Combate à corrupção no país, atuação e possíveis ambições políticas do juiz Sergio Moro foram destaque nos maiores jornais da Alemanha, que abordaram ainda colaboração da Volks com a ditadura militar.
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Frankfurter Allgemeine Zeitung – A América do Sul se levanta contra a corrupção, 25.07.2017
"O que está acontecendo no Brasil? O político mais famoso do país, o carismático ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi condenado a quase dez anos de prisão por corrupção. O atual chefe de Estado, Michel Temer, corre o risco de um processo de impeachment pelo mesmo motivo, e há um ano a antecessora dele, Dilma Rousseff, foi deposta. Há três anos só se ouve notícias de crise econômica e corrupção do Brasil. As duas estão intimamente ligadas.
Parece até que o Brasil é o centro da corrupção na América do Sul. Na verdade, a maior economia do continente só está mais avançada no combate à criminalidade econômica do que a maioria dos países da região. No Brasil, crimes que, em outros lugares, são varridos para debaixo do tapete estão sendo combatidos de forma eficiente pela Justiça. O juiz Sergio Moro, que no Brasil já alcançou status de figura cult, inspirou-se nos colegas italianos que, nos anos 1990, no âmbito da lendária operação Mani pulite, prendeu milhares de funcionários, empresários e políticos e varreu do mapa político da Itália partidos tradicionais, como os socialistas e os cristão-democratas. Com uma equipe de promotores e investigadores jovens e ambiciosos, Moro apostou em três elementos: a prisão e condenação rápida de corruptores e corrompidos, a oferta de redução de pena para delatores e uma ampla informação da opinião pública sobre o andamento das investigações para se defender da pressão de políticos e empresários pela restrição das investigações."
Süddeutsche Zeitung – Sem lamentos, 24.07.2017
"A ideia de retornar ao cenário dos seus pesadelos ocupava os pensamentos de Lúcio Bellentani já há algum tempo. Mas foram necessárias décadas para criar coragem. Neste dia ensolarado dos primeiros meses de 2017, ele vestiu uma camisa branca e uma calça azul escura, aparou a barba e penteou em ondas bem delineadas o cabelo grisalho. Bellentani, que tem 72 anos, poderia estar se vestindo para receber uma medalha por serviços prestados. Na verdade, ele vai visitar dois cenários de crimes onde uma parte da sua vida foi destruída: a grande construção de tijolos à vista no centro de São Paulo, onde eles o torturaram. E o pavilhão da empresa em São Bernardo do Campo, onde ele, pouco antes, foi detido – aparentemente com a participação de seu empregador: a Volkswagen do Brasil.
Bellentani é um homem de humor quase inabalável. Quando entra no corredor vazio da construção de tijolos à vista, diz: 'Bem-vindo ao hotel cinco estrelas!' Mas o riso logo vai dar lugar às lágrimas neste reencontro com a cela de número dois. A cela dele. Bellentani voltou para lutar. Em uma palavra: por desculpas.
A história do antigo operário Bellentani é também a história de uma colaboração ainda não bem dissecada. Ela trata do envolvimento da maior fabricante de automóveis da Alemanha com a ditadura militar brasileira entre 1964 e 1985."
Frankfurter Allgemeine Zeitung – O iluminador, 23.07.2017
"Sergio Moro gosta de subestimar a si mesmo. Ele diz coisas como: eu sou apenas um juiz num tribunal federal em Curitiba que faz o seu trabalho da melhor maneira possível. Ou: não existe uma guerra entre a Justiça e os políticos no Brasil, mas os juristas devem erguer juntos a voz quando os legisladores tentam colocá-los sob tutela. Ou ainda: a mídia não é de forma alguma sistematicamente alimentada por ele com informações sobre processos em andamento ou escutas secretas. Ele apenas segue o princípio constitucional da transparência em todos os processos legais.
Na verdade a situação é um pouco diferente para Sergio Moro, um jurista de 44 anos de Maringá, no estado do Paraná, casado com a advogada Rosângela Wolff e pai de dois filhos.
Desde o início do maior processo por corrupção na história do Brasil, em março de 2014, Moro se converteu na principal personalidade da vida pública do país, em superstar de renome internacional.
