Ex-presidente acusa Temer e seus aliados mais próximos de "assaltarem o país". Desde novembro, ela tem dado entrevistas seletivas, e tom das críticas ao atual governo sobe gradualmente.
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Seis meses depois de ter sido afastada do cargo por impeachment, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) segue reiterando que foi vítima de um golpe parlamentar e está cada vez mais direta em seus ataques e críticas ao então vice e agora presidente, Michel Temer (PMDB).
Em entrevista ao jornal Valor Econômico, publicada nesta sexta-feira (17/03), Dilma acusa Temer e seus aliados diretos, do PMDB, de corrupção. O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB) é definido por ela como "um gângster inteligente", com o qual Temer tem forte cumplicidade. O presidente da República é, segundo a visão da petista, um homem "extremamente frágil, fraco e completamente medroso".
"Eduardo Cunha e eles assaltam o país. Assaltam. Do verbo assaltar. Além de outras coisas, né? Ele (Temer) tem uma postura, em relação a direitos, coletivos e individuais, extremamente sectária." Na entrevista ao jornal, a presidente ainda afirma categoricamente que Moreira Franco, atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência e que, na gestão da petista, coordenava a Secretaria de Aviação Civil, foi afastado do cargo a pedido dela para evitar desvio de recursos.
"O gato angorá [Moreira Franco] tem uma bronca danada de mim porque eu não o deixei roubar na Secretaria de Aviação Civil. Chamei o Temer e disse: 'Ele não fica. Não fica!'" Gato angorá é o codinome de Moreira Franco dado por ex-executivos da Odebrecht nas delações premiadas da Operação Lava Jato, em referência a seus cabelos grisalhos.
Cumplicidade com Cunha
A petista alega que nem ela, nem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e nem o PT sabiam que "o nível de cumplicidade" de Temer com Cunha "era tão grande". Dilma não cita diretamente a Operação Lava Jato, mas assegura que as investigações têm deixado mais transparentes as relações entre Cunha e Temer. Menciona como prova disso as 19 perguntas que Cunha destinou a Temer em inquérito sobre desvios na Caixa Econômica Federal que tramita na Justiça Federal de Brasília.
O ex-deputado arrolou Temer como testemunha. "Lá está Eduardo Cunha dizendo que quem roubava na Caixa Econômica Federal, no FGTS, é o Temer. Leia, minha filha. Não tenho acesso às delações, mas sei o que é um roteiro. E lá está explícito o roteiro da delação de Eduardo Cunha. Explícito. Alguém não sabe que o Cunha está dizendo que não foi o Yunes, mas o Temer?", disse Dilma ao Valor.
Após desqualificar Temer e o séquito de peemedebistas que hoje controlam o governo, Dilma tentou explicar a aliança do PT com figuras que ela hoje desqualifica. "Saber quem eles são, nós sabemos. Não tenho a menor dúvida de quem é Padilha e Geddel [Vieira Lima, ex-ministro da Secretaria de Governo]. Convivi sabendo quem eram. Sabia direitinho. Inclusive uma parte do que sou e da minha intolerância é porque eu sabia demais quem eles eram." Porém, como justificativa, a ex-presidente disse que "saber demais não significa que você é capaz de impedir algumas coisas".
Cruzada internacional
No final do ano passado, Dilma começou a conceder entrevistas a veículos de comunicação, seletivamente. Costuma dar preferência à mídia internacional. Na primeira vez que falou após o impeachment, em novembro do ano passado, evitou tecer comentários sobre Temer e Cunha, numa conversa publicada na Folha de S.Paulo.
No mês seguinte, em entrevista à emissora Al Jazeera, do Catar, verbalizou que foi tirada do poder por um "golpe parlamentar institucional" que tinha dois objetivos: "Impedir que as investigações sobre corrupção chegassem até esses que hoje ocupam o poder e implantar no Brasil o resto de liberalização econômica, privatização e flexibilização do mercado de trabalho. E retirar completamente os pobres do orçamento".
Sempre que questionada sobre delitos de corrupção em seu governo e sob o comando de figuras do PT, a ex-presidente enfatiza que não foi afastada por ilícitos e que não foi conivente com desvios. À Al Jazeera disse que não anteciparia julgamentos dos colegas petistas presos na Lava Jato.
A ex-presidente passou, então, a participar de encontros internacionais em que reitera a afirmação de ter sido retirada do poder por golpe orquestrado por parlamentares, aliados com segmentos do Judiciário.
No final de janeiro, na Espanha, quando foi convidada a participar de um seminário internacional, voltou a bradar que o governo Temer é ilegítimo e defendeu que o PT passasse por uma autocrítica. "Os partidos não podem acabar quando se detecta que uma ou outra pessoa se envolveu com corrupção”, declarou numa entrevista coletiva.
Foi em fevereiro, em entrevista à Agência France-Presse (AFP), em Brasília, que Dilma admitiu pela primeira vez que podedisputar uma vaga ao Senado ou até mesmo na Câmara em 2018. Agora, ao Valor, admitiu que não se trata de um plano já traçado e tampouco de uma prioridade. "Falei aquilo para depois, se mudar de ideia, não ser cobrada."
