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O colapso no oceano que pode gerar "era do gelo" na Europa

15 de dezembro de 2025

Sistema de correntes que aquece o Atlântico Norte pode atingir um ponto de inflexão nas próximas décadas, abrindo caminho para um colapso que congelaria partes do continente e provocaria desertificação em outras regiões.

Neve em estrada próxima a Edimburgo
Cidades como Edimburgo poderiam enfrentar temperaturas de 30 graus negativosFoto: Lesley Martin/REUTERS

Um colapso do sistema de correntes oceânicas que aquece o hemisfério norte pode levar a Europa a ser palco de uma "pequena era do gelo" antes do esperado. A conclusão é de um estudo coordenado por cinco institutos internacionais de pesquisa sobre o clima que foi publicado na revista Environmental Research Letters.

Segundo a pesquisa, a Circulação Meridional de Revolvimento Meridional do Atlântico (Amoc), que também inclui a Corrente do Golfo, pode entrar em colapso completo após o ano de 2100 se as emissões de gases do efeito estufa continuarem altas.

A Amoc é um fenômeno crucial para manter o clima do noroeste da Europa mais ameno que, por exemplo, regiões do Canadá na mesma latitude. Um eventual colapso não só provocaria invernos bem mais extremos na Europa como reduziria a umidade que chega ao continente, provocando secas no verão, além de deslocamentos nas faixas de precipitação tropical.

O resultado esperado é de desertificação em algumas regiões e temperaturas abaixo de 30 graus negativos em outras.

Em seu último relatório publicado há quatro anos, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) ainda estava "moderadamente confiante" de que o sistema não entraria em esgotamento neste século. Este também foi o achado do serviço nacional de meteorologia do Reino Unido, em análise publicada no início de 2025.

Contudo, a nova pesquisa liderada pelo Serviço Meteorológico Real dos Países Baixos, indica que a circulação do Atlântico Norte, capaz de regular o clima em todo o planeta, vai desacelerar drasticamente até o fim do século e atingir seu ponto crítico já nas próximas décadas, adiantando os efeitos esperados de seu colapso.

"Nas simulações [feitas pela pesquisa], o ponto de inflexão nos mares-chave do Atlântico Norte geralmente ocorre nas próximas décadas, o que é muito preocupante", afirma Stefan Rahmstorf, chefe do departamento de Análise do Sistema Terrestre do PIK e coautor do estudo.

"Após o ponto de inflexão, o desligamento da Amoc torna-se inevitável devido a um mecanismo de retroalimentação. O calor liberado pelo extremo Atlântico Norte então cai para menos de 20% do valor atual e, em alguns modelos, quase a zero", diz o Instituto de Potsdam para Pesquisa sobre Impacto Climático, outro responsável pela pesquisa publicada no final de agosto.

Segundo Sybren Drijfhout, autor principal do estudo, em todos os cenários analisados de altas emissões, o esgotamento completo do sistema oceânico após 2100 é inevitável, já que ele pode ocorrer a partir de 50 anos do ponto de inflexão. "Isso mostra que o risco de colapso é mais sério do que muitas pessoas imaginam", diz.

Islândia trata mudanças na corrente oceânica como "ameaça existencial"Foto: Elisabeth Schmidbauer/imageBROKER/picture alliance

Como funciona a Amoc

A Amoc é um dos sistemas de corrente oceânicas mais importantes do planeta, pois transporta calor e regula o clima. Tomada como um motor climático, sua principal função é levar água quente dos trópicos para o Atlântico Norte pela superfície, devolvendo a água fria em grandes profundidades, como uma "esteira transportadora" de calor.

Com o aumento das temperaturas globais causadas por emissões de gases do efeito estufa, o oceano deixa de eliminar o calor transportado pelas correntes durante o inverno, porque a atmosfera já não é suficientemente fria.

"Isso começa a enfraquecer a mistura das águas oceânicas: a superfície do mar permanece mais quente e leve, tornando-se menos propensa a afundar e se misturar com águas mais profundas. Isso enfraquece a Amoc, resultando em menos água quente e salgada fluindo para o norte", diz o estudo.