E para vencer essa monumental batalha contra a política de favores, o juiz e seus aliados mobilizam com habilidade e astúcia a mídia e, com isso, a opinião pública.
As imagens das prisões de poderosos capitães da indústria e políticos antes intocáveis por agentes mascarados da Polícia Federal ficaram gravadas na memória coletiva dos brasileiros. Ninguém mais está acima da lei é a mensagem das prisões e buscas espetaculares, das quais a mídia difunde as imagens desejadas.
A subestimação de si mesmo de Sergio Moro é calculada. Nas suas escassas declarações públicas, ele se apresenta como um simples juiz que apenas cumpre o seu dever legal. Ele diz que não gosta que muitos o vejam como uma espécie de salvador da democracia brasileira da praga da corrupção, até mesmo como futuro presidente. Este descendente de imigrantes italianos diz que não tem ambições políticas e garante que encontrou sua vocação na profissão de juiz. Essa parte da vocação pode até ser verdade, mas ela vai bem além do tribunal federal de Curitiba."
AS/ots
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O estrago de uma delação
Somente na delação do ex-diretor de relações institucionais da Odebrecht Claudio Mello Filho 39 políticos foram citados. Há ainda revelações de 78 executivos, e é por isso que são chamadas de "delações do fim do mundo".
Foto: Imago/Fotoarena
No topo do poder: Michel Temer
O nome de Michel Temer aparece 43 vezes na delação, de 82 páginas. O delator diz que o conheceu em 2005, por intermédio de Geddel Vieira Lima. Relata encontros com Temer, um deles jantar no Palácio do Jaburu com Marcelo Odebrecht, em que foi solicitada ajuda financeira de 4 milhões. Revela que Temer atuava indiretamente. Temer alega que pediu auxílio formal à construtora, quando comandava o PMDB.
Foto: Reuters/A. Machado
Eliseu Padilha, o "Primo"
O ministro da Casa Civil é apontado como coordenador "de contribuições de campanha que o PMDB recebeu da Odebrecht" em 2014. O delator o classifica como o "preposto" de Temer. "Nas vezes que me foi solicitada qualquer agenda com Michel Temer, procurava Eliseu Padilha, que viabilizava os encontros para as demandas da empresa. Sempre soube que Padilha representava a figura política de Temer", diz.
Foto: Getty Images/AFP/E.Sa
Moreira Franco, agora ministro: o "Angorá"
Moreira Franco, que Temer alçou a ministro para ter foro privilegiado, tem codinome que se refere aos cabelos grisalhos. O delator fala de encontro entre ele, Moreira e Temer, quando disse a ambos que Graça Foster, então presidente da Petrobras, queria saber quem do PMDB recebia dinheiro da Odebrecht. O ministro diz que nunca conversou com Melo Filho sobre doações.
Foto: picture alliance/AP Images/H. Ammar
Geddel Vieira Lima, o ex-ministro "Babel"
O delator diz ter sido próximo do ex-ministro e que ele "recebia
pagamentos qualificados em períodos eleitorais e não
eleitorais; e fazia isso oferecendo contrapartidas claras". Um exemplo foi a liberação de recursos do Ministério da Integração Nacional a obra de interesse da Odebrecht. Geddel foi ministro de Dilma e de Temer, mas durou pouco no cargo por conta de denúncias de corrupção. Ele nega.
Foto: Valter Campanato/Agencia Brasil
"Núcleo dominante": Jucá, Renan e Eunício
O diretor da Odebrecht disse na delação que o PMDB tinha dois núcleos de arrecadação, um no Senado e outro na Câmara. No Senado, Eunício Oliveira (na cabeceira), hoje presidente da Casa, Renan Calheiros (à esq) e Romero Jucá (à dir.) eram o trio poderoso. "Esse grupo é bastante coeso e possui enorme poder de influência sobre outros parlamentares, tanto do
partido como de outras legendas."
Foto: Marcos Brandao
Romero Jucá ou "Caju", o "homem de frente"
O delator diz que o senador , codinome Caju, era o mais procurador por "agentes privados interessados na sua atuação estratégia". Por conta desta ponte com o setor privado, diz, o gabinete de Jucá é concorrido. O delator diz ter pago 22 milhões só a Jucá, que coordenava a distribuição do dinheiro no PMDB. O senador teria articulado a aprovação de propostas de interesse da Odebrecht no Congresso.
