O Brasil está mudando de posição sobre a Venezuela?
Jean-Philip Struck6 de janeiro de 2016
Diplomacia brasileira parece estar adotando tom mais duro, após anos entre a neutralidade e o apoio velado ao governo chavista. Possibilidade de um esfriamento nas relações bilaterais divide analistas.
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Após insistir durante anos em um comportamento que variava entre a neutralidade e o apoio velado, o governo brasileiro parece estar começando a adotar um tom mais duro em relação ao governo chavista da Venezuela.
Em nota divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores na terça-feira (05/10), o Brasil advertiu que o presidente Nicolás Maduro deve respeitar o resultado das eleições parlamentares venezuelanas que ocorreram em dezembro, na qual a oposição conquistou maioria na Assembleia Nacional.
"Não há lugar, na América do Sul do século 21, para soluções políticas fora da institucionalidade e do mais absoluto respeito à democracia e ao Estado de Direito", disse o governo brasileiro na nota.
O documento foi divulgado pouco depois da posse dos novos deputados, que foi marcada por momentos de tensão quando policiais tentaram impedir a entrada de um grupo de 20 parlamentares oposicionistas na Assembleia. Um dos deputados afirmou que foi agredido por um policial. A posse também ocorreu após o Judiciário venezuelano, controlado pelos chavistas, ter impugnado de maneira controversa a candidatura de três opositores – o que tirou a maioria de 2/3 da Assembleia que o bloco antichavista havia conquistado.
Na mesma nota, o governo brasileiro afirmou que “confia, igualmente, que serão preservadas e respeitadas as atribuições e prerrogativas constitucionais da nova Assembleia Nacional venezuelana e de seus membros, eleitos naquele pleito".
Para o professor de relações internacionais Oliver Stuenkel, da Fundação Getúlio Vargas, o tom da nota foi provavelmente o mais duro já emitido com relação ao governo da Venezuela. “No sentido diplomático, não se tem notícia até hoje de uma nota assim do governo brasileiro para Caracas”, afirma.
Maior pragmatismo
No fim de novembro, o governo brasileiro já havia divulgado uma nota comentando a morte de Luis Manuel Díaz, dirigente do partido Ação Democrática (AD), durante um comício eleitoral no Estado de Guárico.
A oposição venezuelana responsabilizou o governo pelo crime. À época, o Itamaraty afirmou que era “da responsabilidade das autoridades venezuelanas zelar” para que o processo eleitoral que (...) transcorresse de “forma limpa e pacífica”, mas encerrou o texto de maneira mais conciliadora do que na nota divulgada na terça-feira.
Em dezembro, no entanto, o governo Dilma Rousseff saudou as declarações de Maduro de que os chavistas iriam respeitar o resultado das urnas. Mas a posição brasileira foi posta à prova conforme o governo bolivariano começou a tomar medidas para sabotar o resultado do pleito, como o esvaziamento dos poderes da Assembleia por meio de decretos e o relançamento de um velho projeto de um Parlamento Comunal, que oposicionistas acusam de ser uma tentativa de criação de um poder paralelo.
Semanas depois, o Brasil, sob pressão do Paraguai e do Uruguai, concordou em incluir no documento da última reunião de cúpula do Mercosul uma proposta para a criação de uma comissão para monitoramento da questão dos direitos humanos no bloco. O plano desagradava à Venezuela, que já foi condenada seguidas vezes por violações em um órgão similar da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Para Oliver Stuenkel, os recentes acontecimentos na Venezuela devem provocar uma mudança na maneira com que o Brasil lida com Maduro: “O Brasil está endurecendo. Havia um alinhamento quase ideológico com a Venezuela, mas o Brasil também observa que tem muitos investimentos no país vizinho, e que as medidas de Maduro estão desestabilizando o Estado e que a situação pode resultar em alto risco de violência. O Brasil está passando a adotar uma posição mais pragmática.”
Custo político
Para Stuenkel, a posição brasileira de anuência em relação ao regime chavista também se complicou com a mudança de posicionamento da Argentina, que, após a eleição de Mauricio Macri para a Presidência, passou a criticar Maduro.
“O custo político de apoiar a Venezuela está ficando muito caro. Se a situação na Venezuela ficar mais violenta, a liderança regional do Brasil vai ser questionada e vista como um fracasso. O Brasil vai acabar ficando isolado na sua posição. O governo está começando a ver isso, e também avalia que é possível que numa eventual queda de Maduro tenha que lidar com os oposicionistas, que ainda se ressentem do apoio que o Brasil concedeu para Chávez e Maduro nos últimos anos”.
Já Thiago Gehre Galvão, professor-adjunto do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), afirma que a posição brasileira não deve se modificar num futuro tão próximo.
