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"O Brasil tem jeito", diz Lula após vitória

31 de outubro de 2022

Em discurso, petista prega a conciliação, fala em retomar protagonismo internacional do Brasil e diz que "a maioria do povo brasileiro deixou bem claro que deseja mais – e não menos democracia".

Lula
"É hora de reunir de novo as famílias, refazer os laços de amizade rompidos pela propagação criminosa do ódio. A ninguém interessa viver num país dividido", disse LulaFoto: Carla Carniel/REUTERS

Em seu primeiro discurso após vencer a eleição presidencial de 2022, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) adotou um tom conciliatório e otimista, mencionando os problemas que o país precisa enfrentar e afirmando que o resultado mostrou que a "a maioria do povo brasileiro deixou bem claro que deseja mais – e não menos democracia".

Com 99,99% das urnas apuradas, Lula havia conquistado 50,90% dos votos, contra 49,10% do atual presidente de extrema direita Jair Bolsonaro (PL). Lula não só conseguiu um terceiro mandato como impôs a primeira derrota a um presidente em busca da reeleição na história do Brasil. Por enquanto, Bolsonaro ainda não se pronunciou sobre o resultado.

"Convivência harmoniosa e republicana"

Em um contraponto com os quase quatro anos de governo do extremista de direita Jair Bolsonaro, que foram marcados por crise entre Poderes e tentativas de instrumentalizar instituições para fins políticos, Lula afirmou em seu discurso que é "preciso retomar o diálogo com o Legislativo e Judiciário".

"Sem tentativas de exorbitar, intervir, controlar, cooptar, mas buscando reconstruir a convivência harmoniosa e republicana entre os três Poderes. A normalidade democrática está consagrada na Constituição. É ela que estabelece os direitos e obrigações de cada Poder, de cada instituição, das Forças Armadas e de cada um de nós", disse o presidente eleito na noite deste domingo (30/10) para uma multidão de apoiadores em São Paulo.

"A Constituição rege a nossa existência coletiva, e ninguém, absolutamente ninguém, está acima dela, ninguém tem o direito de ignorá-la ou de afrontá-la."

No seu discurso, Lula também mencionou a frente ampla de forças de centro que se reuniram em torno da sua candidatura em oposição a Bolsonaro e que foi bem-sucedida em frear a extrema direita.

"Esta não é uma vitória minha, nem do PT, nem dos partidos que me apoiaram nessa campanha. É a vitória de um imenso movimento democrático que se formou, acima dos partidos políticos, dos interesses pessoais e das ideologias, para que a democracia saísse vencedora", disse.

Em outro gesto conciliatório, e também oferecendo um contraste com Bolsonaro, que alimentou crises com prefeitos e governadores ao longo do seu governo, Lula também falou em fortalecer o diálogo com estados e municípios.

"Vamos retomar o diálogo com os governadores e os prefeitos, para definirmos juntos as obras prioritárias para cada população. Não interessa o partido ao qual pertençam o governador e o prefeito."

Conciliação

Nos dias que precederam o segundo turno, Lula falou várias vezes sobre a intenção de "pacificar" o país após quase dez anos de crise política, econômica e institucional.

Neste domingo, o petista voltou a usar o mesmo tom, falando que "não interessa a ninguém viver numa família onde reina a discórdia."

"É hora de reunir de novo as famílias, refazer os laços de amizade rompidos pela propagação criminosa do ódio. A ninguém interessa viver num país dividido, em permanente estado de guerra. Este país precisa de paz e de união. Esse povo não quer mais brigar. Esse povo está cansado de enxergar no outro um inimigo a ser temido ou destruído. É hora de baixar as armas, que jamais deveriam ter sido empunhadas. Armas matam. E nós escolhemos a vida."

Combater a fome, desigualdade e racismo

O presidente eleito também falou em "enfrentar sem tréguas o racismo, o preconceito e a discriminação, para que brancos, negros e indígenas tenham os mesmos direitos e oportunidades".

"Só assim seremos capazes de construir um país de todos. Um Brasil igualitário, cuja prioridade sejam as pessoas que mais precisam."

