Sem foro privilegiado no STF, ex-deputado terá futuro decidido pela Justiça Federal. Especialista afirma que Cunha está mais perto da prisão por causa da ação rígida dos promotores e juízes da Lava Jato.
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Desde que a Operação Lava Jato revelou o envolvimento do agora ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) com os desvios da Petrobras, uma pergunta surgiu na cabeça dos brasileiros: quando ele será preso?
Os primeiros indícios contra Cunha apareceram em março de 2015. Nos meses seguintes, surgiram outras acusações: documentos mostraram que ele era detentor de contas secretas na Suíça; surgiram indícios de que ele aceitou propina em esquemas de corrupção na Caixa Econômica Federal, em Furnas e no projeto de renovação do porto do Rio de Janeiro, além de ter participação na suposta venda de emendas parlamentares.
A acusação de obstrução da Justiça acabou resultando, em maio, no afastamento de Cunha da Câmara dos Deputados – e consequentemente da presidência, que ele ocupava na época – por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF). No momento, sua mulher e filha são alvos de ações na Justiça Federal do Paraná, berço da Lava Jato, por causa das contas na Suíça.
Cunha é cassado e fica inelegível até 2027
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Cunha também é alvo de sete inquéritos no Supremo e já é réu em dois processos sob as acusações de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, corrupção e falsidade ideológica. Sua residência já foi alvo de um mandado de busca e apreensão, e seus bens estão bloqueados.
Por que o Supremo não ordenou a prisão?
Em junho, a Procuradoria Geral da República (PGR) chegou a pedir sua prisão sob a acusação de que, mesmo afastado da Câmara, ele continuava a agir para atrapalhar as investigações contra ele que tramitavam na casa parlamentar.
Na mesma leva, a PGR incluiu outros políticos do PMDB, como os senadores Renan Calheiros e Romero Jucá e o ex-presidente José Sarney, por outros motivos. O STF rejeitou os pedidos de prisão dos três, mas não se manifestou sobre Cunha. O pedido continua nas mãos do ministro Teori Zavascki, o relator da Lava Jato. Nos últimos três meses, a pergunta original sobre a prisão ganhou, assim, uma variante: por que o Supremo não ordenou a prisão de Cunha?
Segundo o professor de Direito Constitucional Rubens Glezer, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, a indecisão do STF se deve à prudência habitual do tribunal ao analisar pedidos de prisão. "O pedido de prisão nesses casos é uma exceção. Em tribunais de primeira instância, os números de prisões são altos, mas isso baixa em tribunais superiores. Os advogados são mais bem remunerados, os juízes são mais cuidadosos. Já foi uma inovação o STF ter agido para afastar Cunha do mandato. A prisão de um deputado exigiria um flagrante de crime inafiançável", afirmou.
De acordo com Glezer, a tendência agora é que o pedido de prisão feito pelo MP perca efeito, já que, cassado, Cunha não pode fazer mais nada para atrapalhar as investigações contra ele na Câmara.
Sem foro privilegiado no STF
De qualquer forma, a maior parte das ações contra Cunha deve agora ser remetida à primeira instância, já que, sem mandato, ele perdeu o foro privilegiado no STF. Alguns dos inquéritos e processos contra ele deverão ser assumidos pela Justiça Federal do Paraná, onde trabalha o juiz Sérgio Moro, que concentra os casos da Lava Jato que envolvem figuras sem mandato político, como empreiteiros e tesoureiros de partidos – muitos deles já cumprindo pena na prisão.
Outros devem ser enviados para as Justiças Federais do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, já que incluem suspeita de fraude praticadas nesses Estados, como a propina envolvendo o porto do Rio.
Portanto, outros juízes deverão decidir se Cunha pode ser alvo de um mandado de prisão preventiva.
Chances de prisão aumentam
Segundo Cristiano Maronna, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), as chances de Cunha eventualmente ser preso devem aumentar, especialmente por causa do histórico de Sérgio Moro e dos procuradores da Lava Jato. Mesmo que uma prisão cautelar não seja decretada logo, o deputado vai enfrentar dificuldades em eventuais julgamentos na Justiça Federal do Paraná – que tem aplicado penas duras, e cujas decisões raramente são reformadas por tribunais superiores – e eventualmente deve cumprir pena.
"A Lava Jato tem ido atrás de alvos preferenciais, e Cunha pode se tornar facilmente um deles", afirma Maronna. Ainda segundo ele, os investigadores de Curitiba, pelo seu histórico de atuação, talvez nem precisem esperar por um fato novo (como mais uma acusação de obstrução) para determinar a prisão.