“O Brasil não vai ter uma posição mais contundente. O país vê a Venezuela como um parceiro estratégico. Não seria negócio criar atritos com o país vizinho. Mesmo a Argentina, apesar de ter adotado um tom mais duro, não está tomando medidas eficazes para isolar a Venezuela”, afirma. “É precipitado superinterpretar a nota do Itamaraty.”
O professor Pio Penna, também da UnB, é mais cauteloso ao avaliar se a posição brasileira vai permanecer a mesma ou vai se modificar. “A nota do Itamaraty sinaliza uma mudança, mas é melhor esperar se ela efetivamente vai se sustentar. Existem dois serviços diplomáticos no Brasil, o Itamaraty, que faz uma política voltada para o continente, e outro paralelo, coordenado pelo assessor Marco Aurélio Garcia, que funciona mais em termos de alinhamento ideológico. É difícil avaliar como esses dois vão se comportar, mas é um fato que o Brasil está sob pressão para se posicionar de maneira mais dura com relação à Venezuela. Eu prefiro ser cauteloso. Ainda é muito cedo”, opina.
Stuenkel, no entanto, acredita que a nota do Itamaraty é só um sinal do que está por vir. “Na última reunião de cúpula do Mercosul, a Argentina ameaçou invocar a cláusula democrática do bloco para punir a Venezuela por violações de direitos humanos, mas depois retrocedeu. Com as seguidas interferências de Maduro no resultado eleitoral, o assunto deverá voltar à pauta na próxima reunião. Se o governo venezuelano continuar agindo assim, o Brasil não terá escolha, a não ser apoiar uma eventual iniciativa argentina”, afirma.
Altos e baixos da trajetória política de Dilma Rousseff
Ela foi a primeira mulher a ocupar a Presidência da República. Antes disso, lutou contra a ditadura militar e foi ministra de Lula. Eleita, o adversário passou a ser a crise econômica e a pressão pelo impeachment.
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Contra a ditadura
Dilma Rousseff começou a vida política ainda jovem. No final dos anos 60, integrou organizações de combate à ditadura, até ser presa em janeiro de 1970 e torturada por mais de 20 dias. Quando deixou a prisão, no final de 1972, abandonou a luta armada e se mudou para o Rio Grande do Sul – onde se formou em Economia e ajudou a fundar o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Foto: AP/Arquivo Público do Estado de São Paulo
Ao lado de Lula
Dilma se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT) em 2001, enquanto era secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, foi nomeada ministra de Minas e Energia. Em 2005, ela assumiu a chefia da Casa Civil no lugar de José Dirceu, após o escândalo do mensalão. A mudança marcou o início de uma reforma ministerial em meio à crise política.
Foto: Ricardo Stuckert/PR
"Ministra linha dura"
Enquanto era ministra-chefe da Casa Civil, Dilma anunciou a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007 – que acabou não se desenvolvento tanto quanto o esperado –, e assumiu a direção de iniciativas como o programa Minha Casa, Minha Vida. Em 2009, apresentou o marco regulatório do pré-sal, definindo as regras para a exploração das recém-descobertas reservas de petróleo.
Foto: A. Nascimento/ABr
Luta contra o câncer
Em abril de 2009, a então ministra foi diagnosticada com câncer linfático. Após cirurgia para retirada do tumor e meses de radioterapia, Dilma anunciou estar curada em setembro do mesmo ano, já como pré-candidata do PT à sucessão de Lula. Na ocasião, falou à DW sobre o câncer: "Se você se desarmar diante da doença, ela vence. Mas, se não, percebe que a vida não acabou e que pode até ficar melhor".
Foto: AP
De coadjuvante a presidente
Em outubro de 2010, Dilma deixou se der coadjuvante no cenário político para se tornar sucessora das políticas do ex-presidente. Contra o tucano José Serra no segundo turno, ganhou a disputa com cerca de 55 milhões de votos válidos, e se tornou a primeira presidente mulher da história brasileira. Dilma assumiu o posto em 1º de janeiro de 2011.
Foto: AFP/Getty Images/Evaristo Sa
Primeiro discurso na ONU
"Pela primeira vez, na história das Nações Unidas, uma voz feminina inaugura o debate geral. É a voz da democracia e da igualdade se ampliando nesta tribuna", disse Dilma na abertura da 66ª Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2011. Em seu discurso, exaltou o papel feminino na sociedade e na política, lamentou a ausência palestina e defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU.
Foto: picture-alliance/dpa
Demissão de ministros
Dos 39 ministros que integravam a equipe da presidente eleita, oito deixaram seus cargos nos primeiros 14 meses de mandato, após escândalos deflagrados principalmente pela imprensa. Sete deles vinham do governo Lula, com exceção do ministro do Turismo, Pedro Novais. Dos oito que caíram, apenas Nelson Jobim, então ministro da Defesa, não estava envolvido em denúncias de corrupção.
