Em entrevista à revista 'Der Spiegel', Lula diz se considerar preso político e que situação atual do Brasil tem relação com 'interesses das petroleiras americanas'. Imprensa ainda destaca rebelião em presídio de Manaus.
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Der Spiegel – "Bolsonaro é como o imperador Nero: incendeia todo o país", 24/05/2019
Em entrevista, ex-presidente brasileiro fala sobre a solidão em sua cela e explica, por que ele acredita que seu sucessor vai destruir tudo.
SPIEGEL: O senhor contava com a prisão?
Lula: Alguma coisa me dizia que desde que começou a Operação Lava Jato, que tinha um endereço certo: o Lula. Eu intimamente ficava imaginando que não era possível fazer o impeachment da Dilma, e depois permitir que o Lula seja reeleito presidente da República. Não combina.
O senhor se considera um preso político?
Eu sinceramente me considero um preso político. O juiz Moro, que me condenou, foi nomeado ministro da Justiça pelo novo presidente, Jair Bolsonaro. Poucos dias atrás, Bolsonaro anunciou publicamente que havia combinado com Moro para alçá-lo no próximo posto vago na no Supremo Tribunal Federal. Isso prova que tudo foi um jogo de cartas marcadas.
No seu governo a economia andou bem, milhões saíram da pobreza. Seguiu-se um declínio político e econômico. No ano passado, o radical de direita Bolsonaro foi eleito presidente. O que está acontecendo com o seu país?
Na economia não existe mágica. (...) Você tem que ter credibilidade para ser respeitado (...). E foi assim que eu governei. O mundo inteiro sabia, por isso que eu digo, a solidariedade da Angela Merkel (...) porque as pessoas falavam que nós estávamos fazendo as coisas corretas. (...) O Brasil chegou (...) em 2009 próximo de ser a quinta economia do mundo. (...) E agora virou esse desastre, (...) o Bolsonaro tá mais para Nero do que para presidente do Brasil, parece que ele tá colocando fogo no país, ou seja, não existe no dicionário deles a palavra emprego, não existe a palavra crescimento, não existe a palavra investimento, desenvolvimento, não existe a palavra construir, educação, ou seja tudo neles é para destruir tudo, como se fossem uma praga de gafanhoto. E o povo não pode permitir um presidente da República que bate continência para a bandeira americana.
O PT não tem uma certa responsabilidade nesse declínio? Prometeu combater a corrupção e, agora, o próprio partido está envolvido em vários escândalos de corrupção.
Vamos ver se na história do Brasil tem um partido que mais criou instrumento de combater a corrupção do que o PT. (...) Não apenas nas mudanças de ordens jurídicas, transformando em leis, mas também de transparência, como o PT se comportou. (...), se houver corrupção, ela começa a aparecer. O PT não se exime disso, tá? (...) Os que jogaram contra o PT não foi por conta dos erros, mas por conta dos acertos. (...) Então, sabe, eu tô carregando a minha cruz aqui, tá. Agora, pode ficar certo que os pecados foram outros que cometeram, e eu quero provar isso.
A Justiça diz que houve um esquema gigantesco de corrupção dentro da Petrobras para financiar os partidos.
Mentira. Pode ter havido um ou outro caso, a Petrobras é uma empresa muito grande, que passou a movimentar 30 bilhões por ano de investimento. (...) eu me convenci que o que aconteceu no Brasil tem a ver com os interesses das petroleiras americanas. (...) A elite brasileira, junto com elite das petroleiras do mundo, não admitem a lei da partilha que nós fizemos, dizendo que o petróleo é do povo brasileiro, e 75% dos royalties serão destinados à educação, para que o Brasil recupere no século 21 o atraso do século 20 (...).
É por isso que era preciso derrubar a Dilma, é por isso que era preciso fazer o impeachment. E era por isso que que criaram todas as condições ilegais para evitar que o Lula fosse candidato a presidente, porque eles sabiam que mesmo preso eu seria eleito o presidente da República.
A Venezuela vive uma crise muito pior do que o Brasil. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, viajou para a posse de Nicolás Maduro. O governo brasileiro, ao contrário, reconheceu Juan Guaidó como presidente interino, assim como a Alemanha e muitos outros países.
Foi um erro da Alemanha reconhecer. A Alemanha não era obrigada a obedecer aos americanos. Ninguém pode se autoproclamar presidente.
