O brasileiro que deu sobrevida à Rodada Doha
9 de dezembro de 2013O acordo vem sendo rotulado como histórico. Pela primeira vez, todos os 159 membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) chegaram a um consenso sobre regras específicas para a simplificação das políticas alfandegárias e a redução de subsídios agrícolas.
Não à toa Roberto Azevêdo, diretor-geral da OMC, tinha lágrimas nos olhos quando anunciou o resultado da negociação. E poucos duvidam que sua comoção não fora legítima – com apenas três meses no cargo ele fez o que nenhum outro conseguiu na última década: dar sobrevida à Rodada Doha.
Apoio dos emergentes
Quando o diplomata substituiu o francês Pascal Lamy, em setembro de 2013, a OMC estava praticamente paralisada. Em 2001, em Doha, os então 142 membros da organização já haviam começado a tentar simplificar e dinamizar o comércio mundial, mas as negociações não foram à frente. Como grande obstáculo na época, os subsídios agrícolas dos países desenvolvidos.
Com a bagagem de quem conhece os meandros do comércio global como poucos, Azevêdo levou esperança à OMC. Diplomata de carreira, ele foi subchefe para assuntos econômicos do Itamaraty de 1995 a 1996; esteve à frente da delegação brasileira, entre 2001 e 2005, em contenciosos como o caso dos subsídios dos Estados Unidos ao algodão; e, em 2008, chegou ao posto de embaixador permanente na OMC.
Nos círculos diplomáticos, Azevêdo é considerado um negociador hábil. O que ficou comprovado em Bali, onde ele conseguiu não só acalmar o ministro do Comércio da Índia, Anand Sharma, como também fez com que os insistentes cubanos finalmente cedessem e assinassem o acordo.
Mesmo durante o período de estagnação da OMC, Azevêdo obteve vitórias diplomáticas importantes. Ele foi peça-chave para a organização na imposição de medidas a dois dos mais poderosos membros. Em 2005, a União Europeia (UE) foi obrigada a reduzir suas subvenções ao açúcar. E, em 2008, os Estados Unidos foram forçados a diminuir os subsídios ao algodão.
Os subsídios dificultavam a entrada de produtos de países como o Brasil na UE e nos EUA, o que não torna exatamente uma surpresa o fato de Azevêdo ter sido eleito para chefiar a OMC com grande apoio do mundo emergente. Antes mesmo de assumir o cargo, ele já deixara claro que a sua prioridade seria destravar Doha.
Em entrevista à Deutsche Welle em fevereiro, ele afirmou que queria que a OMC voltasse a ser um foro viável de negociações "para que as atenções voltem ao sistema multilateral e as negociações voltem a ter um grau de ambição compatível com as necessidades de crescimento do mundo atual".
Desejo antigo
Em Bali ficou claro que a promessa está sendo cumprida. Três meses depois de assumir o cargo, Azevêdo fez não só com que os países-membros retomassem as negociações depois de mais de dez anos, como também com que eles chegassem a acordos importantes em vários aspectos.
"Precisamos reconhecer que os países sempre estão em ciclos econômicos diferentes, e que para negociar não se deve ficar esperando uma homogeneidade, porque é muito difícil que isso aconteça, ou seja, numa negociação entre quase 160 países, não se pode esperar que todos estejam vivendo o mesmo momento em termos de abertura comercial", disse Azevêdo à DW em fevereiro.
O ministro do Comércio da Indonésia, Gita Wirjawan, brincou dizendo que o sucesso das negociações devia ser atribuído à atmosfera inspiradora da ilha de Bali, onde o evento foi realizado. Depois, ele mesmo se corrigiu e afirmou que a inspiração tinha vindo de fato do "efeito Azevêdo".
Como enfatizou o próprio Azevêdo ao fim da conferência, ainda há muito trabalho a ser feito até que se atinja uma redução significativa das barreiras comerciais. Até agora, apenas uma parte do plano estabelecido há mais de uma década, em Doha, foi alcançada.