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O Brasil na imprensa alemã (30/11)

30 de novembro de 2022

Os acampamentos em frente aos quartéis, a polêmica sobre o uso da camisa da seleção brasileira e a popularidade do Pix foram tema na última semana.

Pessoas de verde e amarelo protestam. Mulher segura cartaz: "SOS Forças Armadas"
Há semanas, apoiadores de Bolsonaro protestam contra o resultado da eleição vencida por LulaFoto: Silvia Machado/TheNEWS2/ZUMA/picture alliance

Süddeutsche Zeitung – Por que o dinheiro vivo está sumindo no Brasil (30/11)

Se você quer saber o quanto o comportamento de pagamento dos brasileiros mudou nos últimos anos, experimente pagar com notas de R$ 50 no Rio, São Paulo, Recife ou Manaus. Convertida, a cédula brasileira não vale nem 10 euros, mas se você a tirar da carteira, os donos de quiosque costumam resmungar, e no supermercado o caixa se vira e chama o gerente: "Troque, por favor!". Alguns clientes na fila reviram os olhos. Balanço de cabeça, olhares questionadores: "Não tem Pix?" 

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Já se passaram quase dois anos desde que o banco central brasileiro lançou seu sistema de transferência instantânea, em novembro de 2020.

Na verdade, hoje em dia, o Pix é quase onipresente no Brasil. [...] Quase 130 milhões de brasileiros estão cadastrados no Pix, o que representa mais da metade da população. Além disso, existem outros 10 milhões de pessoas jurídicas, ou seja: lojas, postos de gasolina, restaurantes ou taxistas. As transferências feitas com o Pix ultrapassaram os pagamentos com cartão no final do ano passado.

Principalmente nas grandes cidades brasileiras, o Pix já está tão difundido que muitas lojas há muito ficaram sem troco. Cada vez menos pessoas têm notas ou moedas em seus bolsos, e é por isso que os mendigos nas esquinas e no metrô não estão mais apenas estendendo as mãos, mas também segurando seu código QR Pix: "Por favor, faça uma pequena doação!"

Existem sistemas semelhantes de "pagamento instantâneo" em outras partes do mundo, na Índia, México e Reino Unido. [...] Mas em quase nenhum lugar o sucesso foi tão generalizado e abrangente quanto o do Pix. Por um lado, isso tem a ver com o fato de os brasileiros passarem grande parte do tempo em seus celulares ou na frente do computador.

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De qualquer forma, as pessoas [no Brasil] geralmente estão abertas ao digital. Há décadas, as eleições são realizadas apenas com urnas eletrônicas e, mesmo nas profundezas da Floresta Amazônica, as pessoas há muito têm um smartphone com o qual podem compartilhar trechos de suas vidas nas redes sociais, como no Instagram e no Tik Tok.

Cicero – Guardiã da floresta (24/11)

Um mês depois da vitória eleitoral, a alegria ainda não acabou: "Vamos entrar no Congresso Nacional pela porta da frente", diz Sônia Bone Guajajara com um largo sorriso. Aos 48 anos, ela tem todos os motivos para se orgulhar, por ser a primeira deputada indígena do estado de São Paulo, onde obteve 156 mil votos. Ela tem grandes planos em Brasília; se preocupa em mudar a consciência dos brasileiros, "indigenizar e reflorestar a política brasileira".

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Os líderes indígenas há muito se recusam a concorrer a cargos políticos no sistema de governo "branco" do Brasil. Já Sônia Guajajara sempre teve a convicção de que os indígenas precisam ter voz própria na política brasileira para exercer influência direta. Desde que assumiu a liderança da organização indígena nacional APIB em 2013, ela tentou moldar um movimento pan-brasileiro de povos indígenas a partir de 300 grupos. Há quatro anos, ela concorreu à vice-presidência no Brasil ao lado do político socialista Guilherme Boulos - como a primeira mulher indígena da história do país.

