Lava Jato, "outsiders ", o Judiciário à prova: movimentação política na primeira semana com o ex-presidente preso dá pistas de para onde o país pode estar indo, a seis meses da eleição.
Anúncio
"Bom dia, presidente Lula", chamam todas as manhãs os ativistas acampados a um quarteirão da Central da Polícia Federal em Curitiba. Desde a noite de 7 de abril, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lá cumpre sua pena de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Os militantes do Partido dos Trabalhadores prometem ocupar a frente do prédio da polícia até que ele seja libertado.
É bom esperarem sentados. Há muito o otimismo dos advogados de Lula se esvaiu. Eles apostavam que o Supremo Tribunal Federal retiraria a sentença de prisão pronunciada em 2016, após a condenação em segunda instância, e que assim o petista permaneceria livre até que a revisão do processo fosse decidida.
Entretanto venceram no STF as forças que querem fortalecer os investigadores da Operação Lava Jato. Para os políticos envolvidos no escândalo de corrupção, esse não é um bom sinal. Na quinta-feira (12/07), o STF recusou o habeas corpus ao ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, há mais de um ano e meio em prisão preventiva.
Além disso, o tribunal confirmou para a próxima terça-feira o julgamento da denúncia de corrupção contra o senador Aécio Neves, do PSDB. Ao que tudo indica, o tribunal pretende inaugurar uma nova era no país, em que políticos corruptos são de fato processados pela Justiça.
Judiciário à prova
Até o momento, o Judiciário brasileiro vinha mostrando relativa leniência para com o PSDB, mas após a prisão de Lula ele precisa mostrar rigor também aqui. Nesse contexto, surpreendeu a opinião pública a Justiça decidir entregar ao relativamente inofensivo Supremo Tribunal Eleitoral o inquérito contra Geraldo Alckmin, por suposto recebimento de verbas eleitorais ilegais. O candidato presidencial do PSDB escapou assim da temida Operação Lava Jato.
A decisão despertou protestos nas redes sociais. O PT queixou-se de dois pesos e duas medidas: enquanto Lula sente a mão pesada da lei, Alckmin é tratado com benevolência. As violentas reações poderão forçar o Judiciário a voltar atrás, entregando o caso Alckmin aos investigadores da Lava Jato, já que a credibilidade da Justiça está em jogo.
No tocante ao próprio Lula, solidariedade simbólica é tudo o que resta ao PT. Deputados e senadores da legenda pediram que se inclua o sobrenome "Lula" em seus nomes parlamentares, para que ele apareça nas listas de presença da Câmara e do Senado.
Concretamente, isso serve tão pouco a Lula quanto a liminar apresentada uma semana atrás ao Comitê de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, já que até hoje os governos brasileiros têm ignorado sistematicamente as decisões das Nações Unidas.
Assim os petistas vão se dando conta de que por enquanto o ex-presidente permanecerá preso, e não concorrerá no pleito presidencial de outubro, com base na Lei Ficha Limpa, que veda a candidatura a políticos condenados.
Dentro do partido ouvem-se murmúrios a favor de um "plano B", possivelmente na figura do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. Oficialmente, no entanto, a liderança petista continua apostando em Lula, por temer que desistir dele como candidato presidencial venha a ser um sinal fatal para os próprios correligionários.
Temer, Barbosa e os outros
Também para o presidente Michel Temer as coisas estão ficando sérias, com a ameaça de uma nova denúncia pela Procuradoria-Geral da República. Poucos dias atrás, a Justiça já colocara dois de seus colaboradores mais estreitos no bando dos réus, acusados de arrecadar subornos para Temer.
Em 2017 o chefe de Estado ainda conseguiu que o Congresso bloqueasse duas denúncias contra ele. De lá para cá, porém, seu capital político esgotou-se: a seis meses das eleições, dificilmente os deputados vão salvar o "tóxico" Temer da Justiça. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do DEM, há muito se dissociou de Temer e estuda as chances de conquistar o centro da política, vago desde o ocaso do PMDB.
Temer se aferra à candidatura, oficialmente, embora haja numerosos indícios de que o ministro da Fazenda Henrique Meirelles acabará sendo escolhido para concorrer à presidência pelo PMDB. Nas pesquisas de intenção de voto, contudo, ambos estão derrotados.