Foto: AP
Inclusão social
Ao longo do primeiro mandato, Dilma deu continuidade a programas sociais do governo Lula, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, e realizou o leilão do Campo de Libra, no pré-sal, destinando recursos para educação e saúde. Novos programas também foram criados, como Pronatec e Mais Médicos, este último alvo de duras críticas das entidades médicas, que responderam com protestos e paralisações.
Foto: picture alliance/AE
Corrupção na Petrobras
Em março de 2014, a Polícia Federal deflagou a Operação Lava Jato, que investiga um megaesquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e dezenas de políticos – entre eles, os ex-ministros Edison Lobão e Antonio Palocci. O escândalo na estatal serviu de munição aos candidatos de oposição contra Dilma durante a campanha eleitoral daquele ano.
Foto: AFP/Getty Images/K. Betancur
Eleições acirradas
Dilma foi reeleita presidente em 26 de outubro de 2014, com 54,5 milhões de votos no segundo turno. Foi uma das eleições mais disputadas da história, com diferença de apenas 3,5 milhões de votos para o segundo colocado, Aécio Neves (PSDB). A campanha eleitoral foi marcada por ataques, escândalos e a morte de um dos presidenciáveis, Eduardo Campos (PSB), substituído por Marina Silva.
Foto: picture-alliance/dpa/Sebastião Moreira
Protestos e reprovação recorde
As manifestações de junho de 2013 apenas respingaram em Dilma. Em 2015, por outro lado, centenas de milhares de pessoas foram às ruas em todo Brasil para protestar especificamente contra o governo da presidente e os escândalos de corrupção. A gestão Dilma Rousseff, que chegou a ser aprovada por 73% dos brasileiros em pesquisa de 2011, viu essa taxa cair para 8% quatro anos mais tarde.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Orçamento com déficit
Em agosto de 2015, em guerra com o Congresso, o governo apresentou uma proposta de Orçamento para 2016 com previsão de déficit de 30,5 bilhões de reais, algo inédito. A decisão levou a agência de classificação de risco Standard & Poor's a retirar o grau de investimento do Brasil. Duas semanas depois, o governo anunciou o ajuste fiscal, aprovado pelo Congresso somente em dezembro.
Foto: picture-alliance/epa/F. Bizerra jr.
Pedaladas fiscais
No início de outubro, o Tribunal de Contas da União recomendou a rejeição das contas de 2014 do governo, devido às chamadas "pedaladas fiscais". A decisão é usada pela oposição para fundamentar um pedido de impeachment. Para reduzir despesas, Dilma anunciou o corte de oito ministérios, a extinção de 30 secretarias em todas as pastas e a redução em 10% do salário dos ministros e do seu próprio.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Cunha: peça-chave do jogo político
Apesar de ser membro do PMDB, partido da base aliada, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, rompeu com o governo quando passou a ser investigado no escândalo da Petrobras. Em meio a denúncias de corrupção e ao aumento da pressão pela cassação de seu mandato, Cunha autorizou, em dezembro, o pedido de abertura de um processo de impeachment de Dilma. "Não me cabia outra decisão", afirmou ele.
Foto: reuters
Afastamento da presidência
Após cinco meses de debates acalorados e prolongadas sessões no Congresso – incluindo uma votação tumultuada na Câmara –, o processo de impeachment tem sua abertura aprovada pelo Senado em 12/05, marcando o ápice da mais grave crise política brasileira dos últimos tempos. Com isso, Dilma foi afastada da presidência por até 180 dias, enquanto enfrentaria julgamento por crime de responsabilidade.
Foto: Reuters/A. Machado
O impeachment
A etapa final do processo de impeachment – o julgamento no Senado – durou cinco dias, incluindo oitiva de testemunhas, a defesa pessoal de Dilma aos senadores e a votação final, que culminou no afastamento definitivo da petista da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis à cassação, ante 20 contrários. O Senado, porém, decidiu por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.
Foto: Reuters/J. Marcelino
Discurso de despedida
"É o segundo golpe de estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo", disse Dilma, ao se despedir do cargo, em 31 de agosto de 2016.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Tentativa de se eleger ao Senado
Com os direitos políticos mantidos após o impeachment, Dilma concorreu ao Senado por Minas Gerais nas eleições de 2018. Ela recebeu 15,29% dos votos válidos, número insuficiente para se eleger, ficando em quarto lugar.
Foto: Reuters/W. Alves
Volta ao Congresso após o impeachment
Três anos após seu afastamento do cargo, voltou pela primeira vez ao Congresso em 4 de setembro de 2019, para o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, que tem entre as principais bandeiras a luta contra as privatizações de estatais.