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A Terra do Guajajara no Maranhão, embora oficialmente protegida pelo governo, há anos é invadida pela máfia madeireira e por garimpeiros ilegais. Repetidas vezes, líderes das tribos que se defendem dos ataques dos brancos são assassinados por matadores de aluguel dos grandes proprietários de terras. A violência aumentou no governo do presidente em fim de mandato Jair Bolsonaro. Sônia Guajajara o chama de "o pior presidente da história do Brasil". Ela tambémdesafia o poderoso lobby agrícola, que só trabalha para a exportação: "A selva está dando lugar às monoculturas, o solo está sendo envenenado". Como parlamentar, ela quer apoiar as comunidades rurais tradicionais que produzem para as necessidades familiares e operam de forma sustentável.

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Nas aparições oficiais, Sônia Guajajara costuma usar um cocar de penas de seu povo. A mãe de três filhos tem orgulho de suas raízes indígenas. Depois de vencer a eleição, a primeira coisa que ela fez foi ir ao Maranhão comemorar com amigos e parentes. "A sociedade brasileira precisa ter mais compreensão e respeito pelo modo de vida indígena. Os indígenas são guardiões da floresta desde o nascimento, porque fazemos parte da natureza". E acrescenta depois de uma pausa: "Nós somos a origem deste país."

Frankfurter Allgemeine Zeitung – Festival dos insurgentes (24/11)

"Ou ficar à pátria livre ou morrer pelo Brasil!" Eles repetem por vários minutos, como uma rápida oração. Seus olhos estão voltados para a frente. Mas não há um altar ali, em vez disso, está o Comando Militar do Sudeste na metrópole brasileira de São Paulo. O verso que recitam é do primeiro hino da monarquia brasileira após a independência de Portugal, em 1822. Mais de 200 anos, um império, uma república e uma ditadura militar depois, centenas de brasileiros livres estão nas ruas, equipados com as últimas camisas da seleção e celulares nas mãos, para convocar um golpe de Estado.

Desde a eleição, partidários radicalizados do presidente em fim de mandato Jair Bolsonaro vêm se manifestando contra o resultado do segundo turno de 30 de outubro, no qual Bolsonaro perdeu por quase dois pontos percentuais para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores. Após a eleição, houve inicialmente centenas de bloqueios de ruas, que a polícia tolerou por dias. Em muitos lugares, os agentes públicos observaram com cumplicidade. Especialmente em regiões remotas, os bloqueios ainda prosseguem e impedem, por exemplo, o transporte de produtos agrícolas. Mais recentemente, os manifestantes começaram a se reunir em frente às instalações militares do país. Os cercos se transformaram em acampamentos regulares, com barracas, banheiros, cozinhas e postos médicos. O Exército fica assistindo.

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Há um misto de clima de festa e nostalgia militar no acampamento em frente ao comando militar de São Paulo. Protegidos das intempéries sob o teto de tendas, pequenos grupos sentam-se em cadeiras de camping, bebem, comem, discutem e confirmam uns aos outros. Repetidas vezes, eles olham para seus telefones, que trazem todo tipo de informações, verdadeiras e falsas, por meio das redes sociais. De uma tenda camuflada, soa uma marcha. No teto, uma placa em inglês diz: "O Brasil foi roubado". Todos aqui acreditam que a eleição foi roubada. Eles não precisam de nenhuma prova. Em outra placa, pode ser lido um pedido de ajuda "SOS Forças Armadas". Ao lado, uma barraca diz "Resistência Civil". No meio, vendedores oferecem comida e bebida, bem como bandeiras nacionais e roupas nas cores amarelas e verdes que todos usam aqui. Há refeições gratuitas em várias tendas. "Tudo é doado", diz um dos ajudantes. Por quem, ele não sabe. As autoridades judiciárias estão investigando. Há evidências de forte apoio financeiro de alguns empresários.

