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O Brasil escolhe Jair Bolsonaro

29 de outubro de 2018

Vitória de ex-capitão defensor do regime militar marca volta da extrema direita brasileira ao poder e sucesso de campanha antissistema com estrutura heterodoxa. Resultado também é novo fracasso para ex-presidente Lula.

Partidários de Bolsonaro comemoram vitória no Rio de Janeiro
Partidários de Bolsonaro comemoram vitória no Rio de JaneiroFoto: picture-alliance/dpa/L.Correa

Após quatro anos de crise política e econômica, casos rumorosos de corrupção e uma campanha tensa que demoliu antigos padrões eleitorais, os brasileiros elegeram neste domingo (28/10) um militar reformado de extrema direita para o cargo máximo do país. Jair Bolsonaro (PSL), um deputado que por mais de duas décadas foi considerado um pária no mundo político brasileiro, mas que soube aproveitar o sentimento antissistema e antipetista de parte do eleitorado, foi eleito presidente com 55,13% dos votos válidos. Seu adversário, o petista Fernando Haddad, que substituiu o ex-presidente Lula ao longo da campanha, recebeu 44,87%.

O resultado representa um terremoto nos padrões de campanha no Brasil, explicita mais uma vez as divisões do país e deve abrir um novo período de incerteza. Nunca desde a redemocratização um candidato que expressa ideias autoritárias como Bolsonaro havia chegado tão longe. Ao longo da campanha, ele prometeu aniquilar e exilar adversários e perseguir a imprensa, além de promover temas controversos como a facilitação do acesso a armas de fogo, o aumento da violência policial e a militarização da educação e de vários setores do governo.  

Em seu discurso de vitória, Bolsonaro ignorou o seu adversário no segundo turno, e preferiu falar de Deus e em "quebrar paradigmas". Ele prometeu governar "seguindo os ensinamentos de Deus ao lado da Constituição". "Não poderíamos mais continuar flertando com o socialismo, com o comunismo e com o populismo, e com o extremismo da esquerda", completou. Em frente à casa do presidente eleito, centenas de apoiadores se reuniram para celebrar a vitória e entoar coros antipetistas. 

Líder nas pesquisas desde que Lula teve a candidatura barrada pela Justiça Eleitoral, Bolsonaro, de 63 anos, contrariou as expectativas de que seria incapaz de manter a liderança. Ele conduziu uma campanha improvisada, sem tantos recursos como seus principais adversários e sem estrutura partidária – sua arrecadação oficial foi de apenas 2,5 milhões de reais. 

Sua ascensão a partir de 2017 foi completamente subestimada pelas forças políticas tradicionais, que chegaram a expressar o desejo de tê-lo como adversário, acreditando que seu radicalismo e o certo amadorismo de sua campanha seriam facilmente rejeitados pela maior parte do eleitorado em um confronto direto. Até setembro deste ano, era o futuro eleitoral de Lula que ainda monopolizava as atenções.

Mas, alimentado sobretudo pelo crescente antipetismo e desprezo de parte do eleitorado aos políticos tradicionais e compensando sua falta de recursos com forte presença nas redes sociais, Bolsonaro continuou a crescer. Ele não adotou nenhuma tática mais moderada, preferindo explorar a retórica do confronto e apostando em declarações ultrajantes e de ódio aos adversários, que muitas vezes flertavam com a violência política. 

O próprio presidente eleito chegou a ser vítima de um episódio de violência ao longo da campanha e por pouco não morreu. Atingido por um ataque a faca, Bolsonaro permaneceu a maior parte da campanha afastado de atos públicos. Primeiro, transformou o hospital em quartel-general da campanha. Depois, passou a comandar a candidatura de casa. 

O ataque não diminuiu a retórica do candidato, que continuou a apostar nas táticas agressivas, mesclando ainda populismo e nacionalismo. Nas redes sociais, compensou o tom vago das suas propostas com uma verdadeira indústria de ataques aos adversários, que na maioria das vezes promoviam mentiras grosseiras e boatos. Essa "tempestade perfeita" que levou Bolsonaro ao poder também escondeu as próprias contradições do candidato, uma voz que pregava um discurso antissistema, mas que era um político profissional com 28 anos na Câmara e que criou uma verdadeira dinastia política, um defensor do Exército que cometeu atos de indisciplina e deslealdade contra a instituição nos anos 1980.     

Ao longo da campanha, ele também expressou desprezo pelos mecanismos tradicionais de discussão política. Se recusou a comparecer a debates e passou a conceder entrevistas para veículos que simpatizavam com sua candidatura. Também alimentou boatos sobre a legitimidade do processo eleitoral, como a segurança das urnas eletrônicas e a legitimidade das pesquisas eleitorais. Em dado momento da campanha, chegou a afirmar que não reconheceria o resultado caso fosse derrotado. 

