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O Brasil na imprensa alemã (25/11)

25 de novembro de 2020

A morte de João Alberto Freitas em Porto Alegre dominou o noticiário da Alemanha sobre o Brasil, com especial ênfase na necessidade de discutir o racismo no país e seu negacionismo – histórico e atual.

Flores na sepultura de João Alberto Freitas
Morte violenta de João Alberto Freitas abalou o paísFoto: Luciano Nagel/DW

Der Spiegel – Protestos após agressão fatal de homem negro (21/11)

A morte violenta de um negro desencadeou protestos furiosos no Brasil. Em diversas cidades, entre as quais São Paulo e a capital Brasília, os cidadãos foram às ruas. Na noite da quinta-feira, João Alberto Silveira Freitas fora imobilizado no chão e brutalmente espancado por dois seguranças. O homem de 40 anos morreu no local em decorrência dos ferimentos. Um vídeo do ato se propagou rapidamente nas redes sociais e na mídia brasileira.

Manifestantes marcharam até uma filial da cadeia de supermercados francesa envolvida, Carrefour, e quebraram as vitrines a pedradas. Em seguida, invadiram o estabelecimento e o devastaram, como noticiou um fotógrafo da agência de notícias AFP. Manifestantes também se dirigiram ao supermercado em Porto Alegre em que ocorrera o incidente. A polícia empregou gás lacrimogênio e granadas de atordoamento para dispersar a multidão, relatou uma TV local.

Noticiou-se sobre outros protestos em Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Lá, muitos participantes levavam cartazes dizendo "Vidas pretas importam", o slogan do movimento antirracismo americano Black Lives Matter. Em faixas se lia "Racismo é um vírus".

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O ato de violência ocorreu um dia após o Dia da Consciência Negra, na sexta-feira, em que se recorda a contribuição dos negros para a cultura e identidade brasileiras. O vice-presidente Hamilton Mourão lamentou o incidente, porém negou que o país padeça de racismo: "Não, para mim no Brasil não existe racismo", afirmou. "Isso é uma coisa que querem importar, isso não existe aqui."

O Brasil foi a última nação do mundo ocidental a abolir a escravidão. Até hoje existem grandes desigualdades entre a população branca e a negra, a qual representa 56% da população total. O salário médio dos brasileiros negros é apenas a metade do dos brancos. Além disso, eles têm expectativa de vida menor e, segundo dados de ativistas de direitos humanos, são repetidamente vítimas de discriminação. O presidente populista de direita Jair Bolsonaro tem repetidamente se expressado de maneira racista.

Süddeutsche Zeitung – O momento George Floyd do Brasil (25/11)

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Fala-se de um momento George Floyd brasileiro, em alusão àquele americano negro morto por policiais de Mineápolis em maio, igualmente desencadeando protestos de âmbito nacional. Essa comparação só procede até certo ponto, pois as manifestações no Brasil ainda não são comparáveis aos gigantescos protestos nos Estados Unidos. Ainda assim, a morte de Freitas desencadeou uma discussão mais do que atrasada, sobre a violência contra negros, mas também sobre racismo estrutural profundamente arraigado na sociedade brasileira.

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Manifestação contra morte de Beto Freitas no Carrefour

01:28

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Ao contrário dos EUA, nunca houve no Brasil uma distinção estrita entre negro e branco. As fronteiras costumavam ser fluidas, ocorriam relações inter-étnicas, embora muitas vezes com base na violência e exploração sexual. Enquanto nos EUA ou África do Sul o Estado prescrevia o apartheid e a separação de raças, no Brasil se desenvolveu o modelo da "democracia das raças"; negros e indígenas deviam se miscigenar com os descendentes dos imigrantes europeus, assim se criaria uma convivência harmoniosa, mas ao mesmo tempo era uma forma de os elementos africanos serem diluídos, de certo modo.

Em breve a política se aproveitou desse modelo. O ditador Getúlio Vargas usou a democracia das raças para constituir um novo sentimento nacional. Algumas décadas mais tarde a ditadura militar lançou mão da mesma ideia para impor com violência ao país o clichê do alegre cadinho racial, e calar a oposição.

Diante desse pano de fundo, não espanta que agora o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, queira minimizar a discussão sobre violência contra negros. O brasileiro foi sempre um povo miscigenado, explicou após a morte de Freitas: quem incita ao debate sobre o racismo quer simplesmente dividir o país e espalhar o ódio.

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Frankfurter Allgemeine Zeitung – Bolsonaro e o racismo importado (25/11)

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Enquanto Jair Bolsonaro ainda não se manifestava sobre a ocorrência [o homicídio de João Alberto Silveira Freitas], o vice Hamilton Mourão disse na sexta-feira que para ele o racismo não existia no Brasil: "Isso é uma coisa que querem importar, isso não existe aqui."

Mais tarde o presidente bateu na mesma tecla, em sua fala na cúpula virtual do G20: o brasileiro foi sempre um povo miscigenado, quem incita ao debate sobre o racismo só quer dividir o país e espalhar o ódio para ganhar poder, afirmou, sem se referir diretamente à morte de Freitas.

Essas palavras despertaram consternação tanto entre os participantes da cúpula, que conheciam o contexto, quanto no Brasil. É preciso uma boa dose de desligamento da realidade para descartar o racismo no país como um jogo político ou mesmo uma conspiração.

É fato que o racismo individual, punível também no Brasil desde 1989, só é observado raramente. Porém por trás da aparente harmonia e alegria da miscigenação, frisada por Bolsonaro, se esconde um racismo estrutural profundo, que se manteve desde o fim da escravidão, em 1888. Negros e escuros, que compõem mais da metade da população brasileira, tendem a ser mais pobres, mais frequentemente desempregados ou a exercer trabalhos informais, viver em condições precárias e a ter, em média, um nível educacional pior.

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Também a pandemia do coronavírus torna visíveis essas diferenças. Os negros têm no Brasil um maior risco de morrer se contraem a covid-19, por estarem menos aptos a se defender, devido a sua origem social. Costumam ter piores condições de saúde e sofrem com uma assistência médica deficiente.

Sociólogos descrevem a aparente harmonia entre negros e brancos no Brasil, a que Bolsonaro aludiu, como uma espécie de máscara, escondendo a ainda existente relação colonial entre senhor e servo.

O caso Freitas poderá ter também impacto sobre o segundo turno nas eleições municipais, a se realizarem no próximo domingo em diversas cidades.

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