 

Frankfurter Allgemeine Zeitung – O inacabado (24/11/21)

A tradicional camisa amarela da seleção agora tem um defeito para metade da população brasileira. O atual presidente populista de direita do Brasil, Jair Bolsonaro, costumava usá-la em seus eventos de campanha eleitoral. Desde então, ela tem sido considerada um símbolo do sentimento de direita no Brasil. Bolsonaro perdeu as eleições por uma margem muito mais estreita do que o esperado, com 49,1%. Embora não haja indícios de manipulação eleitoral, milhares de pessoas saíram às ruas e duvidam do resultado – muitas delas, com camisas da seleção. Elas pedem uma intervenção militar, o que equivaleria a um golpe. Agora, alguns apoiadores do ex-presidente esquerdista e novo presidente eleito Lula da Silva (50,9%) estão pressionando para que a camisa e seu usuário sejam socialmente condenados ao ostracismo.

O problema: Neymar, o capitão da seleção brasileira e o coração do quebra-cabeça do técnico Tite, também é um "bolsonarista" – ou seja, um apoiador de Bolsonaro, como tantos outros grandes e ex-grandes do futebol, incluindo um número surpreendente de jogadores afro-brasileiros.

A cisão social que o Brasil vive após a dura campanha eleitoral, por vezes humilhante, discriminatória e estigmatizante para ambos os lados, desestrutura não só a nação, a seleção e os ânimos no país pentacampeão mundial. Essa posição inicial também é um problema real para o técnico Tite. Antes das eleições, ele mesmo havia anunciado que não viajaria para a capital, Brasília, após a Copa do Mundo – fosse como vencedor ou como perdedor. "Vejo a seleção brasileira como um patrimônio cultural e esportivo", disse Tite. Você pode adivinhar onde ele está politicamente, mas ele não quer dizer isso publicamente. Uma coisa é certa: uma seleção politicamente explorada não combina com ele.

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Se Tite conseguir criar um clima de reconciliação, respeito mútuo e aproximação, isso poderá se espalhar para a sociedade. Só o futebol possibilitará que os apoiadores de Bolsonaro e Lula voltem a se abraçar.

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Especialmente para o homem com o número mágico 10 do Brasil, que polariza as massas como Bolsonaro e Lula, que é odiado ou amado, há muito em jogo no Catar. É sobre sua entrada nos livros de história do futebol brasileiro, que até agora produziu cinco gerações de campeões mundiais da aristocracia chutadora e cujo rei indiscutível ainda é a lenda viva Pelé. O jogador profissional brasileiro ganha milhões nos clubes. No entanto, a glória imortal só vem com a camisa amarela ou azul da seleção, quando o troféu da Copa do Mundo é levantado ao final de um torneio.

Süddeutsche Zeitung – "Neymar não tem mais raízes no Brasil" (28/11/22)

Walter Casagrande Júnior, 59 anos, foi um dos principais aliados de Sócrates, a consciência social e política do futebol brasileiro, na década de 1980. Juntos, eles fundaram um movimento chamado Democracia Corinthiana, no Corinthians São Paulo, que submeteu todas as decisões do clube, incluindo contratações de jogadores, a processos democráticos de base. "Ganhar ou perder – mas nunca sem democracia" era o lema. Durante a ditadura militar no Brasil, eles fizeram campanha pelo retorno à democracia – slogans como "Eleições já!" podiam ser vistos em suas camisas.

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"Estou à disposição do Brasil para tudo – exceto para uma guerra", disse Casagrande, que também jogou na Europa – inclusive no FC Porto.

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No Mundial do Catar, o jogador da Copa de 1986 atuará como colunista da Folha de S. Paulo, um dos maiores e mais respeitados jornais do Brasil, para o qual há anos escreve colunas aprofundadas sobre futebol dentro e fora do campo. [...]

Süddeutsche Zeitung​​​​​​: Neymar, aos 30 anos, ainda corresponde às expectativas que criava na adolescência, quando era a grande esperança do seu país?

Casagrande: O início de sua carreira foi espetacular. Espetacular. Desde o início no Santos até a saída do Barcelona. Tinha qualidade para ganhar a Bola de Ouro, a chuteira de ouro, ou jogar melhor em Copas do Mundo. Se tivesse ficado no Barcelona, ​​teria conseguido isso. Mas ele foi para PSG para se tornar uma grande estrela. Mas lá ele basicamente só cresceu como celebridade.