No início de março, na Suíça, onde participou de eventos internacionais, a ex-presidente admitiu que errou, mas na seara econômica. "Cometi, sim, um erro. Fiz uma grande desoneração tributária, reduzi brutalmente impostos. Acreditei, de certa forma, numa avaliação de que os empresários investiriam mais." A tese foi reiterada na entrevista ao Valor.
Dilma viajará para os Estados Unidos no mês que vem. Foi convidada para palestras nas universidades de Harvard, Columbia, Princeton e Brown.
A cronologia do processo de impeachment
Em dezembro de 2015, Eduardo Cunha dava início ao processo de impeachment da então presidente da República. De "carta-desabafo" à cassação de Dilma Rousseff, relembre os episódios que marcaram o julgamento.
Foto: Reuters/J. Marcelino
O aval
Em 2 de dezembro de 2015, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, autorizou a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. A decisão foi tomada no mesmo dia em que a bancada do PT anunciou que votaria pela continuidade do processo de cassação de Cunha no Conselho de Ética, acirrando uma crise política já inflamada no Brasil.
Foto: Getty Images/AFP/Evaristo Sa
Motivo: "pedaladas fiscais"
No mesmo dia, em pronunciamento público, Dilma disse ter recebido "com indignação" a notícia. O pedido de impeachment – apresentado em outubro pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal – acusa a presidente de cometer crime de responsabilidade fiscal, com base na reprovação das contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União, incluindo as chamadas "pedaladas fiscais".
Foto: picture-alliance/dpa
O dia seguinte
Dilma foi notificada oficialmente da abertura do processo em 03/12, logo após Cunha (foto) ler a decisão em plenário. O presidente determinou ainda a criação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados para analisar o pedido de impeachment. Na mesma data, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou duas ações – uma do PT e outra do PCdoB – que tentavam barrar o processo de afastamento de Dilma.
Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados
A carta de Temer
Em 07/12, o vice-presidente Michel Temer enviou uma "carta-desabafo" a Dilma, em que expressa mágoas por ter sido, desde o primeiro mandato, um mero "vice decorativo". Ele diz ainda ter "ciência da absoluta desconfiança" da presidente. Especialistas interpretaram o texto como um rompimento de Temer com Dilma – lembrando que é ele quem assume a presidência caso ela sofra o impeachment.
Foto: AFP/Getty Images/E. Sa
Próximo passo: a comissão
O trâmite do processo exige a formação de uma comissão especial, com 65 deputados titulares e igual número de suplentes, indicados por líderes partidários, em quantidade proporcional ao tamanho de cada bancada – é obrigatória a participação de todas as legendas da Casa. Essa comissão dará um parecer pela abertura ou não do processo, que depois irá a plenário.
Foto: Luis Macedo /ABr
Tumulto na Casa
Em 08/12, a Câmara dos Deputados se reuniu pela primeira vez para definir a comissão especial, em votação secreta marcada por tumulto e quebra-quebra. Concorriam duas chapas: uma formada por deputados simpáticos ao governo, e outra oposicionista, favorável à saída da presidente. Venceu a chapa da oposição, com 39 membros, e uma votação suplementar seria realizada para escolher os nomes restantes.
Foto: Antonio Augusto /ABr
Processo suspenso
Essa votação, porém, nunca foi realizada. Ainda na noite de 08/12, o STF suspendeu a tramitação do processo, impedindo temporariamente a instalação da comissão especial. O plenário da Corte decidiu julgar um pedido liminar do PCdoB sobre a constitucionalidade da lei que regulamenta as normas de julgamento de impeachment. O partido criticou, por exemplo, o voto secreto na escolha da comissão.
Foto: EVARISTO SA/AFP/Getty Images
Novo rito de impeachment
Quase dez dias depois, em 17/12, o plenário do STF determinou algumas mudanças no rito de impeachment, que em sua maioria favoreceram a presidente. Os ministros decidiram conceder maior poder ao Senado na análise do afastamento; determinaram que não cabe voto secreto, nem formação de uma chapa alternativa para compor a comissão; mas negaram o pedido do PCdoB de afastar Cunha do processo.
Foto: Roberto Stuckert Filho
Recesso parlamentar
Para angústia do governo – que chegou a sugerir o cancelamento da pausa parlamentar de janeiro –, a análise do processo de impeachment entrou em hiato no fim de dezembro e assim permaneceu até 2 de fevereiro, quando os parlamentares voltaram do recesso. Segundo Cunha, a expectativa era de votar a comissão especial e concluir o processo na Câmara até março, para seguir para julgamento no Senado.
Foto: picture-alliance/Lou Avers
STF analisa embargos
O teor do acórdão em que o STF considera inconstitucionais alguns aspectos do processo de eleição da comissão especial da Câmara foi publicado em 08/03. No mesmo dia, a Câmara reapresentou os questionamentos e pediu a revisão do rito de impeachment pelos ministros do Supremo. Em votação realizada em 16/03, porém, a Corte rejeitou os recursos de Cunha e decidiu manter o rito definido em dezembro.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Comissão está formada
A comissão especial, responsável por analisar o pedido de impeachment na Câmara, foi finalmente formada em 17/03, com deputados indicados pelos próprios líderes partidários. O relator da comissão é Jovair Arantes, líder do PTB na Casa e um dos principais aliados de Eduardo Cunha; e o presidente é Rogério Rosso, líder do PSD na Câmara.
