O desafio de punir os desmatadores na Amazônia
5 de setembro de 2023Em comboio pela região central da Amazônia maranhense, três viaturas com fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) e policiais militares freiam repentinamente. A via estreita de terra está obstruída por troncos, cobertos por um pó da árvore recém-serrada.
No local, os fiscais encontram tábuas cortadas em tamanhos iguais, um galão com diesel e um boné. Quem fazia o trabalho clandestino correu com a motosserra para a mata, mas deixou a moto, encontrada a alguns metros adiante e apreendida pelos agentes.
A cena revela um crime ambiental: a derrubada ilegal da árvore ocorre dentro da Terra Indígena Arariboia, de usufruto exclusivo dos indígenas. Prevista na lei, a punição para este tipo de delito inclui pagamento de multa e prisão de três meses a cinco anos.
A DW Brasil acompanhou parte da operação de combate ao desmatamento na região. No Maranhão, a Floresta Amazônica quase desapareceu: 72% da mata já foi destruída.
Em 2023, como no restante da Amazônia, a velocidade da devastação no estado diminuiu. Mas a área destruída nos últimos quatro anos, durante a gestão de Jair Bolsonaro, foi 25% maior em relação ao mesmo período anterior.
"As operações são para tentar segurar o desmatamento não autorizado, a perda do bioma, a invasão de áreas protegidas, como são as terras indígenas e unidades de conservação. Mas isso só é possível com nossa presença constante aqui”, explica Miller Holanda Câmara, que coordena as ações em campo.
Não tinha ninguém, só gado
Com a moto apreendida na caçamba da viatura, os fiscais tentam seguir o que foi planejado para o dia. As visitas são programadas com antecedência, com base nos alertas emitidos pelo sistema de monitoramento via satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Com ajuda de um drone, o "alvo” - como os agentes chamam o local fiscalizado – é conferido. Apenas bois circulam em volta de pedaços de árvores ainda no chão, não há ninguém.
Identificar o dono da terra e fazer a entrega em mãos da multa está entre as atribuições da equipe. Esse trabalho nesta parte do Maranhão é praticamente investigativo: é preciso muita conversa com moradores em busca de detalhes que possam levar ao proprietário.
Ao fim, o indivíduo procurado reside num assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Aos agentes, ele admite que derrubou a vegetação nativa para aumentar o pasto. A multa, de R$ 45 mil, recai sobre a ex-companheira dele, cujo nome aparece no título de propriedade. Após receber a multa, impressa numa máquina portátil, ela tem 20 dias para recorrer.
"Eu disse para ele que não podia cortar a floresta. Ele achou que ninguém nunca iria encontrar a gente aqui”, lamenta a mulher à DW no quintal da pequena casa.
Caos fundiário atrapalha a responsabilização
Num outro alvo, o desmatamento de 73 hectares identificado pelos satélites está escondido depois de uma porteira trancada. Na área recém-aberta, os fiscais encontram gado cercado por uma estrutura bem construída, com acesso à água que chega por uma bomba.
As pistas colhidas com moradores do entorno indicam que o proprietário pode ser um comerciante de motosserras e ex-político da região. Surpreendido em sua loja pelos fiscais, ele nega a autoria. O caso segue em investigação interna no Ibama e, se a propriedade ficar comprovada, a infração será enviada ao comerciante.
"Na Amazônia, a arrecadação da multa por desmatamento é bastante complicada por conta da questão fundiária caótica. Muitos Cadastros Ambientais Rurais (CAR) ainda não foram validados, e parte dos infratores são orientados a negar quando abordados, e muitos usam laranja”, comenta a situação Paulo Barreto, pesquisador sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
O CAR é um registro obrigatório para donos de imóveis rurais desde o Código Florestal de 2012. Ele é autodeclatório e passa por uma conferência dos órgãos estaduais. O ritmo de checagem no Maranhão é lento: dos 273.615 CARs feitos, apenas 3.396 foram analisados, ou seja, pouco mais de 1%, segundo dados mais recentes.
Numa outra fazenda fiscalizada, a área de 42 hectares de floresta suprimida é para dar lugar a um ponto de embarque de gado. A propriedade foi arrendada para um grupo pecuarista de outro estado. O gerente encontrado na sede dá poucas informações aos fiscais, e o caso permanece em investigação interna.
"É fundamental responsabilizar a ‘porteira' para o mercado: quem mais desmata na Amazônia é a pecuária. Então é preciso responsabilizar os frigoríficos que compram gado de área desmatada, dar mais transparência aos dados sobre trânsito animal”, defende Barreto, mencionando a iniciativa Radar Verde, um indicador que avalia o grau de controle da origem da carne comercializada por frigoríficos e varejistas.
Segundo dados parciais, a operação do Ibama aplicou 20 autos de infração, que somaram R$ 2,3 milhões. O total de propriedades embargadas corresponde a uma área de 7,7 mil quilômetros quadrados.
Terra Indígena Arariboia sitiada
As áreas fiscalizadas na operação têm algo em comum: estão no entorno da Terra Indígena Arariboia, de 4 mil quilômetros quadrados. Em contraste com os números de desmatamento no Maranhão, o território de usufruto exclusivo dos indígenas guajajara e awá, que vivem em isolamento, tem 98% da floresta preservada.
A proteção contra invasores vitimou pelo menos seis guajajara no último ano. Segundo lideranças, ataques sistemáticos são feitos com a intenção de amedrontar o povo e coagir quem resiste à invasão.
Durante a operação, um drone do Ibama flagrou um invasor derrubando árvores na TI. Em várias ocasiões, a DW presenciou indígenas que moram em aldeias mais próximas à rodovia abordarem os fiscais para denunciar roubo de madeira.
"Nós precisamos fazer parceria com o Ibama para que eles entrem na nossa terra. Nós somos indígenas, conhecedores do território, somos guerreiros e guardiões, fazemos esse patrulhamento Mas precisamos de mais proteção”, diz à reportagem Flay Guajajara.
Ele integra o grupo de guardiões da TI Arariboia fundado há dez anos para proteger o local e denunciar os crimes. "Queremos que o mundo aprenda mais com a gente. A gente tem muito conhecimento, a gente pode também mudar o mundo com a proteção da floresta.”