"Podem apontar, por exemplo, que ele continuou a movimentar recursos financeiros e reincindiu na prática de lavagem de dinheiro. Sérgio Moro costuma ver a prisão cautelar como uma punição antecipada. A pergunta é se Cunha vai colaborar. A mulher e filha também estão sofrendo problemas com a Justiça. Isso pode ser um incentivo."
Os envolvidos na Operação Lava Jato
A operação que investiga um megaesquema de corrupção na Petrobras já acusou mais de 200 pessoas, sendo que metade delas foi condenada. Relembre as principais ações penais da Lava Jato e seus envolvidos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/N. Antoine
Youssef absolvido
Denúncia: Evasão de 124 mil dólares não declarados, lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas e tráfico de 700 kg de cocaína.<br/> Resultado: Dois condenados (René Luiz Pereira e Carlos Habib Chater, dono do posto que deu nome à operação), um absolvido em 1ª instância (o doleiro Alberto Youssef, na foto) e um absolvido em 2ª instância (André Catão).<br/> Data: 21 de outubro de 2014.
Foto: cc-by/Valter Campanato/ABr
Primeira condenação de Youssef e Costa
Denúncia: Lavagem de dinheiro e formação de grupo criminoso organizado. Houve desvio de dinheiro público na construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, por meio de contratos superfaturados.</br> Resultado: Oito condenados (entre eles, Alberto Youssef e o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, na foto) e dois absolvidos.</br> Data: 22 de abril de 2015.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agencia Brasil
Youssef e o dinheiro do mensalão
Denúncia: Lavagem de dinheiro. Os recursos, que ultrapassam 1 milhão de reais, pertenciam ao ex-deputado federal José Janene, morto em 2010, e eram provenientes do esquema do mensalão.</br> Resultado: Quatro condenados: Alberto Youssef, Carlos Habib Chater, Ediel Viana da Silva (funcionário do Posto da Torre) e Carlos Alberto Pereira da Costa (laranja de Youssef).</br> Data: 6 de maio de 2015.
Foto: Reuters
Cerveró é condenado
Denúncia: Lavagem de dinheiro. Nestor Cerveró (foto), ex-diretor da área Internacional da Petrobras, comprou um apartamento de luxo no Rio de Janeiro – hoje avaliado em 7,5 milhões de reais – com dinheiro de propina da Petrobras.</br> Resultado: Um condenado.</br> Data: 26 de maio de 2015.
Foto: José Cruz/ABr
A primeira sentença a empreiteiros
Denúncia: Corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, envolvendo contratos da construtora Camargo Corrêa com as refinarias Abreu e Lima e Getúlio Vargas. As propinas pagas pela empresa ultrapassam os 50 milhões de reais.</br> Resultado: Seis condenados (entre eles, Youssef, Costa e três ex-dirigentes da Camargo Corrêa) e três absolvidos.</br> Data: 20 de julho de 2015.
Foto: AFP/Getty Images/Y. Chiba
Próximo alvo: executivos da OAS
Denúncia: Corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, envolvendo contratos da empreiteira OAS com as refinarias Abreu e Lima e Getúlio Vargas. As propinas pagas somam quase 30 milhões de reais.</br> Resultado: Sete condenados (Youssef, Costa, na foto, e mais cinco executivos ligados à OAS, entre eles, o presidente, José Aldemário Pinheiro Filho).</br> Data: 5 de agosto de 2015.
Foto: picture-alliance/AP/E. Peres
Novo operador: Fernando Baiano
Denúncia: Corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo pagamento e recebimento de propina em contratos com a Petrobras. As vantagens indevidas superam 50 milhões de reais.</br> Resultado: Três condenados (Nestor Cerveró, em sua segunda condenação, o lobista Fernando Baiano e um ex-consultor da Toyo Setal, Júlio Camargo) e um absolvido (Youssef).</br> Data: 17 de agosto de 2015.
Foto: Reuters/S. Moraes
Um petista e mais dois ex-Petrobras
Denúncia: Corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa. As propinas negociadas chegaram a 40 milhões de reais.</br> Resultado: Dez condenados (entre eles, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, na foto, o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, o ex-gerente da estatal Pedro Barusco e Alberto Youssef) e um absolvido (Paulo Roberto Costa).</br> Data: 21 de setembro de 2015.
Foto: picture-alliance/dpa/C. Villalba Racines
Primeiro político condenado
Denúncia: Corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo propinas de pelo menos 1 milhão de reais, por meio de contratos de publicidade firmados com a Caixa e o Ministério da Saúde.</br> Resultado: Três condenados: o ex-deputado federal André Vargas (foto), o irmão dele, Leon Vargas, e o publicitário Ricardo Hoffmann.</br> Data: 22 de setembro de 2015.