Frankfurter Allgemeine Zeitung – As celas da morte brasileiras, 29/05/2019
A rebelião de domingo (26/05) eclodiu durante o horário de visitas. Parentes relataram sobre o caos no interior do presídio. Do lado de fora, tristeza e perplexidade dominaram, e são ainda maiores porque foi o segundo massacre do tipo em dois anos. Em 2017, houve dois massacres entre presidiários em Manaus e, pouco depois, em Roraima, com cem mortos. Vários dos assassinados na época haviam sido encontrados decapitados ou mutilados.
Os massacres de 2017 foram o resultado de uma guerra de gangues dentro das prisões. Membros da "Família do Norte" local (FDN) acertaram contas com prisioneiros que pertenciam ao "Primeiro Comando da Capital" (PCC) de São Paulo, a maior organização criminosa do Brasil. As duas organizações vêm lutando há vários anos para controlar a rota amazônica, usada para contrabandear drogas – especialmente cocaína – dos vizinhos Colômbia, Venezuela, Peru e Bolívia pela Amazônia para o Brasil. A FDN continua a dominar a rota amazônica. Mas, recentemente, teria havido conflitos no interior da organização, o que é interpretado como motivo provável pelas mortes nos presídios de Manaus.
O PCC controla a maioria das prisões do Brasil. Os líderes da organização, que se estima ter 20 mil membros, controlam os negócios de dentro das prisões. As transações, até agora, incluíram principalmente o tráfico de drogas via Bolívia e Paraguai. O PCC também teria "representantes" em outros países da região.
O avanço do PCC para o Norte e o Nordeste do Brasil, porém, desencadeou uma onda de violência. Ela é mais evidente nas prisões das regiões afetadas, onde desde o final de 2016 houve uma série de sangrentos acertos de contas.
Os combates são favorecidos pelo sistema prisional brasileiro sobrecarregado. Em vez de separar os membros de gangues inimigas e dar-lhes uma saída do crime, os prisioneiros são amontoados em condições precárias. O Brasil tem mais de 400 mil vagas em estabelecimentos prisionais, mas mais de 700 mil prisioneiros. Mais de um terço são os chamados prisioneiros provisórios que aguardam pela sentença na prisão. Em muitos casos, os prisioneiros saem do cárcere mais criminosos do que entraram.
RK/ots
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Das greves no ABC à Presidência. Da condenação pela Lava Jato ao terceiro mandato. Os principais momentos políticos na vida de Luiz Inácio Lula da Silva.
Foto: Getty Images/AFP/C. Petroli
Lula e as greves do ABC
Em 1975, Lula foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema e ganhou projeção nacional ao liderar uma série de greves no final da década. Em 1980, foi preso e processado com base na Lei de Segurança Nacional após comandar uma paralisação que durou 41 dias. Lula ficou 31 dias no cárcere do Dops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social).
Foto: Instituto Lula
Fundação do PT
Em 10 de fevereiro de 1980, pouco antes de ser preso, Lula ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores (PT) com apoio de intelectuais e sindicalistas. Em maio do mesmo ano, ao sair do cárcere, foi eleito o primeiro presidente do partido. O pernambucano, então, ingressaria de vez na política: em 1982, concorreu ao governo de São Paulo e, em 1986, foi eleito deputado constituinte.
Foto: Getty Images/AFP/C. Petroli
A campanha de 1989
O PT lançou a candidatura de Lula nas primeiras eleições presidenciais diretas após o fim do regime militar. Com uma imagem de operário e um discurso de esquerda, Lula provocou temor em vários setores da economia, que se alinharam ao candidato Fernando Collor. O petista foi derrotado no segundo turno, depois de uma campanha que envolveu acusações de manipulação da imprensa a favor de Collor.
Foto: picture-alliance/dpa/R. Gostoli
A campanha de 1994
No embalo das primeiras denúncias de irregularidades no governo Collor, Lula lançou, em 1992, o movimento "Fora Collor" em apoio ao impeachment. Em 1994, concorreu novamente à Presidência, com Aloizio Mercadante como vice, mas foi derrotado no primeiro turno por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), lançado como "pai do Plano Real". O PT, por outro lado, elegia seus primeiros governadores (DF e ES).
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A campanha de 1998
Em 1998, Lula sofreu uma de suas piores derrotas eleitorais. À época, o petista teve como candidato a vice o ex-governador Leonel Brizola (PDT), um dos seus rivais na eleição de 1989 e com quem disputava a hegemonia na esquerda brasileira. A fórmula não deu certo. Lula obteve só 31% dos votos, e o então presidente Fernando Henrique Cardoso foi reeleito com 53% no primeiro turno.
