A pergunta "você sabe sambar?" já não ecoa com tanta frequência nos ouvidos brasileiros. As percepções musicais em torno do país mudaram, e ritmos como forró, afoxé e maracatu ganham cada vez mais espaço.
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Amazônia, futebol, carnaval e belas mulheres fazem parte do arsenal de clichês ligados ao Brasil. Os estereótipos variam de país a país e um deles estava sempre presente – o samba. Aparentemente não mais. Foi o baiano Dorival Caymmi a sentenciar que "quem não gosta de samba, bom sujeito não é". Mas, embora muitos ainda vibrem ao som das batidas cadenciadas, longe do Brasil, o ritmo que completa cem anos, e correu o mundo como um dos maiores símbolos do país, vem perdendo, em parte, seu gingado.
Após viver durante um ano na Europa, a editora de vídeo Mariana Benevello já está acostumada às perguntas curiosas sobre sua origem, idioma e cultura. Há quatro meses, porém, a carioca, de 27 anos, desembarcou em Los Angeles para um curso de cinema e se surpreendeu com a visão local acerca do Brasil. Na Califórnia, os clichês ligados à vida brasileira passam quase sempre pela natureza exuberante. Menções sobre música são raras, ao contrário do que acontecia na Europa.
"Achei bastante curioso. Quando vivi na Alemanha e dizia que era brasileira, as pessoas logo queriam falar sobre futebol. Aqui é sempre sobre a Amazônia, as praias selvagens e turismo. Eles ainda acham o Brasil um pouco exótico, muitos americanos ainda imaginam um país de florestas e mulheres bonitas de biquíni, como a Gisele Bündchen. Não me incomoda, mas confesso que às vezes não tenho muita paciência", diz Mariana.
Mudança no rastro do crescimento econômico
A pergunta "você sabe sambar?" já não ecoa com tanta frequência nos ouvidos brasileiros. E o motivo, alegam especialistas, é o maior acesso à informação e à cultura nacional – além do vasto intercâmbio cultural gerado pela última década de crescimento econômico, quando mais brasileiros, de diferentes regiões do país e diversos níveis sociais, tiveram, pela primeira vez, acesso ao exterior. Uma era de hegemonia das elites do eixo Rio-São Paulo-Brasília na propagação das artes e da cultura foi, finalmente, abalada.
Salgueiro toca na abertura do carnaval de Colônia
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"Diria que, claro, o samba ainda é um clichê atrelado aos brasileiros. Mas hoje, quando se fala em musicalidade brasileira fora do Brasil, não é apenas samba ou bossa nova. Fala-se sobre afoxé, maracatu, forró, de outros ritmos africanos, de capoeira e do estilo musical que ela traz. A música feita com instrumentos de percussão e tambores ganhou espaço. Em Berlim, por exemplo, há dezenas de escolas de música dedicadas a esses ritmos, todas comandadas por alemães", avalia o geógrafo Israel Valente, há nove anos radicado na capital alemã, de onde pesquisa a cultura afro-brasileira.
Segundo Valente, as percepções musicais em torno do Brasil mudaram, em parte, graças aos avanços econômicos dos anos 2000. Ele destaca o aumento da oferta de voos ligando a Europa à região nordeste e ao aumento do poder aquisitivo de parte da população brasileira que, pela primeira vez, pôde viajar ao exterior e contribuir com a propagação de distintas manifestações culturais oriundas de norte ao sul do país
"Existe um intercâmbio mais intenso. A força da nossa cultura está na diversidade. Não é que não se goste de samba, ou que ele tenha sido esquecido, mas felizmente abriu-se um leque de outras opções. Há, ainda, uma grande confusão conceitual. Muita gente no exterior até menciona o samba ao falar do Brasil, quando na verdade, está pensando apenas naquelas imagens exuberantes do carnaval no Rio de Janeiro. O samba, em sua essência, não é reconhecido como deveria", afirma o pesquisador.
