1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW
EconomiaReino Unido

O balanço do primeiro ano de acordo comercial pós-Brexit

Nik Martin
30 de dezembro de 2021

Um ano após pacto com a UE, exportações britânicas para o bloco despencaram. Os prognósticos mais catastróficos não se cumpriram, mas a situação do Reino Unido não parece das mais promissoras.

Boris Johnson
Premiê britânico, Boris Johnson, assinou acordo comercial do Brexit dois dias antes de as regras entrarem em vigor, em 1° de janeiroFoto: Leon Neal/Getty Images

Escassez de alimentos, trabalhadores estrangeiros deixando o país e postos de gasolina vazios. O Reino Unido certamente teve seu quinhão de contratempos desde que terminou há um ano o período de transição do Brexit – destinado a suavizar a saída do Reino Unido da UE.

Uma crise na cadeia de abastecimento, agravada pela falta de caminhoneiros e outros trabalhadores de países da UE, deixou as prateleiras dos supermercados britânicos vazias, gerou longas filas nos postos de gasolina por várias semanas em setembro e até mesmo o abate e eliminação de milhares de porcos.

As novas regras que regem o comércio UE-Reino Unido entraram em vigor em janeiro de 2021, exigindo formulários alfandegários de quatro páginas para todas as mercadorias e certificados sanitários para carnes e laticínios. Como resultado, as exportações britânicas para a UE caíram quase 15% nos primeiros dez meses do ano, de acordo com a agência de estatísticas da UE, a Eurostat, enquanto as exportações agroalimentares do Reino Unido caíram mais de 25%.

Culpa do Brexit ou do coronavírus?

Tudo isso aconteceu enquanto o país lutava contra a então nova variante delta do coronavírus, que fez o Reino Unido enfrentar seu terceiro lockdown nacional. Embora o governo insistisse ser impossível separar o Brexit do efeito da pandemia, muitos economistas discordam. "O que podemos dizer é que a perda notável do comércio do Reino Unido com a Europa continental não foi espelhada no comércio do Reino Unido com o resto do mundo", sublinha Iain Begg, pesquisador do Instituto Europeu da London School of Economics (LSE).

O Brexit deveria colocar um fim à burocracia da UE, mas em vez disso, a papelada adicional aumentou os custos de exportação, que afetaram duramente muitas empresas sediadas no Reino Unido e na UE.

Pequenas empresas britânicas, em particular, disseram que suas vendas para a UE despencaram. Simon Spurrell, cofundador da Cheshire Cheese Company, disse ao jornal britânico The Guardian recentemente que o acordo comercial pós-Brexit foi o "maior desastre que qualquer governo já negociou". Alguns varejistas da UE pararam de receber pedidos do Reino Unido.

Problemas nas cadeias de abastecimento, acirrados por Brexit e pandemia, deixaram prateleiras vazias nos supermercados britânicosFoto: Kirsty O'connor/PA/dpa/picture alliance

"São as pequenas empresas que sofrem com a papelada excessiva, não os gigantes como a Nissan", diz Begg, se referindo à montadora japonesa que renovou seu compromisso em manter a produção no Reino Unido, apesar das incertezas do Brexit.

Sim, mais burocracia!

A burocracia deve ficar muito pior a partir de janeiro, quando o Reino Unido colocar em vigor mais burocracia para importações da UE, antes que estas sejam carregadas em trens ou caminhões para o Reino Unido. Os planos tinham sido adiados três vezes no ano passado para evitar mais problemas para as empresas.

Para piorar ainda mais as coisas para o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, seu principal negociador do Brexit, Lord David Frost renunciou neste mês. Alguns analistas especularam que a saída foi acelerada pela pressão sobre Johnson para adotar uma abordagem mais branda nas negociações com Bruxelas, já que uma guerra comercial total pairava sobre várias questões espinhosas.