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A posse de Lula
O eterno candidato do PT finalmente assumiu a Presidência em janeiro de 2003, após oito anos de governo do PSDB. Lula foi eleito com 61% dos votos válidos no segundo turno. A vitória foi alcançada após uma campanha que vendeu uma imagem mais moderada do petista – simbolizada no slogan "Lulinha paz e amor" – com o objetivo de acalmar os mercados e ampliar o eleitorado do partido.
Foto: O. Kissner/AFP/Getty Images
Economia em alta
Após as turbulências no final do governo Fernando Henrique Cardoso, a economia brasileira voltou a crescer com Lula, embalada sobretudo pelo boom das commodities. Foi o período da descoberta do pré-sal e investimentos em grandes obras de infraestrutura. O crescimento médio do PIB no segundo mandato chegou a 4,6%. O bom momento catapultou a popularidade de Lula, que chegou a 87% no final de 2010.
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Queda na desigualdade
Os programas sociais lançados por Lula, como Minha Casa, Minha Vida e ProUni, também contribuíram para a popularidade do presidente. O Bolsa Família, criado em 2004 a partir da unificação de outros programas de transferência de renda, se tornaria o carro-chefe. Quase 28 milhões de brasileiros saíram da zona de pobreza nos oito anos do governo Lula, afirmou um balanço em 2010.
Foto: Vanderlei Almeida/AFP/Getty Images
O escândalo do mensalão
Em 2005, o governo Lula foi atingido em cheio pelo escândalo de compra de votos de deputados, o mensalão. Apesar do desgaste, Lula sobreviveu à crise. Outros, como o ministro José Dirceu, uma das figuras fortes do governo, caíram em desgraça. No início, Lula afirmou que assessores o haviam "apunhalado", mas depois mudou o discurso e disse que o caso era uma invenção da oposição e da imprensa.
Foto: picture alliance / dpa / picture-alliance
A eleição de Dilma
Em 2007, logo após ser reeleito com mais de 60% dos votos, Lula começou a preparar o terreno para a sua sucessão. Como sucessora, ele escolheu a sua então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, uma tecnocrata sem experiência nas urnas. Nos três anos seguintes, Lula promoveu a imagem de Dilma junto aos brasileiros. A estratégia funcionou, e ela foi eleita em 2010.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/EBC
Prestígio mundial
Durante a Presidência, Lula gozou de prestígio mundial e se reuniu com os mais importantes chefes de Estado do planeta. Em abril de 2009, em um encontro do G20, o presidente dos EUA na época, Barack Obama, cumprimentou o colega e disse: "Adoro esse cara! O político mais popular da Terra". No mesmo ano, Lula apareceu em 33º lugar na lista das pessoas mais poderosas do mundo da revista Forbes.
Foto: AP
Luta contra o câncer
Em outubro de 2011, Lula foi diagnosticado com câncer na laringe, sendo submetido a um agressivo tratamento – pela primeira vez desde 1979, ele aparecia sem a barba. Exames apontaram a remissão completa do tumor cerca de cinco meses depois, e Lula voltou a se engajar nas campanhas do PT. Uma das grandes vitórias eleitorais de 2012 foi a de Fernando Haddad na Prefeitura de São Paulo.
Foto: AFP/Getty Images
Lula e a Lava Jato
Em março de 2016, Lula foi alvo de um mandado de condução coercitiva na Operação Lava Jato, que investigou escândalos de corrupção na Petrobras. O ex-presidente foi levado para depor sobre um sítio em Atibaia, um triplex no Guarujá e sua relação com empreiteiras investigadas na Lava Jato. No mesmo dia, a PF cumpriu mandados em residências do petista e de sua família, além do Instituto Lula.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Réu em diferentes processos
Nos meses seguintes, Lula foi denunciado por uma série de crimes, como corrupção passiva, lavagem de dinheiro, obstrução da Justiça e tráfico de influência, tornando-se réu em cinco processos diferentes. O petista sempre desmentiu as acusações, negou a prática de crimes e disse ser vítima de perseguição política. Ele também negou ser proprietário dos imóveis investigados.
Foto: picture-alliance/abaca
Morre Marisa Letícia
Em fevereiro de 2017, morreu a ex-primeira-dama Marisa Letícia. Lula e Marisa se conheceram em 1973, no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo. Ela esteve ao lado do marido durante a sua ascensão política, desde os tempos do sindicato, quando liderou passeata em apoio a sindicalistas presos, passando pela fundação do PT, costurando a primeira bandeira do partido, até a Presidência.
