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O Brasil despertou para o racismo?

1 de janeiro de 2021

Em meio à pandemia, país acordou para crimes raciais. Ainda que em 2020 tenha havido avanços tímidos sobre a causa, tragédias rotineiras conquistaram repercussão inédita, colocando o debate no centro da sociedade.

Protesto em São Paulo, em julho, contra o racismo no Brasil
Protesto em São Paulo, em julho, contra o racismo no BrasilFoto: Getty Images/V. Moriyama

O Brasil viu dobrar o número de mortos pela pandemia no país em junho deste ano. A gravidade da crise sanitária se fez evidente e deixou pouco espaço para temas menos urgentes no debate público. Nesse delicado cenário, a morte de George Floyd pela polícia nos Estados Unidos fez o Brasil debater seu racismo e colocou o movimento negro em evidência inédita no ano de 2020.

Após o assassinato de Floyd, em 25 de maio, protestos se multiplicaram em diferentes cidades brasileiras. Os manifestantes repudiavam a morte de um homem negro por sufocamento nos EUA e chamavam atenção para a situação brasileira, sobretudo o viés racista apontado na violência policial.

A participação em protestos durante a quarentena motivou intensas discussões públicas e colocou em lados opostos os rappers Emicida e Djonga, dois símbolos da cultura negra contemporânea. O dilema de aderir ou não às manifestações explicitou divergências, mas se mostraria pequeno perto do questionamento ao racismo no Brasil.

"Ao que tudo indica, houve um despertar para a questão do racismo estrutural, que ganhou notoriedade inclusive na mídia, a qual negou durante muito tempo a presença do racismo e suavizou suas formas de opressão. Sem dúvida alguma, é um ano que merece destaque”, avalia a historiadora Ynaê Santos.

Tragédias cotidianas em evidência

Com a opinião pública mais sensível ao tema, tragédias rotineiras do Brasil conquistaram repercussão inédita. Ainda no mês de junho, o país tomou conhecimento do assassinato do menino João Pedro Mattos, de 14 anos, morto a tiros dentro de casa na região metropolitana do Rio de Janeiro durante uma operação policial.

Ele se tornou a quarta criança morta pela polícia no estado do Rio num período de 12 meses. Embora a letalidade policial e seu viés racista sejam denunciados há vários anos no país, pela primeira vez o Supremo Tribunal Federal decidiu agir diretamente sobre o tema.

O ministro Edson Fachin proibiu a realização de operações policiais em favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia, em decisão proferida no dia 5 de junho. Após as mortes provocadas por intervenção policial atingirem o maior patamar dos últimos seis meses, Fachin pediu explicações ao governador do Rio em novembro.

Ainda no emblemático mês de junho, outra tragédia faria o país se defrontar novamente com as permanências de seu passado escravocrata. Na cidade do Recife, em Pernambuco, o menino Miguel Otávio Santana da Silva, de cinco anos, morreu após cair do nono andar no fosso do elevador do prédio onde a mãe trabalhava como empregada doméstica.

Ela havia saído para passear a cadela da família e deixou o filho sob os cuidados da patroa, Sarí Corte Real. No dia da morte de Miguel, Sarí foi levada para a delegacia e chegou a ser presa em flagrante, mas pagou fiança de R$ 20 mil e responde ao processo em liberdade.

A pandemia também deixou claro o abismo racial no Brasil. Em São Paulo, por exemplo, como noticiou o jornal Folha de S. Paulo, a mortalidade do coronavírus é 60% maior entre negros.

Para a historiadora Ynaê Santos, o Brasil está muito longe de qualquer tipo de solução para o problema racial brasileiro. Todavia, ela ressalta que 2020 foi importante por trazer o racismo à baila.

"Em alguns aspectos, o avanço me parece muito mais no campo do discurso do que das práticas efetivas. As pessoas começam a ler sobre a questão, entender e olhar para o aspecto racial do Brasil, mas a gente continua tendo uma série de situações absolutamente violentas, provocadas pelo racismo. E vai continuar tendo, infelizmente", diz.

Mulheres negras eleitas

A força conquistada pelo movimento negro se materializou nas eleições municipais de 2020, quando candidaturas negras, sobretudo de mulheres, conquistaram espaços inéditos em câmaras municipais Brasil afora.

"Parecia um muro intransponível”, afirmou em entrevista à DW Brasil a educadora Carol Dartora, primeira mulher negra eleita vereadora de Curitiba (PR), pelo PT. O fenômeno também foi observado em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e diversas outras cidades.

Não tardou para que a euforia da conquista de maior pluralidade nos parlamentos municipais fosse contida. Primeiramente, devido às ameaças e injúrias direcionadas a candidatas eleitas. "Agora só falta a gente matar ela e entrar o suplente que é branco”, dizia um post publicado no Twitter com referência à professora Ana Lúcia Martins, primeira vereadora negra eleita em Joinville (SC).

Apenas cinco dias após as eleições, no dia 20 de novembro, quando é celebrado o feriado da Consciência Negra, um homem negro morreu após ser sufocado por seguranças de um supermercado da rede Carrefour em Porto Alegre (RS).

O cientista político Luiz Augusto Campos, pesquisador do Iesp, destaca os avanços institucionais conquistados pelo movimento negro nos últimos anos, sobretudo a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que aprovou, em agosto, a destinação proporcional do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral para candidaturas negras. No entanto, ele considera as conquistas eleitorais de 2020 ainda tímidas.

"A representação de negros e negras cresceu, mas de modo desigual e ainda muito aquém de um mínimo razoável. Dentre os distintos grupos, o de mulheres negras é o que mais avançou nas eleições legislativas (23%). Mas o patamar de partida é muito baixo e, portanto, as mulheres negras permanecem sendo as mais sub-representadas em comparação aos outros grupos", comenta.

A leitura é partilhada por Ynaê Santos. A historiadora ressalta que as cidades brasileiras continuam sendo administradas por homens brancos, em sua maioria vindos da elite econômica do país.

"Sobretudo no poder Executivo, vemos a manutenção do status quo brasileiro, do racismo como estrutura. De um lado, houve essa exigência por uma representatividade maior na política, o que efetivamente se expressou na eleição de homens e mulheres negros, ainda que timidamente. Ao mesmo tempo, a estrutura política brasileira deixa muito evidente que este é o quinhão que cabe à população negra", constata.

 

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