Assuntos pendentes

O acordo comercial pós-Brexit deixou muitos "assuntos pendentes", de acordo com Begg, incluindo a respeito da Irlanda do Norte, da pesca e de serviços financeiros. A City, distrito financeiro de Londres, é grande contribuidora para a economia britânica e foi, segundo o especialista, "quase negligenciada" nas negociações do Brexit. A City está tentando obter o que é conhecido como equivalência com a UE – onde os dois lados aceitam os regulamentos um do outro. Mas o think tank Institute of Government acredita que um acordo permanente é atualmente improvável.

A disputa entre o Reino Unido e a França sobre os direitos de pesca nas águas entre Reino Unido e UE deve persistir, enquanto o protocolo da Irlanda do Norte – uma medida para evitar uma fronteira rígida entre o território britânico da Irlanda do Norte e um membro da UE, a República da Irlanda – será apenas ser resolvido quando Londres admitir que o Tribunal de Justiça Europeu pode decidir sobre litígios comerciais.

"O resultado ideal para a Irlanda do Norte seria se a fronteira se tornasse quase invisível", diz Begg, em entrevista à DW. "Há um movimento nesse sentido, mas nunca será 100%, porque a lógica diz que você deve ter uma fronteira em algum lugar."

A ministra do Exterior britânica, Liz Truss, assumiu o comando das negociações do Brexit no Reino Unido. Truss é encarregada de manter o apoio dos eurocéticos dentro do Partido Conservador a respeito da direção do Brexit, enquanto evita acirrar o antagonismo em relação a Bruxelas.

Ministra do Exterior britânica, Liz Truss, assumiu as negociações do Brexit após a renúncia de David FrostFoto: Olivier Douliery/Pool/AP/picture alliance

Ideia de "Reino Unido Global" desanima

Poucos pontos positivos surgiram sobre um Reino Unido Global – a promessa de que o Brexit permitiria ao Reino Unido impulsionar seu comércio com o resto do mundo. Um acordo de livre comércio com os Estados Unidos permanece ilusório, especialmente desde a derrota eleitoral de Donald Trump, e o estreitamento dos laços comerciais com a China estão fora da mesa por enquanto, devido às tensões políticas sobre Hong Kong.

Embora os britânicos tenham fechado novos acordos com o Japão, Austrália e Nova Zelândia, "é mais uma questão de 'quem liga para isso?'", segundo Begg, já que os três países representam uma pequena parcela das exportações do Reino Unido. "Mesmo se dobrarmos essa parcela, ela ainda continua minúscula."

O acordo comercial pós-Brexit, no entanto, não levou a algumas das piores previsões de "fim do mundo". Em vez da perda de meio milhão de empregos, o Reino Unido ainda tem uma grande escassez de trabalhadores -- depois que o Reino Unido acabou com a liberdade de movimento de cidadãos da UE. Em vez de uma queda prevista de 18% nos preços dos imóveis, os valores das propriedades britânicas atingiram um recorde histórico este ano, subindo mais de 20% desde o referendo de 2016.

Os residentes do Reino Unido terão que esperar mais oito anos para ver se eles estarão 4,3 mil libras (R$ 32,4 mil) mais pobres até 2030, como previsto, mas o Escritório de Responsabilidade Orçamentária (OBR) do Reino Unido acredita que o Produto Interno Bruto (PIB) sofreu um golpe de 1,4 % desde o referendo de 2016 e, a longo prazo, o PIB britânico será 4% inferior ao que seria caso o divórcio não tivesse ocorrido.

Muitos creem que o Brexit pode ser desfeito

Apesar das manchetes sombrias, da campanha política e de uma pesquisa recente mostrando que 60% dos britânicos agora acham que o Brexit foi "ruim" ou "pior do que o esperado", as chances de o Reino Unido voltar à UE continuam improváveis, segundo Begg.

"Toda a saga do Brexit foi tão dolorosa na política interna do Reino Unido que não vejo qualquer desejo de uma volta tão cedo", afirma.

Do lado da UE, "não consigo ver isso acontecendo em uma geração, muito menos em um futuro próximo". O economista  avalia que o Brexit "causou enormes dificuldades e desperdiçou uma quantidade incrível de tempo [para os Estados da UE] quando havia outros problemas urgentes".

Pular a seção Manchete

Manchete

Pular a seção Outros temas em destaque