Episódio sobre golpe de 64 reforça temores de que Bolsonaro não trata dos problemas do país, diz jornal. Outro diário alerta que retomada econômica depende do presidente brasileiro.
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Handelsblatt – "O imprevisível", 28/03/2019
Desde 1° de janeiro, Bolsonaro governa o Brasil – ou melhor: ele deveria governar. É que o populista de direita se ocupa bem pouco dos reais negócios do governo, que parecem não interessá-lo. Diante da elite econômica internacional em Davos, ele não discursou nem por seis minutos. Estavam previstos 45 minutos. Muitos no Brasil pensam: "ainda bem". É que, quando Bolsonaro se pronuncia com parcos conhecimentos sobre a futura reforma, difama o Carnaval com vídeos obscenos ou demite seu ministro da Secretaria-Geral da Presidência por pressão de seus filhos, os mercados financeiros ficam nervosos. Nas últimas semanas, o real se tornou uma das moedas mais voláteis dos países emergentes.
O nervosismo tem um bom motivo: investidores e empresários do mundo todo olham atentos para o Brasil atualmente – e para o experimento que o novo presidente quer fazer com suas dificuldades iniciais. O país da Amazônia não é somente, e de longe, a maior economia da América do Sul. O Brasil também é algo como um indicador prévio da saúde econômica de um continente inteiro. Se o Brasil escorregar de novo para a hiperinflação, a recessão e o isolamento econômico, ou se a eterna "esperança" da América do Sul finalmente poderá usar seu grande potencial, depende de Bolsonaro.
Frankfurter Allgemeine Zeitung – "Os probleminhas habituais de um regime", 29/03/2019
De fato, hoje em dia, a Venezuela é um exemplo muito mais ilustrativo de uma ditadura do que a que houve no Brasil entre 1964 e 1985 para muitos jovens brasileiros. Muitos deles conhecem a ditadura brasileira apenas dos livros de História ou das narrativas de seus pais. As declarações do presidente e do núcleo ideológico em seu governo, porém, têm como objetivo reprimir a palavra "ditadura" da compreensão dos brasileiros de sua história.
O golpe, que completa 55 anos a 31 de março, deve ser visto como "movimento necessário" para que o Brasil "não se tornasse uma ditadura", segundo disse o ministro das Relações Exteriores de Bolsonaro, Ernesto Araújo. Segundo a argumentação, o Exército defendeu os interesses da população na época e agiu constitucionalmente quando derrubou o então presidente João Goulart.
Os acontecimentos depois do golpe foram reconstruídos por uma Comissão da Verdade há alguns anos: mais de 430 assassinatos, tortura, perseguição sistemática e genocídios de indígenas entraram na conta da ditadura militar – segundo declarações de Bolsonaro, "probleminhas" habituais de um regime.
É verdade que Bolsonaro atualmente tem problemas maiores que a defesa da ditadura militar. Na última quarta-feira (27/03), o real teve queda tão vertiginosa que o Banco Central precisou intervir para escorá-lo. Um conflito entre o governo e o Congresso sobre a reforma da Previdência está dificultando a olhos vistos a aprovação dessa reorganização iminentemente necessária do ponto de vista econômico. O episódio envolvendo o aniversário do golpe reforça os temores no país de que o presidente Bolsonaro se detém com detalhes sem importância e guerras de trincheiras ideológicas, em vez de tratar dos verdadeiros problemas do país.
Die Tageszeitung – "Bolsonaro descobre a 'narrativa verdadeira' da obscura história do Brasil", 01/04/2019
Na sexta-feira (29/03), os democratas brasileiros pensaram que podiam respirar aliviados: a juíza Ivani Silva da Luz havia proibido as comemorações dos 55 anos do golpe militar. O desejo do presidente Jair Bolsonaro de lembrar os acontecimentos de 31 de março de 1964 por meio de determinação e sem referência aos aspectos autoritários e violações dos direitos humanos do golpe, lhe foi negado. (...)
Mas, apenas um dia depois, outra juíza, Maria do Carmo Cardoso, derrubou a liminar, argumentando que um Estado de Direito democrático tem como base o "pluralismo de ideais".
Com isso, o governo ultradireitista liderado pelo ex-militar Bolsonaro, que despreza a democracia, conseguiu novamente reforçar sua pretensão de fazer uma releitura de acontecimentos históricos e de romper o tabu em torno dos "anos de chumbo" da ditadura militar. Nos 21 anos do regime, mais de 400 oposicionistas foram mortos, milhares deles exilados ou torturados, como foi o caso da ex-presidente Dilma Roussef. (...)
A afirmação de que o golpe de 64 tenha impedido algo "pior", como tuitou a jornalista conservadora de direita e deputada Joice Hasselmann, é a tentativa de reescrever a história. Ou, como a própria Hasselmann escreve, "a retomada da narrativa verdadeira da nossa história". Combina com isso a alegação do ministro do Exterior, Ernesto Araújo, em que ele diz que o nacional-socialismo na Alemanha teria sido uma ideologia de esquerda. Nesse contexto, o governo brasileiro não rememora um período obscuro iniciado há 55 anos apenas em seu aniversário, mas o faz diariamente.
RK/ots
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Regime militar que sufocou a democracia se estendeu por 21 anos. Período foi marcado por perseguições, tortura, censura, crescimento e derrocada econômica.
