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O crepúsculo de Sergio Moro

6 de setembro de 2022

Distante da popularidade dos tempos de Lava Jato, ex-juiz amarga desvantagem até em disputa por vaga ao Senado. Campanha reforça antipetismo e tenta se reaproximar de Bolsonaro, de olho em eleitores da direita.

Sergio Moro
Sergio Moro acumulou reveses nos últimos três anos e agora enfrenta dificuldades para vencer pleito até mesmo no ParanáFoto: Silvia Izquierdo/picture- alliance/AP Photo

Em novembro de 2021, quando ensaiou o lançamento da sua pré-candidatura à Presidência, Sergio Moro foi saudado por aliados e alguns setores da imprensa brasileira ainda nostálgicos dos anos bombásticos da Lava Jato como uma figura que poderia romper com a "polarização" entre o social-democrata Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente de extrema direita Jair Bolsonaro. 

No auge da operação Lava Jato, o então juiz chegou a atingir níveis de aprovação nacional superiores a 60%. Em seu primeiro ano como ministro da Justiça, sua popularidade ultrapassava a do próprio presidente Bolsonaro.

No entanto, pouco menos de um ano depois do anúncio da sua pré-candidatura à Presidência, Moro não só viu sua ambição de chegar ao Planalto naufragar sem nunca ter deslanchado nas pesquisas, como também enfrenta dificuldades até para conquistar o que poderia ser seu último prêmio de consolação para se manter na política: uma cadeira no Senado pelo Paraná, estado tradicionalmente conservador e que foi o berço da Lava Jato.

Esse é só o mais recente de uma série de reveses que Moro sofreu nos últimos três anos, que também incluíram as revelações da "Vaza Jato", a saída tumultuada do governo Bolsonaro, a anulação de casos da operação e o reconhecimento da suspeição do ex-juiz para julgar Lula.

A última pesquisa Ipec (antigo Ibope) no Paraná aponta que Moro está 11 pontos atrás do atual senador Alvaro Dias (Podemos), um antigo aliado do ex-ministro e que busca um quarto mandato consecutivo. Dias, um político veterano que entre 2014 e 2018 colou sua imagem à Lava Jato, conta com 35% das intenções de voto, contra 24% do ex-juiz natural de Maringá.

Num sinal do isolamento de Moro em seu próprio estado natal, até mesmo o ex-procurador Deltan Dallagnol, que concorre a uma vaga de deputado federal, declarou apoio a Alvaro Dias, seu colega de partido. "Precisamos de mais pessoas como Alvaro Dias na política", disse Dallagnol em um vídeo.

O mesmo aconteceu recentemente com velhos aliados, como o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que foi um dos entusiastas da candidatura presidencial de Moro, e o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Ambos também gravaram vídeos de apoio a Dias. Sem laços com as elites políticas do estado, Moro ainda tem visto diversos prefeitos de cidades importantes do Paraná declararem apoio à reeleição do seu rival.

A desvantagem na pesquisa não é o único problema enfrentado pelo ex-ministro. Após ver sua pré-candidatura à Presidência ser limada e acabar barrado de disputar cargos eletivos em São Paulo por irregularidades na transferência do seu domicílio eleitoral, o ex-juiz, que se notabilizou por ordenar operações estrondosas contra investigados da Lava Jato, tornou-se alvo de uma ordem de busca e apreensão. No último fim de semana, foi a vez de membros da Justiça Eleitoral baterem na porta do apartamento de Moro em Curitiba pela manhã, após uma denúncia de irregularidades na confecção de santinhos de campanha.

As dificuldades de Moro têm levado o ex-juiz a redobrar uma estratégia que começou a ser desenhada ainda no final do primeiro semestre: apostar em ataques a Lula e ao PT e se reaproximar de Jair Bolsonaro para tentar conquistar uma fatia do eleitorado de direita no Paraná. 

No entanto, num estado em que os candidatos ao Senado costumam se concentrar em temas locais e no máximo direcionarem ataques a algum governador de outro partido, o discurso "nacional" de Moro não parece estar surtindo efeito desejado. Mesmo suas publicações parecem reciclar ideias da sua fracassada pré-candidatura presidencial, com slogans como "propostas para mudar o Brasil" e poucas menções diretas a questões do estado que pretende representar no Senado.

Reaproximação com bolsonarismo

Sergio Moro deixou de forma tumultuada o governo em abril de 2020, acusando o presidente Bolsonaro de interferir politicamente no comando da Polícia Federal e em inquéritos que envolviam a família do chefe de Estado. O ex-aliado do clã Bolsonaro logo passou a ser alvo de ataques da máquina de propaganda do presidente nas redes sociais, ganhando a pecha de "traidor" entre a extrema direita bolsonarista.