Sem a troca de calor com a atmosfera, as consequências esperadas são uma desertificação na Europa e queda de temperaturas generalizadas no hemisfério norte. O principal impacto é sobre a Corrente do Golfo, conhecida como o "aquecedor da Europa".

Mesmo antes do colapso da Amoc, uma pequena redução das temperaturas distribuídas pela corrente já teria consequências dramáticas para a região, dizem os pesquisadores. Este também foi o achado de uma pesquisa publicada na revista Nature, em 2023. 

 

Simulações até 2500

Para chegar a esses resultados, a equipe de pesquisa analisou simulações com base em 38 diferentes modelos climáticos, incluindo o modelo de comparação usado pelo IPCC, com horizontes temporais estendidos até os anos de 2300 a 2500.

Segundo o Instituto Potsdam, em todas simulações de altas emissões, os modelos evoluem para uma circulação mais fraca e rasa das correntes, com a mistura mais profunda das águas se desligando.

"Em todos os casos, essa mudança segue um colapso da convecção profunda nos mares do Atlântico Norte", diz o estudo. O mesmo resultado foi encontrado em simulações com base em emissões intermediárias e até baixas de gases – nesse caso, o risco de desligamento da bomba de calor do Atlântico é de 25%.

"Decisivo é que a convecção profunda em muitos modelos já entra em colapso na próxima década, este é o ponto de inflexão que empurra a Amoc setentrional para um declínio terminal do qual levará séculos para se recuperar, se é que isso ocorrerá", diz o texto.

Nas simulações, o ponto de inflexão pode ser atingido nos mares de Labrador, Irminger e Nórdico. Eles alcançam diretamente países como Canadá, Dinamarca (Groenlândia), Islândia, Noruega e Rússia.

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Derretimento do gelo agrava o problema

Outro problema que pode agravar o impacto até o final do século é o derretimento de gelo devido ao aquecimento da atmosfera, que faz com que as águas do Atlântico Norte fiquem menos salgadas e, assim, menos densas.

O resultado é um enfraquecimento ainda maior da Amoc. A variável não foi considerada pelos estudos, o que faz com que os cientistas acreditem que o colapso real da corrente esteja ainda mais iminente.

"Um enfraquecimento drástico e o desligamento desse sistema de correntes oceânicas teriam consequências severas em escala mundial", destaca o pesquisador do PIK, Rahmstorf.

"Nos modelos, as correntes se extinguem completamente entre 50 e 100 anos após o ponto de inflexão ser ultrapassado. Mas isso pode subestimar o risco: esses modelos não incluem a água doce extra proveniente da perda de gelo na Groenlândia, que provavelmente pressionaria o sistema ainda mais. É por isso que é crucial reduzir as emissões rapidamente. Isso diminuiria muito o risco de um colapso da Amoc, embora já seja tarde demais para eliminá-lo completamente."

Mudanças na corrente marítima que leva calor ao hemisfério norte pode levar a desertificação no verão e "era do gelo moderna" no invernoFoto: Isabela Le Bras/AP/picture alliance

"Pequena era do gelo"

Segundo um relatório posterior divulgado em outubro pela Universidade de Exeter e assinado por mais de 160 cientistas em 23 países, o colapso da Amoc mergulharia o noroeste da Europa em uma "pequena era do gelo".

Eles descreveram como o gelo marinho de inverno cobriria o Mar do Norte, as temperaturas poderiam cair até menos 30 graus na Escócia e Londres teria três meses congelados por ano, em contraste com ondas de calor extremas no verão.

A Amoc já entrou em colapso no passado, antes da última Era do Gelo, há cerca de 12 mil anos. "É uma ameaça direta à nossa resiliência e segurança nacional", disse o ministro do Clima da Islândia, Johann Pall Johannsson, à agência de notícias Reuters. "(Esta) é a primeira vez que um fenômeno climático específico foi formalmente levado ao Conselho de Segurança Nacional como uma potencial ameaça existencial."

As consequências atingiram também países da África e da América do Sul, pois a corrente do Atlântico Norte desestabilizaria padrões de chuva em todo o mundo.

gq (Reuters, DPA, ots)

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