Foto: Jose Cruz/Agencia Brasil
Renan Calheiros, o "Justiça"
Ex-presidente do Senado e ex-ministro da Justiça, é citado como peça crucial do esquema do PMDB. Em 2010, teria recebido 500 mil da Odebrecht. Logo que assumiu o Senado, Marcelo Odebrecht pediu que fosse agendada "visita de cortesia". Na ocasião, Renan disse estar afinado com pleitos da construtora. Teria pedido ajuda à campanha do filho em Alagoas (2014). O senador nega irregularidades.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Eduardo Cunha, o "Caranguejo" preso
Delator diz que se aproximou dele em 2007. O deputado teria recebido 7 milhões da Odebrecht para campanha de 2010. Seu nome constava em planilhas de executivos da empresa. Reuniões para tratar de votações e interesses da Odebrecht eram frequentes. "Ele sabia que receberia pagamentos a pretexto de contribuição de campanha." Cassado em setembro, está preso em Curitiba desde outubro de 2016.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Rodrigo Maia, o "Botafogo"
Delator disse que Maia, hoje presidente da Câmara, era "ponto de interlocução na defesa dos interesses da Odebrecht". Diz que pediu ajuda na votação de medida provisória que interessava à empreiteira e Maia aproveitou para solicitar recursos e liquidar pendências da campanha de 2012. "Decidi contribuir com o valor aproximado de 100 mil". Em 2010, teria recebido outros 500 mil. Maia nega.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Marco Maia, em outro time: o "Gremista"
Ex-presidente da Câmara, o petista Marco Maia é identificado pelo time. Delator diz que se aproximou dele em viagem a NYC, promovida pela Braskem. Na presidência, ofereceu jantar de cortesia a Marcelo Odebrecht. Pediu contribuições quando se lançou para a presidência da Casa. "A referida solicitação foi autorizada por Marcelo Odebrecht e transmitida por mim ao referido parlamentar."
Foto: Agencia Brasil/José Cruz
Delcídio Amaral, a "Ferrari" detida
O senador, ex-líder do PT, teria se empenhado para aprovar norma de tributos que ajudaria a Odebrecht. Após a votação, reclamou da "pouca atenção" recebida. O delator relata encontro com Delcídio no Hotel Fasano, em SP, quando lhe informou que receberia 500 mil reais. Naquele mesmo dia, colegas lhe contaram que o petista "tinha ficado absolutamente satisfeito e tinha pressa no recebimento".
Foto: Reuters/U. Marcelino
Agripino, o "Gripado": comandante do DEM
Relator disse que presidente do DEM tem relação pessoal com Emílio
Odebrecht e sempre foi muito cordial com empresa. Afirmou que em 2014 Marcelo Odebrecht fez pagamento de 1 milhão de reais a ele. O valor, disse, "teria sido solicitado pelo Senador Aécio Neves como uma forma de apoio
ao DEM, que era presidido à época pelo Senador José Agripino". Agripino era cotado para ser vice de Aécio na chapa.
Sob esse codinome, o então senador teria pedido "apoio diferenciado" da Odebrecht em 2010 e 2014. Presidia o PTB no Distrito Federal. O delator relata autorização de Marcelo Odebrecht para repassar a ele 1,5 milhão em 2010 e 1,3 milhão em 2014. "Não tenho como dizer se os pagamentos em dinheiro foram utilizados por Gim Argello para fins eleitorais." Argello deixou o PTB e a política em 2016.
Foto: CC-by-NC-flicker/Senado Federal
Jaques Wagner, o "Polo"
Relator diz que fez a ponte da Odebrecht com o político de 2006 a 2010. Conta que Marcelo Odebrecht tinha dúvidas sobre êxito da carreira política do petista. O primeiro pedido de recursos foi para campanha ao governo da BA (2006). "Acredito que tenha ocorrido pagamentos de até 3 milhões de forma oficial e caixa 2." Ajudou a Odebrecht a resolver "pendências" do pólo petroquímico de Camaçari.