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O ano das pautas conservadoras no Congresso

22 de dezembro de 2017

Em 2017, as chamadas bancadas do boi, bala e Bíblia pressionaram pela aprovação de projetos sobre aborto, armas e aumento da influência dos militares. Temas polêmicos devem voltar com força em 2018.

Câmara dos Deputados
Parlamentares tentaram avançar em 2017 ao menos 200 pautas e projetos que minam direitos humanosFoto: Reuters/A. Machado

Após um ano marcado pelo engavetamento de duas denúncias criminais contra o presidente Michel Temer, disputas do mundo político com o Supremo Tribunal Federal (STF) e com a Procuradoria-Geral da República, o ano legislativo do Congresso Nacional se encerrou nesta sexta-feira (22/12).

Em meio ao cenário de crise, as bancadas conservadoras da Câmara e do Senado aproveitaram o ano para promover suas agendas e arrancar concessões do Executivo em troca da salvação do governo.

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Proibição do aborto, aumento da influência dos tribunais militares para julgar crimes, flexibilização do estatuto do desarmamento, anuência do governo para restringir a demarcação de terras indígenas e combate ao trabalho escravo foram alguns dos temas que marcaram o Congresso.

Segundo um levantamento da Anistia Internacional, parlamentares tentaram avançar em 2017 pelo menos 200 pautas e projetos que representam retrocessos para a causa dos direitos humanos no país. A maioria dessas pautas não foi bem-sucedida ou a palavra final sobre elas deve ficar para o ano que vem, mas os episódios escancaram a crescente influência das bancadas conservadoras do Congresso e indicam que 2018 – ano de eleição – também deve ser marcado por novas investidas do tipo.

"A crise política, institucional e econômica serviu como ‘uma cortina de fumaça' para que o Congresso tentasse enfraquecer proteções e direitos já garantidos na legislação brasileira", afirmou a diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck.

Segundo a ONG, entre os projetos que representaram "uma grande derrota para os direitos humanos" está a lei que aprovada pelo Senado em outubro que transferiu para os tribunais militares a responsabilidade de julgar crimes – inclusive homicídios – cometidos por militares contra civis. Temer sancionou a lei no mesmo mês, apesar de protestos de organizações de direitos humanos e de parte da comunidade jurídica do país.

Esse e outros projetos foram encampados foram por membros da bancada BBB (boi, bala e Bíblia), o apelido das Frentes Parlamentares que promovem projetos nas áreas de Segurança Pública, Agropecuária e de interesse de religiosos conservadores. Somados, os diferentes grupos reúnem quase 300 dos 531 deputados.

Após as eleições de 2014, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) já havia apontado que a formação atual do Congresso é a mais conservadora desde 1964 e que apenas 20% dos deputados e senadores podem ser considerados "progressistas".

Em 2017, essa formação do Congresso esteve por trás, por exemplo, da aprovação em uma comissão especial da Câmara de um projeto que proíbe o aborto em qualquer situação – inclusive em casos de estupro e de risco para mãe. A aprovação ocorreu em novembro e contou com os votos de 18 deputados – todos do sexo masculino. Ainda não foi dada a palavra final sobre o assunto – um projeto de tal alcance precisa passar por outras comissões e pelo plenário –, mas essa pequena vitória inicial deve levar os deputados a tentar voltar à carga em 2018.

Concessões do governo

Além da superioridade numérica, as bancadas conservadoras contaram com um fator extra em 2017: a fragilidade do governo Temer, que dependeu do Congresso para garantir sua sobrevivência política após a apresentação das denúncia criminais contra o presidente. Com Temer salvo graças aos votos dos deputados, os conservadores passaram a pressionar o Planalto pelo pagamento da fatura.

A pauta desses deputados não avançou apenas em projetos dentro das Casas. Um exemplo das negociações entre a bancada da agropecuária e o governo foi a assinatura pelo Planalto, em julho, de um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) que prevê que um entendimento do STF sobre a criação da reserva indígena Raposa Serra do Sol passe a valer para todas as demarcações, o que deve dificultar a criação e expansão de novas áreas do tipo no país.

Ao mesmo tempo, a bancada ruralista conseguiu do governo a sanção da "medida provisória da grilagem" – como foi chamada por ambientalistas –, que prevê a legalização em massa de terras públicas invadidas.

Paralelamente, os ruralistas do Congresso usaram o ano legislativo para tentar acertar contas com velhos adversários. Ao final da CPI Funai-Incra, em maio, deputados pediram o indiciamento de 96 pessoas ligadas à causa indígena, como procuradores federais e antropólogos.

A busca pelo apoio dos deputados também levou o governo a publicar uma portaria que flexibiliza as regras de fiscalização do trabalho escravo. Criticada por ONGs e até por alguns membros do governo Temer, o texto transfere a decisão de publicar a "lista suja" do trabalho escravo para o titular do Ministério do Trabalho. Antes isso era prerrogativa da área técnica da pasta.

O conceito de trabalho escravo também foi limitado, estabelecendo que a definição deve ser aplicada quando houver "restrição à liberdade de locomoção". A ministra do STF Rosa Weber acabou suspendendo os efeitos da portaria em outubro, mas a questão deve provavelmente ser discutida no Congresso no ano que vem.

"É inegável que com Temer muitas pautas históricas defendidas pela bancada foram atendidas", disse em agosto o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), coordenador da Frente Parlamentar Mista da Agricultura.

Já a Frente Parlamentar Evangélica conseguiu do governo, em junho, que o Ministério da Educação ordenasse o recolhimento de 93 mil exemplares de um livro de contos. A temática de incesto de um dos contos – que narrava a história de um rei que deseja se casar com uma de suas filhas – revoltou os evangélicos que compõem a Comissão de Educação da Câmara.

Perspectivas para 2018

Temas como a votação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado também devem ficar para 2018.

Em 2017, parlamentares da bancada da bala também atuaram para tentar revogar o Estatuto do Desarmamento. A maioria das iniciativas na área não vingou, mas no final de novembro os deputados conseguiram na Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovar um projeto que libera a posse de armas para moradores de áreas rurais. Essa foi apenas uma etapa, e o projeto ainda precisaria ser aprovado em plenário para ser colocado em prática.

Para 2018, a expectativa da Anistia Internacional é que os "parlamentares continuem submetendo e avançando com projetos que atinjam os direitos humanos".

Já o Diap, que classificou 2017 como "um ano adverso do ponto de vista social e trabalhista", com a aprovação e sanção da reforma trabalhista, o próximo ano poderá trazer ainda mais perdas se os movimentos sindical e social não priorizarem suas bancadas no Congresso.

"Os movimentos, a oposição, vão ter de investir fortemente na eleição", disse Antônio Augusto de Queiroz, diretor de documentação do Diap. "Não adianta eleger o presidente se não tiver uma boa bancada."

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