorais. 

Até setembro deste ano, era o futuro eleitoral de Lula que ainda monopolizava as atenções. Mas, alimentado pelo crescente antipetismo e desprezo de parte do eleitorado aos políticos tradicionais e compensando sua falta de recursos com forte presença nas redes sociais, Bolsonaro continuou a crescer. Ele conseguiu ainda se apresentar como um outsider intolerante com a corrupção, mesmo com um currículo de três décadas de atuação na Câmara e acusações de uso de assessores em benefício pessoal. 

Na internet, apoiadores do candidato ainda trataram de ajudar Bolsonaro, espalhando mentiras grosseiras contra adversários, especialmente o petista Fernando Haddad, que chegou a ser falsamente acusado de defender o incesto e de distribuir um "kit gay”.

Militantes de extrema direita também promoveram "linchamentos virtuais” de jornalistas que publicaram reportagens investigativas apontando irregularidades na campanha do ex-capitão. Durante o período eleitoral, até mesmo a conta no Facebook da embaixada alemã em Brasília passou a ser palco de ataques de militantes, que forçaram uma discussão sem nenhuma base histórica de que o "nazismo é de esquerda”. O próprio TSE admitiu que não estava preparado para lidar com o volume de fake news.

Bolsonaro também não adotou nenhuma tática mais moderada, preferindo explorar a retórica do confronto e apostando em declarações ultrajantes e de ódio aos adversários, que muitas vezes flertavam com a violência política.  

O próprio presidente eleito chegou a ser vítima de um episódio de violência ao longo da campanha e por pouco não morreu. Atingido por um ataque a faca, Bolsonaro permaneceu a maior parte da campanha afastado de atos públicos.

Derrotas humilhantes: em 2018, Dilma Rousseff perdeu corrida para o SenadoFoto: Imago/Agencia EFE/P. Fonseca

Efeitos

Em outubro, o resultado desse ano que se iniciou sinalizando uma suposta persistência do antigo establishment político foi escancarado: o país elegeu para a Presidência um militar reformado de extrema direita defensor do antigo regime militar. Nunca desde a redemocratização um candidato que expressa ideias autoritárias como Bolsonaro havia chegado tão longe. Sua ascensão foi completamente subestimada pelas forças políticas tradicionais.

Junto com Bolsonaro, centenas de políticos que se associaram ao ex-capitäo foram eleitos. O país havia sofrido uma guinada à direita. O PSL de Bolsonaro, antes uma sigla nanica, se transformou na segunda maior força da Câmara e vai contar com a maior fatia do fundo de campanhas e a segunda maior receita do fundo partidário. O partido ainda quebrou dois recordes: um de seus candidatos a deputado federal e uma candidata a deputada estadual receberam as maiores votações da história. Em estados como o Rio de Janeiro, Minas Gerais e Santa Catarina, novatos sem ou com pouca experiência política derrotaram ex-prefeitos e ex-governadores veteranos.

Contrariando as expectativas, a renovação no Congresso foi a mais alta desde 1998. Nomes de peso do MDB, PT e PSDB acabaram sofrendo derrotas humilhantes. Tucanos e MDB saíram com suas menores bancadas desde a redemocratização, reduzidos a siglas médias. Alckmin recebeu a menor votação da história do PSDB. O PT encolheu aos níveis que tinha há 20 anos e terminou a corrida isolado. Para Lula, que havia associado suas batalhas jurídicas ao pleito presidencial, o resultado foi mais uma derrota pessoal. 

Já o presidente Michel Temer, pouco conseguiu influenciar o pleito, mesmo controlando a máquina federal. A poucos dias de deixar a Presidência como um dos chefes de governo mais impopulares da história, ele ainda acumulou mais uma denúncia por corrupção. Sem o foro garantido pelo cargo, ele vai passar a responder por esta e mais duas denúncias na primeira instância. O mesmo deve ocorrer com dezenas de políticos envolvidos na Lava Jato que não foram reeleitos. 

Novo ciclo de incerteza

A vitória de Bolsonaro e de outras forças novatas não apenas arrasou o velho establishment político, mas também abriu um novo ciclo político de incerteza e de expectativa.

Mudanças: Bolsonaro nomeou para o seu governo um time de neoliberais, militares e ultraconservadores. Foto: imago/ZUMA Press/O Globo

O presidente eleito já demonstrou que pretende acabar com velhos arranjos políticos na relação do Executivo com o Congresso. Em vez de procurar o apoio de caciques partidários, passou a dar preferência a um relacionamento com bancadas temáticas, como a da agropecuária e dos evangélicos. Velhos líderes do Congresso levantam dúvidas se esse método será bem-sucedido. Também pesa a inexperiência de Bolsonaro em negociações. Ainda pesa a fragmentação da Câmara e do Senado após as eleições, a maior da história.

Em outras áreas, o governo Bolsonaro também já demonstrou que nada deve ser como antes. Para os ministérios das Relações Exteriores e da Educação, ele nomeou duas figuras indicadas pelo filósofo conservador Olavo de Carvalho. O novo chefe do Itamaraty, Ernesto Araújo, já evidenciou que pretende dar uma virada radical na diplomacia brasileira ao anunciar a intenção de estreitar laços com os EUA e retirar o Brasil de pactos internacionais. A aproximação com Israel também já vem criando atritos com países árabes.

Na Economia, Bolsonaro criou um superministério especialmente desenhado para o seu guru Paulo Guedes, que deve tentar impor uma pesada agenda neoliberal. Bolsonaro ainda nomeou Sérgio Moro, estrela da Lava Jato responsável pela prisão de Lula em abril, como um superministro da Justiça. Apesar de ter sido encarada positivamente por parte da população, a escolha de Moro também levantou questionamentos sobre a conduta do ex-juiz, que durante a campanha ajudou a desgastar a candidatura de Haddad ao divulgar a delação do ex-ministro Antônio Palocci.

Já no Judiciário, a novela da situação de Lula ainda deve render novos episódios. A continuidade da prisão do ex-presidente gerou em 2018 uma guerra de liminares entre juízes federais que arranhou a imagem do Judiciário. No último dia antes do recesso, o ministro do Supremo Marco Aurélio Mello ainda concedeu uma liminar que abria a possibilidade para soltar Lula e outros condenados em segunda instância. A decisão foi derrubada por outra liminar, mas demonstrou como o tema ainda deve estar presente em 2019. Em abril, o STF deve voltar a analisar a legitimidade das prisões em segunda instância.

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