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O Brasil pode cumprir aumento na produção de petróleo?

25 de março de 2022

Ministro de Bolsonaro anuncia que país vai aumentar oferta em resposta à guerra na Ucrânia. Mas especialistas apontam que governo está prometendo algo que não pode entregar e requentando previsões anteriores ao conflito.

Refinaria da Petrobras em Cubatão
Ministro Bento Albuquerque anunciou em Paris que o Brasil aumentará a produção de petróleo em 300 mil barris diáriosFoto: Nelson Almeida/AFP

Incertezas em torno da oferta global de petróleo têm feito disparar o preço da commodity desde a invasão russa à Ucrânia em fevereiro. A situação é provocada pelas sanções econômicas impostas à Rússia, terceiro maior produtor de petróleo do mundo, atrás apenas de Estados Unidos e Arábia Saudita, e responsável por 12% da oferta mundial.

Em meio à busca por alternativas para compensar as restrições impostas ao petróleo russo, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, anunciou na última quarta-feira (23/03), em reunião ministerial da Agência Internacional de Energia (AIE), em Paris, que o Brasil aumentará sua produção de petróleo em 300 mil barris diários (bpd) – cerca de 10% do volume atual – para tentar ajudar na estabilização dos preços.

De acordo com especialistas consultados pela DW Brasil, no entanto, o ministro está prometendo algo que não pode entregar. "O ministério não tem um poço de petróleo, isso é um absurdo. Alguém está enganando alguém", afirmou uma fonte ligada ao alto escalão da Petrobras.

Brasil não tem estoques estratégicos

Uma vez que a produção brasileira está concentrada em campos marítimos (97,2%), é praticamente impossível obter um aumento significativo da produção no curto prazo. Afinal, tanto a intensificação do ritmo de produção atual como a exploração de novas áreas demandariam investimentos e, sobretudo, tempo. Nos campos localizados em terra (onshore), a produção é pouco expressiva.

Ante esse cenário, a promessa feita pelo ministro parece não encontrar respaldo na realidade. O Brasil não tem estoques estratégicos para liberar reservas como os EUA ou capacidade de produção ociosa em terra como a Arábia Saudita. Então, de onde virá o aumento da oferta anunciado? Como se pode imaginar, a solução teria que partir da Petrobras, detentora de 94,1% da produção nacional.

O problema é que a empresa brasileira não conseguirá colocar mais 300 mil bpd no mercado da noite para o dia. Para 2022, a petroleira prevê a entrada de apenas dois sistemas de produção no pré-sal, sendo que um deles deverá ser adiado para 2023, por conta de atrasos na obra de conversão de um navio-plataforma (FPSO) na China devido à pandemia. Com a guerra, a entrega da unidade no prazo ficou ainda mais incerta.

No Brasil, poços interligados às plataformas levam tempo, talvez anos, para atingir o pico de produçãoFoto: Antonio Scorza/AFP

No melhor dos cenários, a entrada dos dois sistemas – FPSO Guanabara e FPSO Almirante Barroso, nos campos de Mero e Búzios, respectivamente, no pré-sal de Santos – elevaria a capacidade de produção total para 330 mil bpd. Mas isso não ocorreria imediatamente. Na indústria de petróleo em alto-mar (offshore), os poços interligados às plataformas levam algum tempo, talvez anos, para atingir o pico de produção.

À DW Brasil, o Ministério de Minas e Energia limitou-se a dizer que "a previsão é de 290 mil bpd adicionais em dezembro de 2022 com relação a dezembro de 2021, sendo volumes adicionais previstos no planejamento anual". A produção de petróleo registrada em dezembro de 2021, contudo, cresceu apenas 112 mil bpd (4,1%) quando comparada ao mesmo mês do ano anterior, segundo a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Portanto, está muito aquém da meta pretendida (e prometida).

 O caso brasileiro

"No Brasil, seriam raros os casos onde haveria alguma capacidade ociosa – involuntária, diga-se. Talvez, alguns campos onshore pudessem ser estimulados com investimentos rápidos para otimizar a produção, mas seriam volumes insignificantes. Para fazer a diferença, seriam necessários investimentos de longo prazo no offshore", explicou Edmar Almeida, professor do Instituto de Energia da PUC-RJ.

A visão de Edmar é similar à do presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), entidade que reúne os maiores produtores de petróleo e gás do país. De acordo com Eberaldo de Almeida, a complexidade econômica, tecnológica e logística faz com que os projetos offshore, como os do pré-sal, levem cerca de seis anos para serem iniciados. "Você pode até tentar acelerá-los, trazer para cinco anos e meio, mas nada que seja no curtíssimo prazo", disse o executivo do IBP.