"O carnaval, de certa forma, é problemático"
Em Israel, o gaúcho Itay Malo, de 33 anos, também percebe mudanças. Fã do ritmo, para ele, não resta dúvida de que o velho clichê do samba e do carnaval está perdendo a força. Há 15 morando em Tel Aviv, Malo conta que, nos últimos anos, o Brasil tem sido lembrado de outras formas. Os estereótipos clássicos se diluíram – ou foram trocados por outros, não necessariamente tão simpáticos, como a violência.
"Pelo menos aqui não somos aquela coisa exótica de antigamente. O Brasil não é mais um país distante, do outro lado do oceano, com mulatas e futebol. Ouço mais perguntas sobre as favelas, a pobreza e a violência. Hoje, quando digo ser brasileiro, as perguntas não são sobre sambar ou jogar bola. Perguntam-se se é verdade que no Brasil se rouba, mata e assalta. Infelizmente sou obrigado a dizer que sim", lamenta.
Mudança, aliás, é uma palavra-chave para o pesquisador musical americano Stephen Bocskay quando o assunto são clichês envolvendo o samba como patrimônio da cultura brasileira. Pós-doutorado em Letras e Cultura Brasileira pela Brown University, nos EUA, ele já deu aulas de Literatura, Música e Cinema Brasileiro em Harvard e na Cornell University e, hoje, é professor visitante na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Para Bocskay o samba não é compreendido na sua diversidade – nem mesmo no próprio Brasil, que renega as origens negras do ritmo.
"O carnaval, de certa forma, é problemático. É uma festa de interesses hegemônicos, um show visando ao lucro, principalmente no Rio. É esse o samba que virou símbolo cultural do Brasil. Existem muitas vertentes de samba, como o samba de terreiro, o partido alto, o pagode e outras. Falta uma abordagem crítica em torno da história e da importância do samba. O racismo estrutural no país não ajuda a entender o samba em sua plenitude", afirma Bocskay.
O que é típico brasileiro?
O Brasil tem muitas facetas. É difícil dizer que algo é tipicamente brasileiro. Mesmo assim, há características que chamam a atenção de quem é de fora. Veja o que jornalistas estrangeiros no Brasil acham dos brasileiros.
Foto: picture-alliance/dpa
O atraso faz parte do dia a dia
Ao marcar um encontro com um brasileiro, pode-se ter quase certeza de que ele vai se atrasar pelo menos alguns minutos, se não mais de uma hora. Isso é normal, e raramente alguém fica aborrecido. E, quando sabe que o outro não será pontual, você também se acostuma a chegar tarde: o atraso já é levado em conta. Resta a pergunta: Não seria mais fácil todo mundo aparecer no horário combinado?
Foto: Fotolia/olly
O famoso "jeitinho brasileiro"
O termo "jeitinho brasileiro" se refere à forma criativa de resolver problemas e superar obstáculos. Quando você pensa que já tentou de tudo, vem o brasileiro e acaba achando uma solução – por mais inconvencional que ela seja! Pena que, como tudo na vida, o jeitinho não é só usado para coisas boas.
Foto: Colourbox
Cerveja, só geladíssima
Para um brasileiro, a cerveja tem que estar "estupidamente gelada". E, enquanto em muitos outros países, cada um compra a sua garrafinha de 330 ml ou 500 ml, no Brasil as pessoas pedem uma garrafa grande e dividem a cerveja em copos. E, para admiração do turista, a garrafa é colocada num porta-cerveja para não esquentar. Algo impensável na Alemanha!
Foto: Getty Images/AFP/M. Hippenmeyer
Sem arroz e feijão não dá!
A paixão por arroz e feijão de quase todo brasileiro é um fenômeno engraçado. Muitos comem isso todo dia e, e mesmo quando há outras opções na mesa, se servem de arroz e feijão. O estrangeiro pensa: "Deve ser um instinto de sobrevivência!" Quando o brasileiro tem que passar um tempo sem o amado arroz e feijão, parece até que foi privado de uma necessidade básica.
Foto: picture-alliance/dpa/N. Tondini
Todo brasileiro sabe sambar
Na música brasileira há uma grande variedade de estilos: forró, sertanejo, axé... Mas, no exterior, o Brasil é famoso principalmente pelo samba. Pensa-se que todo brasileiro samba em todas as ocasiões festivas. Seja isso verdade ou não, o fato é que o samba é um dos maiores símbolos brasileiros e até virou produto de exportação. Há centenas de escolas de samba no Japão e na Europa.
