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Empregos mal pagos e produtos ruins para os brasileiros?

Alexander Busch | Kolumnist
Alexander Busch
24 de março de 2022

Processo de desindustrialização se acelera no Brasil, com burocracia, protecionismo e baixa produtividade afastando investidores. Uma dinâmica fatídica, e nenhum dos candidatos a presidente se dispõe a alterá-la.

Em 1980, indústria respondia por 34% do PIB do Brasil, hoje são 11%Foto: Antonio Scorza/AFP

Na Bahia, lá onde, ainda um ano e meio atrás, uma grande fábrica funcionava a pleno vapor, a natureza vai agora recuperando seu terreno. Em Camaçari, a maior unidade da Ford no Brasil empregava 5 mil funcionários. Durante cerca de 20 anos, centenas de ônibus a ligavam com Salvador; entre ela e o porto industrial de Aratu, uma frota de caminhões circulava noite e dia com automóveis prontos e peças de abastecimento.

No começo de 2021, no entanto, tudo isso acabou: a Ford fechou a fábrica. Hoje algumas das vias de acesso às antigas dependências já estão cobertas de vegetação. Nada indica que no futuro algo volte a ser produzido ali, não há interesse pelas instalações.

Em todo o Brasil ocorre como em Camaçari: o país perde sua indústria a grande velocidade, num processo que se acelerou com a estagnação econômica em 2014, e se agravou com a pandemia de covid-19. Um indício disso é a queda de produtividade na economia.

Agronegócio financia déficit industrial

Uma análise recém-publicada do instituto FGV Ibre mostra que entre 2014 e 2019 a produtividade brasileira minguou ainda mais rápido do que já vinha ocorrendo nas décadas anteriores. Tanto em relação à hora de trabalho quanto ao volume de mão-de-obra, o rendimento diminui de ano a ano.

Em 2021 essa tendência se acelerou ainda mais. Nas economias bem-sucedidas de todo o mundo, os lucros crescem com a aplicação de pesquisa e tecnologia na indústria: no Brasil, eles encolhem.

A perspectiva histórica demonstra essa tendência de modo especialmente crasso: a participação da agregação de valor industrial no produto interno bruto (PIB) nacional caiu um terço desde 1980, de 34% para 11%. Nessas cerca de quatro décadas, a indústria cresceu sempre em ritmo significativamente mais lento do que a economia como um todo.

O Brasil importa cada vez mais produtos industrializados para satisfazer a demanda local. O país pode se permitir isso, já que as exportações agrárias prosperam: os excedentes do agronegócio financiam os déficits da balança de bens industriais.

Muitos sequer tomam conhecimento dessa dinâmica. Somente com a pandemia ficou subitamente claro que o Brasil estava mal equipado para produzir vacinas próprias. Se, ainda 40 anos atrás, ele fabricava a metade dos fármacos utilizados pela população, hoje são apenas 5%.

Sequelas profundas para sociedade e política

Entre os motivos dessa desindustrialização está o fato de os governos protegerem a indústria nacional com tarifas e imposições alfandegárias. Além disso, a burocracia e o sistema fiscal  fazem as empresas estrangeiras desistirem de investir no país – tendência que os fracos prognósticos de crescimento ainda agravam. O real desvalorizado reduz as importações de maquinaria e tecnologia.

Para o Brasil, isso significa que sua indústria oferecerá postos cada vez menos especializados; pesquisa e desenvolvimento regridem; aumenta a lacuna entre os empregos bons e mais exigentes do setor, e a massa dos postos mal pagos e muitas vezes informais. Ao mesmo tempo, os produtos de manufatura nacional se tornam cada vez piores, mais velhos e caros, em comparação com os do mercado mundial.

Essa tendência de desindustrialização se manifesta por todo o mundo. Porém no Brasil só lentamente se percebe quão profundas são as mudanças que ela acarreta para a sociedade e a política.

Nos Estados Unidos, o ex-presidente Donald Trump conquistou votos em especial onde a população perdera seus empregos em fábricas obsoletas. Um fenômeno parecido deverá ocorrer no Brasil: escutando-se as declarações dos prováveis candidatos a presidente para 2022, há razão para temer que o processo de desindustrialização e simultâneo isolamento do mercado mundial vá se acelerar ainda mais no país.

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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.

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Tropiconomia

Há mais de 25 anos, Alexander Busch é correspondente de América do Sul para jornais de língua alemã. Ele estudou economia e política e escreve, de Salvador, sobre o papel no Brasil na economia mundial.