Em novembro de 2021, ensaiou uma pré-candidatura à Presidência. No discurso de lançamento, distribuiu críticas tanto ao PT quanto a Bolsonaro, mencionando o escândalo das rachadinhas que paira sobre a família presidencial, numa tentativa de se pintar como uma "terceira via", embora muitas das suas falas demonstrassem alinhamento com a cartilha da ultradireita bolsonarista.

No primeiro semestre de 2022, Moro continuou a tentar traçar equivalências entre o presidente e políticos do PT, classificando ambos como "extremos" e afirmando que a eleição de Lula ou Bolsonaro seria "suicídio". No entanto, a partir de maio, quando viu sepultados seus planos de se lançar à Presidência, o ex-juiz cessou completamente qualquer menção negativa a Bolsonaro nas redes sociais. 

A tendência continuou quando Moro viu frustrada sua intenção de concorrer ao Senado por São Paulo, sendo obrigado a se contentar em disputar uma vaga pelo Paraná, estado cuja maioria do eleitorado pendeu para Bolsonaro na disputa presidencial de 2018 – embora Lula esteja diminuindo significativamente a desvantagem na região em 2022, aparecendo tecnicamente empatado com o presidente, segundo pesquisa Ipec de 23 de agosto.

No entanto, o silêncio sobre Bolsonaro logo evoluiu para uma tentativa de reaproximação com o presidente. Em junho, Moro minimizou as acusações que havia feito contra Bolsonaro em uma entrevista, afirmando que jamais disse que o presidente "havia cometido crime".

Na segunda quinzena de agosto, quando pesquisas deixaram claro suas dificuldades no Paraná, Moro passou a ser mais explícito na sua forma de cortejar o voto bolsonarista. "Jamais estarei ao lado do PT e de Lula, você pode escrever na pedra. Em relação ao Bolsonaro, uma coisa eu posso te dizer: Nós temos o mesmo adversário", disse Moro.

Bolsonaro e Moro em 2019. Após rompimento, ex-ministro tenta cortejar eleitores bolsonaristasFoto: Imago Images/Fotoarena/R. Buhrer

No mesmo mês, a campanha de Moro procurou o ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, para pedir que ele gravasse um vídeo de apoio à campanha do ex-juiz, mas não obteve sucesso, segundo o G1.

Os gestos de Moro tampouco parecem ter sensibilizado o clã Bolsonaro. Em junho, o deputado Eduardo Bolsonaro chamou o ex-juiz de "pato" e criticou o fato de Moro continuar com sua pregação contra a corrupção após ter se filiado ao União Brasil, partido que tem figuras que já protagonizaram escândalos. O clã também já tem candidato ao Senado no Paraná: o deputado bolsonarista Paulo Eduardo Martins (PL), que aparece com 4% das intenções de voto.

Nesta quinta-feira (06/09), em entrevista à rádio Jovem Pan, Bolsonaro até criticou a operação de busca e apreensão contra Moro na semana passada, classificando a ação como "covardia" contra o ex-juiz. Por outro lado, o presidente intercalou a fala com comentários depreciativos sobre o ex-aliado. "Não tenho nada para defender Moro, tenho péssimas recordações enquanto ministro meu que poderia ter feito muita coisa, e não fez", disse.

Aposta no antipetismo

Além da reaproximação com o bolsonarismo, Moro transformou suas redes sociais em uma vitrine de ataques a Lula e ao PT e de nostalgia pela Lava Jato. Sobram referências a desvios na Petrobras, o triplex atribuído a Lula e o escândalo do Mensalão. No dia da entrevista de Lula ao Jornal Nacional, em 25 de agosto, Moro publicou um total de nove tuítes com ataques ao presidenciável do PT. "Lula diz que vai para a Presidência no sacrifício. Preferia ficar em casa. No triplex ou no sítio de Atibaia?", dizia uma das mensagens.

Após a operação de busca e apreensão dos santinhos no último fim de semana, Moro redobrou os ataques ao PT, já que a acusação de confecção irregular foi apresentada pela coligação "Brasil da Esperança", formada por PT, PC do B e Partido Verde. "Hoje a velha política tentou mais uma vez me intimidar. Advogados do PT conseguiram uma diligência para realizar uma busca e apreensão lá na minha casa", disse Moro, evitando mencionar que ele havia indicado sua própria residência como local do comitê de campanha.

Campanha atípica no Paraná

Se tomada como termômetro das prioridades de Moro nesta campanha, a conta do ex-juiz no Twitter indica pouca atenção a temas locais do estado pelo qual ele pretende ocupar uma cadeira no Senado. Desde 15 de agosto, quando a campanha iniciou oficialmente, Moro publicou apenas seis tuítes com referências ao Paraná – entre elas duas mensagens sobre uma cooperativa do norte do Paraná e a produção de tilápia no estado, além de uma foto com o arcebispo de Curitiba.

