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O Brasil na imprensa alemã (30/06)

30 de junho de 2021

Jornais da Alemanha destacam os efeitos da CPI sobre o povo brasileiro e o bolsonarismo, a renúncia do ministro do Meio Ambiente, e o real balanço climático da usina hidrelétrica de Belo Monte.

Irmãos Miranda depõem à CPI da Pandemia em 25 de junho
Com eleições à vista, a enorme popularidade da CPI poderá se tornar perigosa para Bolsonaro, diz jornalFoto: Adriano Machado/REUTERS

Süddeutsche Zeitung – Mentiras, fraude e muitos mortos (29/06)

Tarde de sexta-feira, pouco depois das 15 horas. "Daqui a pouco vai começaaaar!", escreve uma usuária no Twitter. "Agora vai bombar!", escreve outro. E aí tem também uma com nome de perfil "Sheilinha". Ela diz que, na verdade, precisava limpar a geladeira urgentemente, mas "Hoje não posso perder a CPI, de jeito nenhum!".

É novamente hora de show no Brasil. Há já dois meses o país se senta de duas a quatro vezes por semana diante da televisão, computador ou monitor do celular e acompanha um espetáculo que se chama Comissão Parlamentar de Inquérito, em geral abreviado CPI.

Não se trata de uma das apreciadas telenovelas ou mesmo de uma série criminal. Ainda assim, trata-se de mentiras, traição e fraude, mas também de muitos mortos, muitíssimos, até. Pois a CPI visa esclarecer quem arca com a culpa da catástrofe da covid-19 no Brasil.

Até agora, ela já custou pelo menos 500 mil vidas, e a cada dia acrescentam-se, em média, 2 mil novos óbitos. Apenas foi dada a partida para a campanha de vacinação, enquanto a próxima onda de contágios já vai rolando em direção ao país.

Muitos brasileiros acreditam que o governo, e sobretudo o chefe de Estado Jair Bolsonaro, tem pelo menos parte da culpa pela tragédia. Desde o início da pandemia, o presidente e seu gabinete minimizaram o vírus e seus perigos, torpedeando todas as medidas para contenção da pandemia. Por isso ocorrem grandes manifestações em âmbito nacional. Ao mesmo tempo, aumenta sem parar a pressão política, pela oposição, mas também pela CPI.

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A CPI mostrou mais uma vez como, em vez de vacinas, Bolsonaro e seu gabinete incentivaram o emprego de medicamentos controversos. Fala-se até de um Ministério da Saúde paralelo na Presidência, ocupado por negacionistas do coronavírus, mas isso são só acusações, assim como as suposições de que o plano do governo teria sempre sido levar o Brasil à imunidade de rebanho, ao custo de milhões de vidas humanas.

Nada disso está comprovado, mas causa agitação. De tempos em tempos, há também pequenos escândalos e números dignos do cinema. Certa vez a CPI teve que esclarecer se uma funcionária governamental poderia ter realmente razão, quando, numa mensagem de áudio, afirmou ter visto um pênis inflável na porta de um conceituado laboratório biomédico e, para completar, do lado de dentro, papéis de parede com padronagem de Che Guevara [sic*].

Quando uma parlamentar descasca publicamente com o ex-ministro do Exterior, trechos são partilhados aos milhares na rede. E humoristas passaram a comentar as sessões ao vivo em portais de streaming, como se se tratasse de partidas de futebol.

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Ao mesmo tempo, coloca-se a questão de quão grande poderá ser, no fim das contas, a utilidade da comissão – e quão real o dano que poderá causar ao governo. No fim de agosto, a CPI deve apresentar seus resultados. Teoricamente aí o procurador-geral da República poderá abrir inquéritos, caso considere terem sido revelados detalhes relevantes do ponto de vista penal. Até o momento, porém, é improvável, faltam provas concretas, e o procurador-geral é aliado de Bolsonaro.

Igualmente improvável é um processo de impeachment em seguida à CPI. Bolsonaro garantiu para si o apoio no Congresso do poderoso Centrão, que sempre segue quem tem mais postos e benesses a distribuir.

E, no entanto, precisamente a enorme popularidade dos inquéritos poderá se tornar perigosa para o presidente. No próximo ano, haverá eleições no Brasil. A oposição está cada vez mais forte, e o respaldo de Bolsonaro junto à população míngua, também devido à CPI: ela pode não ter apresentado praticamente nenhuma prova, mas em diversos cidadãos lançou a questão de como a pandemia poderia ter transcorrido se estivesse em exercício um outro governo que não minimizasse o coronavírus como "gripezinha", mas sim o encarasse como é: um perigo para o organismo e a vida.

* Possivelmente trata-se aqui de um erro de tradução por parte do Süddeutsche Zeitung. Do áudio de Mayra Pinheiro, reproduzido pela imprensa brasileira, consta: "Tudo deles envolve LGBTI, eles têm um pênis na porta da Fiocruz, todos os tapetes das portas são a figura do Che Guevara, as salas são figurinhas do 'Lula livre', 'Marielle vive'."

Die Tageszeitung – Um destruidor do meio ambiente a menos no cargo (25/06)

Ele agora é parte da história, disse o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, na noite de terça-feira [22/06], numa coletiva de imprensa. As calorosas palavras se referiam ao ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que pouco antes apresentara sua renúncia.