Foto: José Cruz/ABr
O segundo político
Denúncia: Corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo propinas de pelo menos 11 milhões de reais.</br> Resultado: Três condenados (entre eles, o ex-deputado federal Pedro Corrêa, que chegou a receber propina enquanto era julgado na Ação Penal 470, o mensalão, processo em que também foi condenado) e dois absolvidos.</br> Data: 29 de outubro de 2015.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
Mais empreiteiras na mira
Denúncia: Lobistas, doleiros, ex-diretores da Petrobras e executivos ligados à construtora Andrade Gutierrez (entre eles, o presidente da empresa, Otávio Marques de Azevedo, na foto) foram denunciados por formação de quadrilha, corrupção, organização criminosa e lavagem de capitais, após envolvimento no esquema da Petrobras.</br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; réus aguardam sentença.
Foto: Reuters/F. de Holanda TPX Images of the day
Agora, a Odebrecht
Denúncia: Preso desde junho de 2015, Marcelo Odebrecht – então presidente da empreiteira Odebrecht – é acusado de envolvimento com o esquema de corrupção. A empresa pagava propina, que era repassada a funcionários da Petrobras.</br> Resultado: Foi condenado a 19 anos de prisão por crimes como corrupção e organização criminosa.</br> Data: 8 de março de 2016.
Foto: Reuters/E. Castro-Mendivil/Files
Mais uma vez condenado
Denúncia: O ex-ministro José Dirceu passou a ser réu da Lava Jato enquanto cumpria pena pelo mensalão. Ele e outras 14 pessoas foram denunciadas por vários atos de corrupção dentro da Petrobras.</br> Resultado: Dirceu foi condenado a 23 anos de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Outras dez pessoas também foram condenadas.</br> Data: 18 de maio de 2016.
Foto: picture-alliance/dpa/H. Alves
Outra denúncia contra Odebrecht
Denúncia: Marcelo Odebrecht é reu outra vez, junto a outros executivos do grupo, em processo que investiga irregularidades em oito contratos firmados pela empresa com a Petrobras. Segundo o MPF, as propinas chegaram a 137 milhões de reais.</br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; réus aguardam sentença.
Foto: picture alliance/ZUMAPRESS.com
Collor acusado de corrupção
Denúncia: O senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) é acusado de cometer crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, tendo recebido pelo menos 3 milhões de reais em propinas de contratos da Petrobras. Em julho, a Polícia Federal fez buscas em suas propriedades e confiscou três carros de luxo.</br> Resultado: Denúncia apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF), aguarda decisão.
Foto: ROBERTO SCHMIDT/AFP/Getty Images
Repasses ao PT
Denúncia: O pecuarista José Carlos Bumlai é acusado de corrupção, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro, por fraudes na compra de um navio-sonda pela Petrobras. Em depoimento, confessou ter feito um empréstimo de 12 milhões de reais no Banco Schahin para repassar ao PT. Entre os outros dez réus, estão Cerveró, Vaccari e executivos do Grupo Schahin.</br>Resultado: Denúncia aceita pela Justiça.
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
A denúncia contra Cunha
Denúncia: O ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, é acusado de receber milhões de reais em propina no esquema de corrupção na Petrobas, que teriam sido depositados em contas em seu nome na Suíça. Ele responde pelos crimes de corrupção, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.</br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; réu aguarda julgamento.
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Mulher de Cunha também é ré
Denúncia: A jornalista Cláudia Cordeiro Cruz, mulher de Eduardo Cunha, é acusada de esconder, em conta secreta no exterior, valores provenientes do esquema criminoso instalado na diretoria internacional da Petrobras. Ela responde pelos crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas.<br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; ré aguarda julgamento.
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
Lula e Delcídio
Denúncia: O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-senador Delcídio do Amaral e outras cinco pessoas são acusados de terem tentado atrapalhar as investigações da Lava Jato ao negociar para impedir que o ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró assinasse acordo de delação premiada.</br> Resultado: Denúncia aceita pela Justiça; réus aguardam julgamento.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
Ex-ministro e senadora denunciados
Denúncia: A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo (foto), são acusados de pedir e receber propina no valor de 1 milhão de reais oriundos da Petrobras. O montante teria sido usado na campanha de Gleisi ao Senado em 2010.</br> Resultado: Denúncia apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF), aguarda decisão.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Lula e o tríplex
Denúncia: O ex-presidente Lula é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por ter supostamente recebido 3,7 milhões de reais em vantagens indevidas da construtora OAS. Parte do montante está relacionada a um tríplex no Guarujá. Também são alvos da ação a mulher do petista, Marisa Letícia, e mais seis pessoas.<br> Resultado: Denúncia apresentada pelo MPF, aguarda decisão.