Foto: Reuters/S. Moraes
O país do Carnaval
Quando se pensa no Brasil, para muitos a primeira coisa que vem à cabeça é o Carnaval. Pela televisão, a cada ano, espectadores do mundo inteiro admiram as imagens do Sambódromo com os dançarinos e suas fantasias espetaculares. Sem dúvida, o Carnaval é a maior festa popular do Brasil. Porém, de acordo com vários estudos, mais da metade dos brasileiros afirma não gostar muito de cair na folia.
Foto: Reuters/R. Moraes
Paciência e otimismo
É incrível a paciência e o otimismo que o brasileiro tem em relação ao futuro ou quando algo não funciona. Em vez de criar cenários sombrios, ele confia que "vai dar tudo certo" e espera até as coisas se ajeitarem. Um estudo do Instituto Gallup World Poll realizado em 138 países apontou que os brasileiros são o povo mais otimista do mundo.
Foto: imago/Schreyer
Comunicativos e alegres
Os brasileiros realmente sabem como aproveitar a vida: gostam de bater um papo, se reunir, fazer churrasco... É o jeito sociável e extrovertido deles que faz turistas e imigrantes amar o país. Mesmo que muitos brasileiros sejam assim, é claro que há exceções: pois ser comunicativo e alegre não é só uma questão da cultura, mas também de cada personalidade.
Foto: Fotolia/Andres Rodriguez
Educados até demais
O brasileiro é educado e não muito direto. Muitas vezes, prefere ficar calado para evitar irritação e embaraço. Ele não gosta de enfrentar situações desagradáveis e, por isso, às vezes se torna um desafio obter um claro "sim" ou "não" dele. Bom, ser educado não é ruim, mas, se for demais, atrapalha!
Foto: Imago/K. M. Höfer
Viciados em redes sociais
WhatsApp, Facebook, Snapchat. Quem tiver, por exemplo, amigos brasileiros e amigos alemães nas redes sociais, provavelmente vai notar uma diferença no comportamento online. Enquanto o alemão evita mostrar muito da vida privada na internet, o brasileiro é bastante ativo. Um estudo de 2012 apontou que os brasileiros são o povo mais viciado em Facebook.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Kahnert
Brasileiro é machista
Numa festa, uma mulher pode estar certa de que alguém vai flertar com ela se não tiver um namorado ao lado. Até certo ponto, tudo bem, mas em geral ele não se conforma com uma rejeição, ficando chato e insistente. Em situações assim, fica evidente que no Brasil há uma cultura de dominação masculina. Embora nos últimos anos já tenha mudado muito, o machismo ainda está impregnado na sociedade.
Foto: Fotolia/snaptitude
Democracia racial?
Seja descendente de italiano, alemão, japonês ou africano, no Brasil, todos vivem juntos e se sentem brasileiros em primeiro lugar. Em países europeus, onde a integração de imigrantes é difícil, isso parece um milagre. Só que, além da aparência, há sim desigualdade no Brasil. Estudos mostram que negros são discriminados. E a maioria dos pobres no Brasil são negros; e a maioria dos ricos, brancos.
Foto: Getty Images/AFP/Y. Chiba
Quem é a mais bela de todas?
Unhas perfeitas, visitas semanais ao salão de beleza, horas em frente ao espelho. A mulher brasileira adora cuidar do próprio corpo e se arrumar. Segundo um estudo internacional da empresa de cosméticos Avon, ela se importa mais com a aparência do que qualquer outra mulher no mundo.
Foto: picture-alliance/dpa
Orgulho e vergonha ao mesmo tempo
A atitude do brasileiro em relação à própria nacionalidade é um pouco paradoxal: por um lado, ele adora o país, tem orgulho da cultura, da natureza, de tudo. Por outro lado, nota-se certo "complexo de vira-lata". É uma expressão criada pelo escritor Nelson Rodrigues, que significa que o brasileiro se acha inferior em comparação com outras nacionalidades e não tem muita fé no próprio país.