As coisas parecem melhores para o populista de direita Jair Bolsonaro e a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Correndo por fora, os dois candidatos de "ficha limpa" se beneficiam da crise existencial dos partidos estabelecidos. Mas não será fácil para eles explicar a seus eleitores que conseguirão governar sem o respaldo do establishment.
Quem tem mais chances é o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, que alguns dias atrás filiou-se surpreendentemente ao socialista PSB. O jurista negro tornado político é considerado justiceiro e linha-dura, e desde sua extraordinária atuação no Mensalão carrega a fama de "Batman brasileiro".
Em 2016 ele se pronunciou contra o impeachment de Dilma Rousseff. Caso Lula de fato não concorra, Barbosa estaria predestinado a unir atrás de si os partidos de esquerda. Nesse caso o "Batman" poderia se revelar um fator-surpresa no pleito de outubro.
----------------
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos noFacebook | Twitter | YouTube | WhatsApp | App
Ex-governantes na mira da Justiça
Réu em vários processos, condenado e preso, Lula faz parte de uma extensa galeria de antigos governantes acusados de corrupção que cumprem pena ou ainda batalham nos tribunais.
Foto: picture-alliance/AP-Photo/L. Correa
Park Geun-hye (Coreia do Sul)
Presidente entre 2013 e 2016, Park sofreu impeachment por realizar tráfico de influência. Em seguida, foi acusada de desviar milhões de dólares de fundos de serviços de inteligência do país para compras extravagantes, além de pedir propina a grandes empresas sul-coreanas, como a Samsung. Em 2018, foi condenada a 25 anos de prisão.
Foto: picture-alliance/AP Photo/K. Hong-Ji
O quinteto peruano
O ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000) foi preso em 2005 por crimes diversos, e quatro sucessores se viram ligados à Odebrecht: Alejandro Toledo (2001-2006) teve prisão decretada em 2017 e está nos EUA; Alan Gárcia (2006-2011), investigado, se matou em 2019; Ollanta Humala (2011-2016), preso em 2017, foi solto no ano seguinte; e Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018) está em prisão domiciliar.
Foto: Getty Images/AFP/P. Ji-Hwan/C. Bournocle/T. Charlier/ J. Razuri
Ricardo Martinelli (Panamá)
Presidente de 2009 a 2014, Martinelli foi preso em Miami em 2017 e extraditado a seu país no ano seguinte, onde era acusado de operar esquema ilegal de espionagem de adversários políticos durante seu governo e de receber subornos da empreiteira brasileira Odebrecht. O acordo de extradição exigiu que ele fosse julgado apenas pelo delito de espionagem, pelo qual foi absolvido em agosto de 2019.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Martínez
Carlos Menem (Argentina)
Presidente entre 1989 e 1999, o extravagante Menem foi mantido preso durante cinco meses em 2001 por envolvimento em um escândalo de venda ilegal de armas para a Croácia. Em 2013, foi condenado a sete de anos de prisão pelo caso. Em 2015, voltou a ser condenado por corrupção envolvendo o pagamento de propinas a servidores públicos. Por enquanto, um mandato no Senado lhe mantém fora da cadeia.
Foto: picture-alliance /dpa/S. Goya
Jacob Zuma (África do Sul)
Presidente entre 2009 e fevereiro de 2018, Zuma enfrenta pelo menos 18 acusações de corrupção, extorsão, fraude e lavagem de dinheiro. No dia 6 de abril de 2018, compareceu a um tribunal para prestar depoimento em um processo que o acusa de receber subornos na venda de armamento para o governo.
Foto: Reuters/S. Sibeko
Nicolas Sarkozy (França)
Presidente entre 2007 e 2012, Sarkozy enfrenta acusações de corrupção e financiamento ilegal de campanha. Em 2014, foi detido para prestar depoimento em caso de tráfico de influência envolvendo promessas a um juiz em troca de informações sobre processos. Em março de 2018, foi novamente detido para interrogatório, desta vez por suposta doação ilegal feita pelo antigo ditador líbio Muammar Kadhafi.