Por outro lado, Moro retuitou 30 publicações da sua mulher, Rosangela, que tenta conquistar uma vaga de deputada pelo estado vizinho de São Paulo, e tuitou cinco mensagens diretas de apoio a ela. Moro também publicou 30 críticas diretas ao PT e a Lula. Também apostou em mensagens da agenda de costumes, como tuítes contra a ampliação do direito ao aborto e alertando contra mudanças promovidas pelo governo de esquerda da Colômbia nas Forças Armadas do país vizinho.

Já seu rival Alvaro Dias, no mesmo período, publicou mais de seis dezenas de tuítes com referências diretas ao estado, abordando sua atuação no Senado e realizações à frente do governo paranaense entre 1987 e 1991, além de vídeos dos seus eventos de campanha no interior do Paraná e endossos de políticos locais, entre eles o prefeito de Curitiba, Rafael Greca. Recentemente, no que parece ser um forma de reforçar sua identificação com o estado, Dias passou a inserir o slogan "Por amor ao Paraná" em quase todas as suas publicações.

Ex-aliado de Moro, Alvaro Dias acumula mais de 27 anos no Senado e busca seu quarto mandato consecutivoFoto: Getty Images/AFP/M. Schincariol

Dias foi o principal padrinho politico da primeira fase da pré-candidatura de Moro à Presidência, quando o ex-juiz se filiou inicialmente ao Podemos. Em 2018, quando concorreu ao Planalto, Dias afirmou várias vezes que convidaria Moro para seu ministério, caso fosse eleito, antes mesmo de a ideia ser sondada por Bolsonaro. No entanto, a mudança tumultuada de Moro do Podemos para o União Brasil no final de março afastou os dois antigos aliados.

Agora, Moro passou a direcionar sua campanha agressiva ao senador conservador, tentando até mesmo ligá-lo ao PT. "O PT 'esqueceu' de reclamar do santinho do Álvaro Dias. Afinal, quem é o candidato real do PT ao Senado no PR?", tuitou Moro após a operação da Justiça Eleitoral.

Dias, por sua vez, tem evitado confrontar diretamente seu ex-aliado, mas tem mandado mensagens cifradas no seu material de campanha, que passou a dar ênfase à sua "experiência" no Senado e afirmar que a Casa é lugar de "maturidade". "Não é o lugar para as pessoas aprenderem. É preciso ter conhecimento e experiência", diz uma das mensagens do senador.

Ato de apoio à Lava Jato em 2019. Popularidade do ex-juiz erodiu nos últimos anosFoto: Silvia Izquierdo/picture-alliance/AP Images

Disputa para o Senado no Paraná é difícil para novatos

O histórico das disputas pelas vagas do Paraná no Senado não é favorável a figuras como Moro, um personagem com pouca experiência política no estado e que tenta seu primeiro cargo eletivo. Desde 1982, apenas dois paranaenses estreantes na política partidária foram bem-sucedidos em conquistar cadeiras no Senado: os empresários José de Andrade Vieira, do antigo banco curitibano Bamerindus, e Oriovisto Guimarães, do Grupo Positivo. Ambos, porém, destinaram milhões em recursos próprios para suas campanhas e contavam com as décadas de prestígio que suas grandes empresas acumularam entre o público do Paraná.

Com exceção da dupla de empresários, as vagas no Senado pelo estado costumam estar mais ao alcance de ex-governadores, ex-deputados e ex-secretários de estado. Outras duas vagas foram conquistadas por políticos que nunca haviam exercido mandato: Osmar Dias (irmão de Alvaro), em 1994, e a atual presidente do PT, Gleisi Hoffmann, em 2010. Porém, ambos tinham considerável experiência política: Osmar Dias havia ocupado a secretaria de Agricultura do Paraná por oito anos antes de ser eleito, e Hoffmann disputava sua terceira eleição.

A baixa taxa de renovação entre as vagas do Senado pelo estado também é um empecilho para estreantes na disputa por mandatos. Em 40 anos, apenas nove diferentes nomes ocuparam as cadeiras paranaenses no Senado – a mais baixa renovação entre os estados do Sul. E apenas um senador foi derrotado na busca pela reeleição nas últimas quatro décadas (Roberto Requião, em 2018). Nos últimos 24 anos, Dias só enfrentou uma disputa mais acirrada em 2006, quando derrotou Gleisi Hoffmann por pouco mais de cinco pontos percentuais. Em 2014, por outro lado, foi reeleito com 77% dos votos válidos.

Curiosamente, o estado de São Paulo, pelo qual Moro tentou originalmente concorrer ao Senado, tem um histórico mais favorável a figuras como o ex-juiz. Foi por São Paulo que Romeu Tuma conquistou uma cadeira na Casa em 1994, apostando numa campanha de "lei e ordem", em sua primeira eleição.