Salles alegou motivos familiares para sua saída. Mas provável é ele ter se curvado à pressão crescente. O político de 46 anos é acusado de envolvimento numa rede que tramitou o comércio ilegal de madeira para os Estados Unidos e a Europa. Estão correndo inquéritos no Supremo Tribunal Federal. Em 19 de maio, a polícia revistou os escritórios e residências de Salles; diversos funcionários de seu ministério foram suspensos. O jurista formado rechaça todas as acusações.

Para Bolsonaro, a renúncia de seu mais importante ministro é um duro golpe. Assim, o radical de direita emitiu insinuações nebulosas, indicando uma conspiração contra seu governo. Nesse ínterim, ambientalistas saúdam o afastamento do ministro escandaloso. "A renúncia de Salles veio tarde, mas era necessária", escreveu a Greenpeace Brasil. Mais o que significa sua saída para a proteção ambiental? Praticamente ninguém acredita numa mudança de curso.

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Há duas semanas, indígenas protestam no bairro governamental de Brasília contra a lei [Projeto de Lei (PL) 490/2007]. Na terça-feira, ocorreram fortes confrontações, em que a polícia investiu com gás lacrimogêneo e balas de borracha contra os manifestantes, e indígenas reagiram atirando flechas. Houve diversos feridos.

O presidente Bolsonaro declarou diversas vezes que os indígenas possuiriam terras demais – atualmente cerca de 14% do território brasileiro – em relação a sua percentagem na população. Os nativos temem, por sua vez, que através do PL, venham a ser expulsos de suas terras de forma totalmente legal, e seus territórios sejam abertos à mineração.

Der Tagesspiegel – O turvo balanço da usina hidrelétrica de Belo Monte (28/06)

Ativistas da natureza e do clima sabem que muitas vezes as usinas hidrelétricas não são tão sustentáveis como seus operadores em parte afirmam. As áreas inundadas pela água represada produzem quantidades relativamente grandes de gases-estufa, turvando, assim, o balanço climático. Pode-se até medir os volumes emitidos, mas muitas vezes falta uma comparação com as emissões naturais, antes da inundação de uma represa.

Dailson Bertassoli Jr., da Universidade de São Paulo, e sua equipe estão agora apresentando essa comparação para a represa de Belo Monte, na Região Amazônica. Na revista Science Advances, os cientistas relatam que as emissões carbônicas lá são de duas a três vezes maiores agora do que antes da construção e inundação da represa, em 2016.

É fato que, com 15 a 55 quilos de dióxido de carbono por megawatt/hora, as emissões são apenas um décimo das de uma usina a carvão mineral. Contudo, outros fatores turvam o balanço. Assim, nas próximas décadas, as instalações deverão produzir até 38% menos energia, já que o volume dos rios da Amazônia se reduzirá, devido à mudança climática e ao desmatamento. Proporcionalmente, serão maiores as emissões de CO2 por megawatt/hora.

Belo Monte pode interromper atividades

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Com 11,2 gigawatts, a usina tem um rendimento comparável a oito ou nove grandes usinas nucleares na Alemanha, dando uma grande contribuição ao abastecimento elétrico do Brasil.

As represas resultantes, com 516 km2, cobrem uma superfície do tamanho do Lago de Constança. Foram afundados 122 km2 de floresta tropical e 175 km2 de terra arável. No fundo falta oxigênio, portanto os microorganismos produzem metano, gás que aquece o clima mais intensamente do que o CO2. Por isso, tais usinas hidrelétricas não são, nem de longe, tão favoráveis ao clima quanto parece, à primeira vista.

"Acrescentem-se os enormes impactos de tais usinas hidrelétricas sobre o meio ambiente", comenta Ulrich Eichelmann, diretor-gerente da organização de proteção fluvial Riverwatch, de Viena, que já visitou Belo Monte diversas vezes. No trecho afetado do rio Xingu, a água está escassa. Grande volume é desviado para a usina, e a paisagem se transforma fundamentalmente.

"Até agora, 30 mil tartarugas depositavam seus ovos nas ilhas de areia da curva do rio", prossegue Eichelmann. No entanto, a represa, corrente acima, também retém a areia, e com o tempo a água vai erodindo um dos maiores locais de postura para tartarugas do mundo. Estão igualmente ameaçadas numerosas espécies de peixes, das quais várias são exclusivas do local. Possivelmente a Usina de Belo Monte causará, sozinha, a extinção de centenas de espécies.

O impacto é ainda pior para os seres humanos, dos quais mais de 20 mil foram realocados. Para os nativos que vivem na floresta, isso é uma catástrofe, pois perdem sua terra natal e, com a mata, também seu meio de subsistência. E a Usina de Belo Monte é apenas o começo.

O Brasil planeja construir centenas de tais usinas hidrelétricas, a fim de cobrir a demanda energética nacional. Algumas poderão ser ainda mais nocivas ao clima do que Belo Monte, temem Bertassoli e equipe.

"Por isso, apelamos aos responsáveis para que reflitam se outras formas de obtenção de energia não são mais sustentáveis." Para Eichelmann, tal reivindicação não é nada de novo: a Riverwatch e outras organizações de proteção dos rios já exigem exatamente isso há décadas.

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