Lula ainda falou que o compromisso "mais urgente" do país "é acabar outra vez com a fome".

"Não podemos aceitar como normal que milhões de homens, mulheres e crianças neste país não tenham o que comer. (...) Este será, novamente, o compromisso número um do nosso governo."

Ainda abordando os desafios que aguardam seu governo, Lula disse que o Brasil precisa combater a desigualdade persistente. "O Brasil não pode mais conviver com esse imenso fosso sem fundo, esse muro de concreto e desigualdade que separa o Brasil em partes desiguais que não se reconhecem. Este país precisa se reconhecer. Precisa se reencontrar consigo mesmo."

Retomar protagonismo do Brasil no exterior

Lula também abordou a imagem do Brasil no exterior, que passou por um derretimento sob o governo Bolsonaro, após o governo de extrema direita desmontar políticas ambientais e adotar uma política hostil contra antigos parceiros comerciais, especialmente a União Europeia. Na sua fala, Lula sinalizou que vai retomar a antiga estratégia brasileira de favorecer o multilateralismo, em oposição à opção pelo isolamento ou aproximação por governos ideologicamente alinhados que marcou o governo Bolsonaro.

Segundo Lula, o Brasil vai retomar parcerias "com os Estados Unidos e a União Europeia em novas bases".

"Nas minhas viagens internacionais, e nos contatos que tenho mantido com líderes de diversos países, o que mais escuto é que o mundo sente saudade do Brasil. Saudade daquele Brasil soberano, que falava de igual para igual com os países mais ricos e poderosos. E que ao mesmo tempo contribuía para o desenvolvimento dos países mais pobres", afirmou Lula.

"Vamos reconquistar a credibilidade, a previsibilidade e a estabilidade do país, para que os investidores – nacionais e estrangeiros – retomem a confiança no Brasil. Para que deixem de enxergar nosso país como fonte de lucro imediato e predatório, e passem a ser nossos parceiros na retomada do crescimento econômico com inclusão social e sustentabilidade ambiental", completou.

"Hoje nós estamos dizendo ao mundo que o Brasil está de volta. Que o Brasil é grande demais para ser relegado a esse triste papel de pária do mundo."

Meio ambiente

Lula também abordou a questão ambiental, novamente marcando um contraste com Bolsonaro, cujo governo foi marcado pela explosão de números de desmatamento e desmonte de políticas de preservação.

"O Brasil está pronto para retomar o seu protagonismo na luta contra a crise climática, protegendo todos os nossos biomas, sobretudo a Floresta Amazônica. (...) Agora, vamos lutar pelo desmatamento zero da Amazônia. (...) O Brasil e o planeta precisam de uma Amazônia viva", disse.

"Vamos retomar o monitoramento e a vigilância da Amazônia, e combater toda e qualquer atividade ilegal - seja garimpo, mineração, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida."

Num sinalização de que pretende retomar programas de cooperação internacional para a preservação, como o Fundo Amazônia – que conta com recursos da Alemanha e Noruega e que ficou paralisado sob Bolsonaro –, Lula disse que está aberto "à cooperação internacional para preservar a Amazônia, seja em forma de investimento ou pesquisa científica".

"O Brasil tem jeito"

Na parte final do seu discurso, Lula falou em amor e esperança.

"Todos os dias da minha vida eu me lembro do maior ensinamento de Jesus Cristo, que é o amor ao próximo. Por isso, acredito que a mais importante virtude de um bom governante será sempre o amor – pelo seu país e pelo seu povo. No que depender de nós, não faltará amor neste país. Vamos cuidar com muito carinho do Brasil e do povo brasileiro. Viveremos um novo tempo. De paz, de amor e de esperança."

"Para isso, convido cada brasileiro e cada brasileira, independentemente de em que candidato votou nessa eleição. Mais do que nunca, vamos juntos pelo Brasil, olhando mais para aquilo que nos une, do que para nossas diferenças. Volto a dizer aquilo que disse durante toda a campanha. Aquilo que nunca foi uma simples promessa de candidato, mas sim uma profissão de fé, um compromisso de vida: o Brasil tem jeito", afirmou.