Casagrande: "Neymar, como outros jogadores de futebol brasileiros, não consegue separar seus papéis como jogadores de futebol de seu status de celebridade. E Neymar é uma celebridade 24 horas por dia. Mesmo quando ele está no gramado. Isso faz com que ele perca o foco. Quando você vai a uma Copa do Mundo, precisa se concentrar na Copa do Mundo – não no corte de cabelo ou na dança, no novo iate ou no novo carro de luxo.

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Süddeutsche Zeitung​​​​​​: Os preparativos para a Copa do Mundo coincidiram com a campanha eleitoral no Brasil. Seu país está dividido: uma maioria ínfima votou em Lula e na esquerda, enquanto a direita perdeu com o presidente Jair Bolsonaro. Isso também passa pela seleção?

Casagrande: "Ela começa a sentir isso também. Muitos brasileiros começaram a olhar para a seleção de forma diferente. Muitos deixaram de vestir a camisa amarela da seleção porque ela se tornou um símbolo dos apoiadores de Bolsonaro, que querem sabotar a transferência de poder e um golpe militar. Como você apoia apaixonadamente uma equipe que defende um fascista? Tem muita resistência contra Dani Alves, Thiago Silva, Neymar. Richarlison conseguiu mudar o clima. Não pelos dois gols contra a Sérvia, mas porque ele não perdeu as raízes. Durante a pandemia, ele comprou vacinas em Manaus, no Amazonas. Como o único jogador nacional que cuidou dessas coisas. Ele ainda está próximo da sociedade brasileira. Ao contrário de Alves ou Neymar.

Süddeutsche Zeitung​​​​​​: Juninho Pernambucano, simpatizante de Lula, acusou jogadores como Neymar de mostrar que se afastaram de suas raízes ao apoiar Bolsonaro...

Gasagrande: "É verdade! Neymar não tem mais raízes no Brasil. Estamos falando de um país onde 30 milhões de pessoas passam fome. Neymar tem iate, jatinho, carros luxuosos, casas enormes. E mostra isso. Isso cria uma distância. Ao contrário de Richarlison, ele não se importa com o que está acontecendo no seu país”.

Die Tageszeitung – "É um enorme egoísmo" (24/11/22)

Neymar tem 180 milhões de seguidores apenas no Instagram. Lá ele postou diligentemente publicidade de campanha para Bolsonaro. Apesar de todos os seus esforços, o político de extrema direita perdeu por pouco o segundo turno no final de outubro para o social-democrata Luiz Inácio da Silva, mais conhecido como Lula.

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Muitos jogadores declararam seu apoio em Bolsonaro, quase nenhum deles em Lula. Por quê? "A grande maioria vai com o fluxo", diz Walter Casagrande. O ex-jogador agora trabalha como comentarista de TV. "De qualquer forma, eu me recuso a acreditar que eles realmente saibam o que é o fascismo."

Casagrande vê semelhanças nas biografias de muitos profissionais: "A grande maioria dos jogadores vem de famílias pobres. Eles vão para a Europa, ganham muito dinheiro lá e esquecem suas raízes". Os jogadores vivem bem no exterior, diz. Nada tem que mudar para eles no Brasil. "É um egoísmo enorme."

Outra explicação para o pensamento de direita entre os jogadores de futebol é a religião. As igrejas pentecostais ultraconservadoras estão se popularizando cada vez mais no Brasil e, segundo cálculos, podem se tornar a maior comunidade religiosa do país em apenas dez anos. As igrejas são particularmente ativas nos subúrbios pobres – onde muitos jogadores de futebol cresceram. Neymar também é evangélico. O ex-jogador e comentarista Casagrande diz: "Eles apoiam o Bolsonaro porque ele fala de Deus. Ele usa a fé para manipular as pessoas."

Alguns jogadores também podem ter motivos pessoais para apoiar o presidente. Há especulações sobre um acordo tributário entre Neymar e Bolsonaro. Três anos atrás, o presidente ultradireitista defendeu publicamente Neymar quando acusações de estupro foram feitas contra ele. Uma investigação preliminar contra ele foi descontinuada. O presidente ajuda os jogadores. E depois eles ajudam o presidente.

le/md

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