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O coronavírus pode afetar a economia da América do Sul?

17 de fevereiro de 2020

O surto de Covid-19 reduz ainda mais o otimismo com a economia mundial. Para muitos países da América Latina, a China é mais importante que a Europa e os EUA. Como uma recessão causada pelo vírus poderia prejudicá-los?

Soja brasileira é descarregada no porto de Nantong, na China
Brasil e Peru enviam mais de um quarto de todas as suas exportações para os chinesesFoto: Getty Images/AFP

As perspectivas para a economia global em 2020 já não são promissoras, escreve a diplomata das Nações Unidas Alicia Bárcena, no blog Latin America Advisor, do observatório The Dialogue, de Washington. As razões para isso incluem as tensões crescentes no Oriente Médio e o conflito comercial em curso entre China e Estados Unidos. Agora, a epidemia do coronavírus causador da doença Covid-19 ofusca ainda mais essas perspectivas. "O crescimento da China, que deve ficar abaixo de 6% – o menor em 30 anos –, será ainda mais prejudicado pelo surto de coronavírus."

Somente as férias prolongadas do Ano Novo chinês podem custar à China 3% do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre, estima Jörg Krämer, economista-chefe do Commerzbank, citado pelo jornal alemão Handelsblatt. Ainda não é possível prever até que ponto a crise do novo coronavírus afetará a economia da China à medida que a doença se espalha.

Se as linhas de montagem na China permanecerem paradas por um longo período, menos produtos serão produzidos, e haverá uma demanda menor por matérias-primas. E isso afeta o mundo inteiro, enfatiza Amrita Narlikar, presidente do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), de Hamburgo.

"Nós já vimos como a economia chinesa, o tráfego aéreo e as cadeias de fornecimento globalmente integradas foram interrompidas", relata Narlikar. "É claro que isso tem consequências para a economia global e, certamente, para a América Latina."

Mas também está claro que alguns países seriam mais afetados do que outros, afirma o sociólogo Stefan Schmalz, da Universidade de Jena, no Leste alemão. "Se a China produz menos, será possível notar efeitos maiores na América do Sul do que em outras regiões do mundo."

Isso fica evidente observando a divisão norte-sul na América Latina: a economia do México está completamente focada nos Estados Unidos. Por outro lado, o Chile fornece um terço das suas exportações para a China, mas apenas cerca de 14% para a União Europeia e 14% para os EUA. 

Para os dez maiores países da América do Sul, a China é o maior ou o segundo maior fornecedor de produtos. O gigante asiático também é um mercado essencial para quase todos os países da região: Brasil e Peru, por exemplo, enviam mais de um quarto de todas as suas exportações para os chineses.

Um declínio na demanda chinesa não poderia ser simplesmente absorvido por outros parceiros comerciais na América do Norte ou na Europa, afirma Schmalz. "São estruturas que se formaram nos últimos dez ou 20 anos e que não conseguem ser facilmente rompidas."

Isso porque as relações transpacíficas não se referem apenas ao comércio. Desde 2005, a China emprestou mais de 140 bilhões de dólares a países latino-americanos – aproximadamente a mesma quantia emprestada a nações africanas. O país é também um forte investidor, com empresas chinesas, por exemplo, tendo participações em projetos públicos e privados.

"Os EUA e a Europa estão fazendo muito pouco para oferecer a esses países alternativas atraentes à China", afirma Narlikar, do Giga. Isso se aplica à América Latina, considerada o antigo "quintal" dos Estados Unidos, bem como à África e até mesmo aos países europeus emergentes. "E não se trata apenas de dinheiro e livre-comércio. Mais importante seria estabelecer uma narrativa que explique por que o modelo econômico ocidental tem mais a oferecer a esses países do que o chinês."

O distanciamento entre a América Latina e o Ocidente é evidente nas negociações de um acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul, que já dura 20 anos. O último fracasso foi em setembro de 2019 devido à resistência da Áustria e da França, que denunciaram a exploração excessiva da natureza por parte dos países do bloco sul-americano. Estas nações, por sua vez, consideram isso uma desculpa: na realidade, os países europeus querem – mais uma vez – proteger sua própria agricultura da concorrência, alegam.

Isso não é apenas um reflexo da vontade cada vez menor dos países em desenvolvimento de se submeterem aos ditames dos países industrializados, mas também do resultado de disputas internas entre as muitas partes envolvidas – tanto na União Europeia como no Mercosul. Isso facilita a China, que, sob a liderança de seu partido único, pode e atua de forma mais pragmática.

Mas essa não é a única razão pela qual uma reorientação da América do Sul parece improvável devido a uma fraqueza temporária na demanda chinesa. No geral, os países do subcontinente têm uma ligação bastante fraca com o mundo. Mesmo no Chile, que tem uma economia tradicionalmente aberta, a taxa de exportação está ligeiramente abaixo da média global de 30%. No Brasil e na Argentina, ela é menor que 15%; já na União Europeia, é 45%.

Para os países do Mercosul e nações associadas, a demanda nacional e regional provou ser uma âncora da estabilidade, afirma Jéssica Gomes, especialista em Mercosul no Giga. "O comércio dentro do bloco tem sido substancial nos últimos anos." Muitas economias da região sofreram menos com a crise econômica mundial de 2008 do que a UE, por exemplo.

Portanto, Gomes não vê grande problema, pelo menos para o Mercosul, em uma possível recessão por causa do surto de coronavírus na China. "Para isso ocorrer, a China teria que entrar literalmente em colapso." Mas, se isso acontecer, a América do Sul não seria a única encrencada.

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