Foto: Reuters/N. Doce
Caravana pelo país
Visando uma nova candidatura à Presidência no ano seguinte, Lula começou em 2017 uma caravana pelo Brasil que reuniu milhares de pessoas. Em junho de 2018, o PT confirmou sua pré-candidatura, mesmo com ele já preso. Em agosto, o Tribunal Superior Eleitoral impediu que ele concorresse. Como sucessor, Lula escolheu Fernando Haddad, que chegou ao segundo turno, mas foi derrotado por Jair Bolsonaro.
Foto: Ricardo Stukert /Instituto Lula
Lula é condenado
Lula foi condenado pela primeira vez em 12 de julho de 2017. A sentença do juiz Sergio Moro determinou 9 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva, ligados ao triplex no Guarujá. O TRF-4 confirmou a condenação em segunda instância, além de aumentar a pena para 12 anos e um mês de prisão. Foi a primeira condenação de um ex-presidente por corrupção no Brasil.
Foto: Abr
Derrota no STF
Por 6 votos a 5, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) negaram, em 4 de abril de 2018, um pedido de habeas corpus preventivo apresentado pela defesa de Lula para evitar uma eventual prisão após o fim dos recursos na segunda instância da Justiça Federal. Manifestantes contrários e a favor de Lula foram às ruas por ocasião do julgamento.
Foto: picture alliance/AP Photo/S. Izquierdo
Lula se entrega à PF
Em 7 de abril de 2018, Lula se entregou à Polícia Federal, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, após ordem de prisão expedida por Sergio Moro. Antes de se entregar, Lula fez um discurso acalorado aos apoiadores. De Congonhas, Lula partiu de avião para Curitiba, onde começou a cumprir sua pena.
Foto: Paulo Pinto/Instituto Lula
Vigília em frente à PF em Curitiba
Depois da prisão de Lula, apoiadores do ex-presidente revezaram-se em um acampamento em frente à Polícia Federal de Curitiba, onde ele permaneceu preso. O local recebeu constantes visitas de políticos e de artistas, do Brasil e do exterior. Apoiadores também realizaram caravanas pelo país, com o slogan "Lula Livre". Em fevereiro de 2019, Lula também foi condenado no caso do sítio em Atibaia.
Foto: Ricardo Stuckert
Solto após 19 meses na prisão
Lula deixou a prisão em 8 de novembro de 2019, depois de passar um ano e sete meses na sede da Polícia Federal em Curitiba. A soltura ocorreu após o STF derrubar uma decisão que autorizava a prisão em segunda instância, beneficiando diretamente o petista, que passou a recorrer em liberdade. Após deixar a prisão, Lula fez um discurso para apoiadores repleto de críticas à Lava Jato.
Foto: picture-alliance/AP Photo/L. Correa
Supremo anula condenações
Após o fim da prisão, a campanha "Lula Livre" focou na anulação de suas condenações. Os advogados do petista recorreram até o Supremo, alegando que ele era vítima de perseguição judicial. Em abril de 2021, o plenário do Supremo concluiu que Moro não era o juiz competente para atuar nos processos do petista, e dois meses depois decidiu que Moro era parcial. As condenações de Lula foram anuladas.
Foto: Alexandre Schneider/Getty Images
Uma aliança inesperada
A preparação da sexta campanha presidencial de Lula envolveu uma costura política inusitada. O petista e aliados articularam para ter como vice o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, que foi filiado ao PSDB por 33 anos e era seu antigo adversário. A aproximação teve o objetivo de atrair o voto conservador e vingou: em abril de 2022, o PSB, novo partido de Alckmin, confirmou sua indicação.
Foto: Ricardo Stuckert/AFP
Em busca do voto anti-Bolsonaro
Lula lançou sua pré-candidatura em maio de 2022, defendendo a união de pessoas de orientações políticas variadas contra a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. No evento, Alckmin prometeu lealdade, disse que o futuro do Brasil "está em jogo" e foi aplaudido pelos petistas.
Foto: NELSON ALMEIDA/AFP
Triunfo na busca por terceiro mandato
Após uma das campanhas mais tensas da história brasileira, Lula conquistou novamente a Presidência. Com apoio de uma frente ampla que reuniu forças de centro e antigos adversários, o petista impôs uma derrota inconteste sobre o extremista de direita Jair Bolsonaro. Aos 77 anos, Lula se tornou o político mais velho a conquistar o Planalto.