Soma-se a isso a tendência natural de depleção dos reservatórios que já se encontram em atividade. Isso significa que o aumento da produção de novos campos petrolíferos concorre com o declínio daquelas áreas mais antigas. "Tem reservatórios que chegam a cair 20% ao ano, mas a média é 6% a 7% no mundo. No Brasil, chega em torno de 10%. Então, para manter a produção, você tem que continuar investindo; já para crescer, o investimento é muito maior", complementou Eberaldo.

Promessas infundadas e "requentadas"?

Antes de ir a Paris, Bento Albuquerque também se comprometeu com os Estados Unidos a aumentar a produção. A promessa veio após um pedido formal da secretária de Energia dos EUA, Jennifer Granholm, no dia 10 de março. Na ocasião, o ministro afirmou que o Brasil faria a sua parte. Mas, novamente, ele não apresentou nada de novo. Antes mesmo do início da guerra na Ucrânia, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão de planejamento ligado ao MME, já previa o aumento contínuo da produção até 2031.

Esta não é a primeira "bravata" internacional do ministro Bento Albuquerque. Em abril de 2019, durante uma viagem a Israel, o ministro declarou que a Petrobras estava interessada em participar de leilões de petróleo e gás naquele país. A declaração pegou de surpresa o então presidente da empresa, Roberto Castello Branco, que veio a público afirmar não existir nenhuma intenção da empresa em investir fora do Brasil.

Depois, a bola da vez foi o Suriname. Em live do presidente Jair Bolsonaro em janeiro de 2022, após visitar Georgetown, capital da Guiana, o ministro declarou que não apenas a Petrobras, mas outras empresas brasileiras "estariam prontas a vir ao Suriname, a Guiana". Como no primeiro caso, não há nada no horizonte que indique que o fará.

Segundo a fonte ligada à diretoria da Petrobras, o ministro não tem poder para arbitrar decisões empresariais nem mesmo na estatal. "Apesar de o governo, por meio da União, ser o acionista controlador da empresa, ela possui capital aberto, estatuto, conselho de administração e, sobretudo, autonomia para decidir onde e no que investir", disse.

 A curto prazo, nem a Venezuela

Antes de flertar com o Brasil, o governo americano cogitou a hipótese de aliviar as sanções impostas à Venezuela, com o objetivo de reativar o seu potencial petrolífero e tirá-la da órbita geopolítica russa. Mas tanto Edmar quanto Eberaldo concordam que nem mesmo o vizinho latino-americano, que detém as maiores reservas de petróleo do mundo, é capaz de aumentar sua produção no curto prazo.

Trabalhadores em refinaria da Venezuela Foto: Ernesto Vargas/AP/picture alliance

Apesar de ser muito mais acessível colocar essas reservas em produção do que as do pré-sal, a falta de investimentos deteriorou a infraestrutura petrolífera no país a tal ponto que a retomada imediata do potencial anterior à crise é inviável. "Não basta levantar as sanções ao regime de Nicolás Maduro. Tem que mudar muita coisa para a Venezuela passar a ser olhada de forma positiva pelos investidores estrangeiros", avalia Edmar.

Eberaldo, por sua vez, reafirma o sucateamento da indústria venezuelana. "É a maior reserva do mundo, mas sua produção é miserável", disse.

 O "efeito bumerangue"

Com a disparada do petróleo, ganham os exportadores, perdem os importadores. O Brasil, no caso, faz parte do primeiro grupo. Os crescentes volumes de petróleo do pré-sal exportados para China e Índia impulsionam a entrada de divisas. Mas o efeito inverso disso já é sentido na economia. Os preços dos combustíveis comercializados pela Petrobras às distribuidoras de todo o país, alinhados à variação da cotação do barril no mercado internacional, dispararam o gatilho inflacionário. Tudo isso decorre da política de paridade internacional (PPI) adotada pela estatal a partir de 2016.

Num país de dimensões continentais onde a infraestrutura logística é dominada pelo modal rodoviário, pode-se dizer que a economia é movida a óleo diesel. Novamente em ano eleitoral, como ocorreu em 2018 com a greve dos caminhoneiros, o governo e a Petrobras estão numa espécie de "sinuca de bico". Na avaliação de Edmar Almeida, a situação brasileira é comum a toda economia de livre mercado. "A questão não é simples. Poderia ter gasolina barata aqui? Sim, como tinha na Venezuela. Mas olha o que aconteceu lá", alertou o economista.

 Entretanto, Luís Eduardo Duque Dutra, autor do livro Capital Petróleo - A saga da indústria entre guerras, crises e ciclos, acredita que enquanto a Petrobras se beneficia das exportações a já combalida economia brasileira é quem sai perdendo. "O que ocorre no país você não verá em nenhum lugar do mundo. É o reflexo do (des)governo. Não há como explicar isso. Existem alternativas ao PPI, mas nenhuma imediata, apenas arremedo e improviso para amortecer a variação", disse.

 

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