Foto: Arquivo Nacional
A perseguição política
A perseguição de adversários se concentrou nos meses após o golpe de 1964 e entre o final da década de 60 e início dos anos 70. Mais de 5 mil pessoas foram alvo de punições como demissões, cassações e suspensão de direitos políticos. Ao todo, 166 deputados foram cassados. O regime também perseguiu membros em suas fileiras. Pelo menos 6.951 militares foram presos, desligados e presos.
Foto: Arquivo Nacional
Assassinatos e desaparecimentos
Assim como a perseguição política, os assassinatos de opositores promovidos pelo regime se concentraram em algumas fases da ditadura. Mas todos os generais-presidentes foram tolerantes com a prática. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) apontou a responsabilidade do regime militar pela morte de 224 pessoas e pelo desaparecimento de 210 – 228 delas morreram durante o governo Médici (1969-1974).
Foto: Arquivo Nacional
Tortura
Na ditadura, a tortura virou uma prática de Estado. Já no governo Castelo Branco (1964-1967) foram apresentadas 363 denúncias de tortura. Na fase de Médici (1969-1974), seriam mais de 3.500. O relatório "Brasil: Nunca Mais" lista 283 formas de tortura aplicadas pelo regime, como afogamentos, choques elétricos e o pau de arara. Ao longo de 21 anos, houve mais de 6 mil denúncias de tortura.
Foto: Arquivo Nacional
A luta armada
Ao dar o golpe, os militares citaram a corrupção e o esquerdismo do governo Jango. A luta armada, às vezes apontada como razão de ser da ditadura, nem foi mencionada. Só em 1966 ocorreram as primeiras ações relevantes de grupos de esquerda, que cometeriam atentados e assaltos com o objetivo de promover uma revolução. Em 1974, todos já haviam sido aniquilados, mas a ditadura duraria mais uma década
Foto: Arquivo Nacional
Os atos institucionais
O regime militar recorreu a uma série de decretos chamados atos institucionais para manter seu poder. Entre 1964 e 1969 foram promulgados 17 atos, que estavam acima até da Constituição. Alguns promoveram a cassação de adversários (AI-1) e a extinção dos partidos políticos existentes (AI-2). O mais duro deles, o AI-5, instituiu em 1968 a censura prévia na imprensa e a suspensão do "habeas corpus".
Foto: Arquivo Nacional
A censura
Boa parte da imprensa apoiou o golpe, mas vários jornais passaram a criticar o regime, alguns mais cedo, outros mais tarde. Com o AI-5, passou a vigorar uma censura prévia em vários meios de comunicação. O regime censurava até más notícias, promovendo uma imagem fictícia da realidade do país. Epidemias, desastres e atentados eram temas vetados. Músicas, filmes e novelas também foram censurados.
Foto: Arquivo Nacional
Colaboração com outras ditaduras
Junto com os regimes da Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai, a ditadura brasileira integrou a Operação Condor, uma aliança para perseguir opositores no Cone Sul. O regime também ajudou a treinar oficiais chilenos em técnicas de tortura. Um dos casos mais notórios de colaboração foi o sequestro em 1978 de dois ativistas uruguaios em Porto Alegre, que foram entregues ao país vizinho.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
O milagre econômico...
Após três anos de ajustes, os militares promoveram a partir de 1967 investimentos e oferta de crédito. A fórmula deu resultados. Entre 1967 e 1973, a expansão do PIB brasileiro foi de 10,2% ao ano. O país passou a ser a décima economia do mundo. O crescimento aumentou a popularidade do regime durante a fase mais repressiva da ditadura. Mas o "milagre brasileiro" duraria pouco.
Foto: Arquivo Nacional
... e a derrocada econômica
A conta do "milagre" chegou após os dois choques do petróleo e uma série de decisões desastradas para manter a economia aquecida. Ao fim da ditadura, o país acumulava dívida externa 30 vezes maior que a de 1964 e inflação de 225,9% ao ano. Quase 50% da população estava abaixo da linha de pobreza. Os militares pegaram um país com graves problemas econômicos e entregaram um quebrado.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
Corrupção
A censura e a falta de transparência favoreceram a corrupção. O período foi marcado por vários casos, como o Coroa-Brastel, Delfin, Lutfalla e a explosão de gastos em obras. O regime promoveu e protegeu figuras como Paulo Maluf e Antônio Carlos Magalhães, que já nos anos 70 eram suspeitos em casos de corrupção. Também abafou casos, como a compra superfaturada de fragatas do Reno Unido nos anos 70.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
Grandes obras
A ditadura promoveu obras faraônicas, divulgadas com propaganda ufanista, como Itaipu e a ponte Rio-Niterói. Algumas foram marcadas por desperdícios e erros, como a Transamazônica e as usinas de Angra. Em 1969, o regime criou uma reserva de mercado para as empreiteiras nacionais ao proibir a atuação de estrangeiras. É nessa época que empresas como a Odebrecht passam a dominar as obras no país.
Foto: Arquivo Nacional
Anistia e falta de punições
Em 1979, seis anos antes do fim da ditadura, foi promulgada a Lei da Anistia, perdoando crimes cometidos por motivação política. Mas ela tinha mão dupla: garantiu também a impunidade para agentes responsáveis por mortes e torturas. No Chile e na Argentina, dezenas de agentes foram condenados por violações de direitos humanos após a volta da democracia. No Brasil, ninguém foi punido.