Foto: G.Lima/Câmara dos Deputados
Trabalhos da comissão
Em 30/3, os membros da comissão ouviram dois autores do pedido de impeachment: os juristas Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal. No dia seguinte, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, foi ouvido como testemunha de defesa. No dia 4/4, o ministro José Eduardo Cardozo, da Advocacia-Geral da União, entregou a defesa escrita da presidente e fez a sustentação oral.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Comissão instaura processo
Parlamentares da comissão especial do impeachment votaram no dia 11/04 pela abertura do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff, em sessão marcada por troca de insultos. O placar sobre o parecer do relator Jovair Arantes (PTB-GO) foi de 38 votos a favor e 27 contra.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
A votação na Câmara
Com o parecer admitido pela comissão especial, o processo seguiu para votação no plenário da Câmara dos Deputados. No dia 17/04, em sessão tumultuada e acalorada, os parlamentares decidiram pela continuidade do processo de impeachment, com 367 votos a favor e 137 contra – eram necessários 342 votos favoráveis para a aprovação. A questão segue agora para análise no Senado.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Comissão especial de senadores
Dois dias após a apresentação do parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB-MG, foto), favorável ao afastamento de Dilma, a comissão especial do Senado aprovou, em 06/05, a continuidade do processo de impeachment. Dos 21 senadores, 15 votaram pela aprovação, e apenas cinco votaram contra – três do PT, um do PCdoB e outro do PDT. O presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), não votou.
Foto: Agência Brasil/F. Rodrigues Pozzebom
Anulação da votação
Em 09/05, o presidente interino da Câmara, deputado Waldir Maranhão (PP-MA) – que assumiu o comando da Casa após o afastamento de Eduardo Cunha –, anulou a votação do processo de impeachment realizada na Câmara semanas antes. Horas depois, no mesmo dia, Maranhão voltou atrás na decisão, provocando euforia entre os parlamentares governistas. Votação no Senado aconteceria em apenas dois dias.
Foto: Imago/Zumapress
Senado aprova afastamento da presidente
Em 12/05, após uma sessão de mais de 20 horas, o Senado aprovou por clara maioria a continuidade do processo de impeachment de Dilma. Foram 55 votos a favor do impedimento e 22 contrários. Após o aval dos senadores, a presidente fica afastada por 180 dias, enquanto é julgada, e o vice Michel Temer assume a presidência interinamente.
Foto: Getty Images/M.Tama
Relator defende julgamento final
Em seu relatório final sobre o processo de impeachment, apresentado em 02/08, o relator e senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) defendeu que Dilma vá a julgamento final pelo crime de responsabilidade fiscal. Anastasia argumentou que a presidente afastada abriu créditos suplementares sem autorização do Congresso Nacional e praticou as chamadas pedaladas fiscais.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Comissão aprova relatório
Em 04/08, a Comissão Especial do Impeachment no Senado aprovou o relatório do senador Anastasia, favorável ao prosseguimento do processo de impeachment contra Dilma. Dos 21 senadores que compõem a comissão, 15 votaram a favor da continuação do processo, e cinco, contra. Com isso, a comissão encerrou os trabalhos. O relatório seguiu para votação por todos os 81 senadores.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Senado decide levar Dilma a julgamento
Em 10/08, os senadores decidiram, por 59 votos contra 21, levar Dilma a julgamento. A maioria dos senadores seguiu o parecer do relator Anastasia, cujo relatório havia sido aprovado pela comissão especial do impeachment. O resultado indica que Dilma terá dificuldade para reverter seu afastamento definitivo na votação final. Para a condenação são necessários 54 votos.
Foto: Reuters/A. Machado
Iniciada fase final do processo
O Senado deu início à fase final do processo de impeachment no dia 25/08, quase nove meses após sua abertura. O primeiro dia de audiência teve mais de 15 horas de duração e foi marcado por bate-boca entre petistas e senadores favoráveis à saída definitiva de Dilma. O julgamento, que começou com os depoimentos de testemunhas, é comandado pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Discurso de defesa de Dilma
Em 29 de agosto, a presidente afastada Dilma Rousseff apresentou sua defesa da acusação de crime de responsabilidade no Senado. Em sua fala, a petista garantiu que sempre seguiu a Constituição, lembrou os tempos da ditadura militar, usou repetidas vezes o termo golpe e reiterou sua luta pela democracia. "Jamais haverá justiça na minha condenação", afirmou.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Dilma é cassada pelo Senado
Na votação final do processo de impeachment, o Senado decidiu, em 31/08, afastar em definitivo Dilma da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis ao impeachment e 20 contrários – eram necessários 54 para a cassação. Todos os 81 senadores participaram da sessão. Em segunda votação, porém, os parlamentares decidiram por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.