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CriminalidadeBrasil

"Crime não é novo, assustador foi a prisão das brasileiras"

12 de abril de 2023

Em entrevista à DW, socióloga Isabela Vianna Pinho explica que esquema de troca de etiquetas de bagagem utilizado pelo tráfico já era conhecido das autoridades, e visa burlar a fiscalização no aeroporto de embarque.

Fachada do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo
Etiquetas das bagagens das brasileiras presas em Frankfurt foram trocadas no aeroporto de Guarulhos Foto: picture-alliance/ZUMA/Fepesil

A prisão de duas brasileiras na Alemanha após terem suas malas trocadas por bagagens com drogas trouxe à tona uma nova modalidade utilizada pelo tráfico para enviar cocaína para a Europa. O esquema de troca de etiquetas de malas não é novo, afirma a socióloga Isabela Vianna Pinho, mas choca devido à detenção das passageiras inocentes.

"Ainda não sabemos há quanto tempo esse esquema está acontecendo, mas a polícia já estava investigando casos semelhantes pelo menos desde 2021", diz Vianna Pinho, que estuda as rotas múltiplas da cocaína que passa pelo Brasil e o tráfico no Porto de Santos, e atualmente é pesquisadora visitante do Instituto Dinamarquês para Estudos Internacional (DIIS).

Em entrevista à DW, a socióloga e doutoranda na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) fala sobre o esquema de tráfico que culminou com a prisão das brasileiras na Alemanha em 5 de março, bem como as modalidades de transporte de cocaína do Brasil para a Europa.

DW Brasil: O caso das brasileiras presas na Alemanha expôs ao público uma maneira de transporte de drogas para a Europa um tanto preocupante para quem viaja de avião. Essa forma de transporte de cocaína, usando a etiqueta de bagagem de terceiros em malas cheias de cocaína, é comum ou algo novo?

Isabela Vianna Pinho: Nos últimos anos, as facções, principalmente o Primeiro Comando da Capital (PCC), têm diversificado bastante as rotas, e há várias formas possíveis de tentar fazer com que a cocaína chegue à Europa. Uma delas é transporte aéreo.

Há casos antigos de transporte aéreo usando as chamadas mulas, quando alguém leva a droga na própria bagagem ou no próprio corpo. Mas neste caso específico, havia funcionários terceirizados trabalhando a serviço do crime, que recebiam para fazer a troca das etiquetas da mala.

Pensando na modalidade de transporte por aviões e por bagagens, não é algo novo, mas esse esquema de troca de etiquetas veio a público agora, após a prisão das mulheres inocentes. Já tinha visto notícias de situações como essa desde 2020. Mas o mais assustador nesse caso foi a prisão das passageiras na Alemanha.

Ainda não sabemos há quanto tempo esse esquema está acontecendo, mas a polícia já estava investigando casos semelhantes pelo menos desde 2021, depois das apreensões de malas com drogas que ocorreram em aeroportos europeus. Um dos funcionários envolvidos estava sendo monitorado desde abril de 2021 e foi preso pouco tempo depois.

Como funciona esse esquema?

Esse esquema de troca de etiquetas é feito para que as malas com drogas não passem pela fiscalização que ocorre antes do embarque. Ele é voltado a evitar o sistema de controle. Mas para funcionar, é fundamental que essas malas não sejam apreendidas no aeroporto de destino ou retiradas pelos passageiros identificados na etiqueta. Essas malas devem ser pegas antes por alguém no aeroporto de destino, provavelmente por algum funcionário que faz parte do esquema. Mas algo deu errado nesse caso.

Esse esquema já estava acontecendo antes desse caso, mas só veio a público agora porque a polícia no local de destino fez a apreensão das drogas e deteve as passageiras que tiveram as malas trocadas.

Esse tipo de esquema parece ser mais arriscado, pois as chances de não funcionar, ou de ser descoberto, me parecem grandes. No caso das brasileiras presas em Frankfurt, a polícia do Brasil atuou rapidamente e logo prendeu os funcionários envolvidos. Ele é um esquema mais arriscado do que outras formas de transporte?

Tenho pensado em escalas no transporte da droga, principalmente olhando para o tráfico em portos. Escalas abrangem tanto a quantidade das drogas, quanto a de envolvidos. No caso do porto, há desde mulas até mergulhadores, transportes por contêineres ou submarinos. Há várias modalidades que o tráfico utiliza para transportar a droga até a Europa.

Muitas vezes ficamos sabendo dos casos e da modalidade a partir do momento em que ocorre uma apreensão. Às vezes a polícia já está investigando ou já houve outras situações antes de a informação vir a público. Sabemos dessas modalidades a partir do que as forças de segurança apreendem.

Provavelmente, há outras modalidades ainda desconhecidas. Provavelmente, isso já estava acontecendo antes. Mas eu não afirmaria se é mais ou menos arriscado.

Como a cocaína da América do Sul costuma chegar à Europa?

O Brasil importa a cocaína de países produtores tradicionais, como Colômbia, Bolívia e Peru. A cocaína que passa pelo Porto de Santos vem principalmente da Bolívia e Peru. Ela entra no país pelas fronteiras, de formas variadas também, que podem ser avião, carreta, carros menores, mulas.

Há um tráfico internacional, que passa pelo Brasil e vai para fora, e há o tráfico que importa a pasta-base para ser transformada em cocaína e crack para serem consumidos no Brasil. A cocaína que vai para o mercado externo é o cloridrato de cocaína e é uma outra escala do tráfico.

A maior quantidade do cloridrato importado vai para os portos, mas também segue para os aeroportos. Há uma diversificação de rotas, são diversas modalidades e diversos caminhos. Grandes quantidades passam, principalmente, pelos portos brasileiros.

Então os portos são a principal porta de saída da cocaína que vai do Brasil para a Europa...

Sim. Por quantidades, são as principais. O Porto de Santos tem uma média de 20 toneladas apreendidas por ano. E todos sabem que é muito mais do que isso que circula. Essa é apenas a quantidade apreendida, e vai muito para os portos europeus. A questão dos aeroportos é uma escala menor, mas também muito lucrativa.

Quais são as principais facções envolvidas no tráfico no Brasil?

Há vários grupos, mas observamos a expansão do PCC para pontos muitos importantes da logística desse transporte. Há outras facções em outros territórios. Nos últimos dez anos, o PCC fez uma mudança para a escala transnacional do tráfico e, nos últimos cinco anos, vem ocorrendo uma diversificação cada vez maior dos portos utilizados. O PCC não está só em São Paulo, está em outros portos e outros estados, e há ainda informações de que eles fazem muitas alianças com outros grupos, até fora do Brasil.

Eu estudo principalmente o PCC, mas há outros grupos no Brasil, nas fronteiras e atuando em portos, porque fronteiras e portos são muito estratégicos.

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