No primeiro turno, menos de quatro pontos percentuais o separaram da vitória. Apesar da sua visão política e da sua antiga condição de deputado pouco influente, passou a receber apoios de grupos políticos que antes se mantinham distantes, saindo do gueto de apoiadores de pouca expressão. No segundo turno, foi escolhido como o candidato de bancadas influentes da Câmara e de vários governadores. 

Foto: .

Também se tornou com o tempo o candidato favorito do mercado, antes alinhado com Geraldo Alckmin (PSDB). Foi apenas na área econômica que Bolsonaro fez alguma tentativa de "normalização". Passou a promover o economista ultraliberal Paulo Guedes como seu homem de confiança na área. Apesar do tom vago das propostas para a economia, representantes da indústria e do setor financeiro passaram a considerar a opção Bolsonaro menos maléfica do que a candidatura do PT. 

A vitória de Bolsonaro neste domingo também marca a volta da direita radical ao poder no Brasil. Defensor do regime militar (1964-1985), Bolsonaro já defendeu a tortura e o assassinato de militantes durante o período. Passando para a posição de chefe de Estado, ele deve garantir um protagonismo ainda maior de atuais e antigos membros das Forças Armadas. Diversos generais são cotados para assumir ministérios e seu vice também é um militar reformado. 

Ainda no primeiro turno, sua popularidade já havia impulsionado o seu partido, o então nanico PSL, que se viu catapultado para a posição de segunda maior bancada da Câmara, com 52 deputados, vários deles ex-militares como o presidente eleito. Com Bolsonaro na Presidência, a expectativa é que o partido cresça ainda mais e se torne a maior bancada da Casa. A entrada no Palácio do Planalto também deve aumentar a influência da sua família. Seu núcleo decisório é formado por parentes, contrastando com os últimos presidentes, que tinham colegas de partido ou amigos como as figuras mais próximas. Seus três filhos, um deputado federal, um senador eleito e um vereador, foram seus principais auxiliares na campanha. É certo que eles vão ter voz ativa no governo. 

No governo, Bolsonaro também já sinalizou que deve ter um relacionamento turbulento com a imprensa. Ao longo da campanha, ele atacou a Rede Globo e o jornal Folha de S. Paulo. Também se recusou a conceder entrevistas a diversos veículos. Seu apoiadores promoveram "linchamentos virtuais" de jornalistas que publicaram reportagens investigativas sobre suspeitas que envolveram a campanha do PSL.

O resultado também marca mais uma derrota para os partidos tradicionais do Brasil, que haviam sido atingidos em cheio pela Operação Lava Jato. No primeiro turno, a onda bolsonarista já havia arrasado siglas como MDB e PSDB e quebrado a velha polarização entre tucanos e petistas na disputa presidencial. Já a vitória deste domingo quebra uma sequência de 16 anos de vitórias consecutivas do PT na disputa pela Presidência. A derrota dos petistas também marca mais um fracasso de Lula, que permanece preso e havia mesclado suas tentativas de sair da prisão com a estratégia do partido na eleição presidencial. 

Nos últimos dois anos, o PT permaneceu agarrado à ideia de que controverso processo de impeachment contra Dilma Rousseff havia sido um "golpe" e apostou que a impopularidade e o marasmo do governo do presidente Michel Temer e de seus aliados seriam convertidos em novos votos para o PT. Os petistas também tentaram transformar o pleito em uma espécie de referendo sobre o legado do ex-presidente e dos anos do PT no governo. No processo, acabaram alimentando animosidade com outros representantes da esquerda, como Ciro Gomes (PDT), que se recursou a declarar seu apoio pessoal a Haddad.  

No final, foi Bolsonaro o principal herdeiro do crescente sentimento antissistema entre o eleitorado que ganhou ainda mais força com a paralisação do governo Temer e que no primeiro turno já havia punido diversas figuras conhecidas da política. A vitimização de Lula também não rendeu o resultado esperado pelos petistas.

Após a derrota, Haddad afirmou que os brasileiros não devem ter medo e prometeu organizar a oposição ao governo Bolsonaro. "Nós estaremos aqui. Nós estamos juntos", disse. "Contem conosco. Coragem, a vida é feita de coragem. Viva o Brasil". Haddad também não ligou para Bolsonaro para parabenizá-lo pela vitória.

O resultado explicitou mais uma vez divisões regionais entre o eleitorado brasileiro. Como ocorreu no primeiro turno, Haddad venceu no Nordeste, região que concentra o maior índice de pobreza do país. Ele também ficou à frente no Pará e no Tocantins, mas não venceu em nenhum estado das regiões Sul, Centro-Oeste e Sudeste. Já Bolsonaro não venceu em nenhum estado nordestino. Seu melhor desempenho foi em alguns dos estados mais ricos do Brasil, como Santa Catarina (75,92%) e o Distrito Federal (69,99%), além de ter vencido em São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

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