Foto: REUTERS
Um trio guatemalteco
O ex-presidente da Guatemala Alfonso Portillo (2000-2004) foi preso em 2010 por receber subornos do governo de Taiwan, e solto em 2015. Alvaro Colom (2008-2012) foi preso em março de 2018 por fraudes no sistema de ônibus da capital e solto cinco meses depois. Otto Pérez Molina (2012-2015) foi detido um dia após renunciar por fraude em esquema de importações e seguia preso até outubro de 2019.
Foto: AP
José Sócrates (Portugal)
Primeiro-ministro entre 2005 e 2011, Sócrates foi preso em novembro de 2014 por suspeita de corrupção, evasão fiscal e lavagem de dinheiro. Segundo a Justiça, Sócrates beneficiou grupos empresariais enquanto esteve no poder e em troca recebeu 24 milhões de euros. Permaneceu na cadeia até setembro de 2015, quando passou para a prisão domiciliar. Em outubro de 2017, foi denunciado por 31 crimes.
Foto: Reuters
Ehud Olmert (Israel)
Premiê entre abril de 2006 e março de 2009, Olmert foi condenado em 2014 por aceitar subornos de construtoras quando era prefeito de Jerusalém. Nos meses seguintes, foi condenado em outros processos. Começou a cumprir pena em fevereiro de 2016 e deixou a prisão 16 meses depois, em liberdade condicional. Ele ainda aguarda o resultado de recursos.
Foto: Getty Images/AFP/G. Tibbon
Svetozar Marovic (Sérvia e Montenegro)
Presidente entre 2003 e 2006 da extinta Comunidade da Sérvia e Montenegro, Marovic foi preso em 2015 por envolvimento em uma rede de corrupção na administração da cidade de Budva. Em 2016, foi condenado a três anos e dez meses de cadeia por um tribunal de Montenegro. É considerado foragido pela Justiça. Vive hoje na vizinha Sérvia e é alvo de um pedido de extradição.
Foto: picture-alliance/AP Photo/D. Vojinovic
Ivo Sanader (Croácia)
Primeiro-ministro entre 2003 e 2009, Sanader foi acusado de receber suborno durante a negociação de empréstimo com um banco austríaco. Fugiu da Croácia em 2010. Extraditado em 2011, foi condenado a dez anos de prisão. Foi solto em 2015, após sua condenação ser anulada. Ainda enfrenta outras investigações e em 2017 voltou a ser condenado a quatro anos e meio de prisão por outro caso de corrupção.
Foto: AFP/Getty Images
Khaleda Zia (Bangladesh)
Primeira-ministra entre 1991 e 1996 e novamente entre 2001 e 2006, Khaleda Zia foi presa em fevereiro de 2018 após ser condenada a 17 anos de cadeia por corrupção e desvio de doações internacionais destinadas a um orfanato. Sua defesa afirma que as acusações têm motivação política.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Photo/A. M. Ahad
Vlad Filat (Moldávia)
Primeiro-ministro da Moldávia entre 2009 e 2013, Filat foi acusado de embolsar mais de 200 milhões de euros em um esquema de fraude bancária. Durante seu governo, três bancos do país concederam 1 bilhão de euros em empréstimos para empresas de fachada, lesando milhares de correntistas. Foi preso em 2015 e no ano seguinte foi condenado a nove anos de prisão por corrupção e abuso de poder.
Foto: picture-alliance/dpa
Fernando Collor (Brasil)
Em agosto de 2017, o ex-presidente Collor (1990-1992) se tornou réu por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa no âmbito da Lava Jato, acusado de cobrar propina em negócios envolvendo a BR Distribuidora. Em maio de 2019, foi denunciado também por peculato. Collor é senador e seus processos correm no Supremo Tribunal Federal.
Foto: picture-alliance/dpa/C. Gomes
Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil)
Em janeiro de 2018, o ex-presidente Lula (2003-2010) foi condenado em 2ª instância por corrupção e lavagem de dinheiro, no âmbito da Lava Jato, acusado de receber como suborno um apartamento no Guarujá. Detido em abril de 2018, ele já teria direito a ir ao regime semiaberto, mas segue preso. Em fevereiro de 2019, foi condenado em 1ª instância, desta vez envolvendo reformas num sítio em Atibaia.